IBEF Academy
Mercados Regionais e o Protagonismo do Café Capixaba
Em um país movido a café, o Café Capixaba prova que desenvolvimento econômico e tradição podem, sim, fermentar na mesma xícara

Em um país movido a café, o Café Capixaba prova que desenvolvimento econômico e tradição podem, sim, fermentar na mesma xícara. Foto: Reprodução/ Instagram
Em um país onde o café é praticamente um direito fundamental não-escrito e negar uma xícara pode ser visto como falta de educação, não é exagero dizer que esse grão aromático move o Brasil. Seja na exportação que sustenta a balança comercial, seja na pausa estratégica de quem precisa acordar para enfrentar mais um dia difícil, o café é onipresente. E, quando o assunto é protagonismo regional, o Espírito Santo tem muito a ensinar ao país.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
A relação entre o café e o Espírito Santo é profunda e histórica. Desde o século XIX, o grão tem sido símbolo da força produtiva do estado, sendo o primeiro cultivo rural de larga escala. Impulsionada pelo trabalho de imigrantes, a cafeicultura capixaba ultrapassou fronteiras e ganhou o mundo. Atualmente, segundo dados da Secretaria de Agricultura do Estado, o Espírito Santo ocupa a liderança nacional na produção de café conilon e figura como o segundo maior produtor do país. Presente em praticamente todos os municípios, a atividade responde por impressionantes 43% do PIB agrícola capixaba, consolidando-se como um verdadeiro pilar da nossa economia.
Em 2024, o estado bateu recordes no comércio exterior. Com um total movimentado de US$ 24,6 bilhões, destaque absoluto vai para as exportações de café, que atingiram US$ 2 bilhões, crescendo 119% em relação a 2023. O café capixaba, antes tímido frente ao minério de ferro e ao aço, agora disputa primazia com os grandes nomes da pauta de exportação. Algo que, até recentemente, soaria como exagero, mas hoje é realidade.
A explicação não está apenas na eficiência regional. A conjuntura global também favoreceu. Quebras de safra na Ásia pressionaram a oferta, enquanto a demanda mundial seguiu aquecida. Dados recentes da Volcafe indicam que, pelo quinto ano consecutivo, o consumo mundial de café deverá ultrapassar a produção. Resultado: o preço da saca de conilon disparou de R$ 800 para até R$ 2.000 em pouco mais de um ano.
Se para o brasileiro comum a alta no preço do café representa um amargo “azar” na hora de pagar a conta do mercado, para o produtor rural o momento é de euforia, entusiasmo e oportunidade. Os valores recordes da saca transformaram a dificuldade da escassez em chances concretas de alto lucro e valorização da produção, um raro alinhamento entre mercado e recompensa ao esforço no campo.
Como dito, o café soma parte considerável do PIB local, muito por representar 84% de todas as exportações no setor, ato este que consolida o estado como maior produtor nacional de conilon e agente influente no mercado mundial. Esse cenário, já expressivo, tende a se fortalecer ainda mais com a instalação de duas grandes processadoras e exportadoras de café no Espírito Santo.
A Cacique Café Solúvel, uma das maiores do país, iniciou, em 2021, as operações de mais uma unidade fabril, reforçando o seu investimento contínuo por inovação, tecnologia e expansão. A gigante Olam, com sede em Singapura e presença global consolidada, também executou investimentos no Espírito Santo, incentivada pela excepcional qualidade do café capixaba. Ambas empresas escolheram o município de Linhares para esses investimentos.
Tais empreendimentos se somam a nomes capixabas já consagrados, como a Realcafé, uma das maiores empresas do setor no Brasil e no mundo, consolidando o Espírito Santo como um dos poucos estados brasileiros que operam toda a cadeia do café, da produção à industrialização. Essa verticalização representa um avanço estratégico: ao agregar valor à matéria-prima local, o Estado expande sua capacidade de geração de empregos, receitas e desenvolvimento econômico sustentável.
Soma-se a esses grandes nomes do mercado internacional o próprio produtor ou comerciantes capixabas, que viram nos cafés especiais a possibilidade de ganhar um setor específico do mercado e aumentar a sua renda. Assim, marcas como o Café Nandorf e café Cordilheira do Caparaó, por exemplo, fomentam a economia com cafés premiados em grandes competições. Com isso, o que se percebe é que ao investir na retenção do grão em solo capixaba, o Espírito Santo completa o ciclo do café, passando de apenas exportador de commodities para protagonista de uma cadeia produtiva robusta e com alto valor agregado.
Mas não só de conquistas vive o setor e os desafios não devem ser negligenciados. A volatilidade climática, a dependência de fatores externos, as oscilações no câmbio e no preço internacional e a infraestrutura logística deficiente ainda impõem sérios riscos à cadeia produtiva. É necessário investir em tecnologia agrícola, irrigação inteligente, rastreabilidade da produção, qualificação da mão de obra e sustentabilidade ambiental.
Ainda assim, naquilo que depender dos próprios produtores, o futuro é promissor. Recentemente um estudo promovido pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) concluiu que cultivar café conilon em sistema agroflorestal pode favorecer a produção de cafés especiais, além de tornar a cultura mais resiliente às mudanças climáticas. Os resultados reforçam o entendimento de que os sistemas agroflorestais são uma alternativa promissora para o cultivo do cafeeiro, frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas
Por outro lado, o papel do estado do Espírito Santo em agir como facilitador também é crucial. Mais do que intervir, o poder público deve criar condições para que o mercado funcione com eficiência de modo a implementar logísticas e segurança jurídica para o produtor. Nesse caminho, medidas como o projeto de lei que reduziu a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) na comercialização de café conilon (de 12% para 7%), e a desoneração tributária federal sobre itens da cesta básica, incluindo o café, foram e são bem-vindas como parte de uma estratégia macro que alinhe responsabilidade fiscal com incentivo à produção e ao consumo.
A experiência capixaba mostra que mercados regionais podem e devem ser protagonistas no cenário nacional, desde que amparados por um empreendedorismo resiliente e uma gestão pública coerente com valores liberais. O Espírito Santo soube transformar sua vocação cafeeira em vantagem competitiva internacional, ainda que os riscos estejam sempre no horizonte.
O grão, culturalmente arraigado ao cotidiano brasileiro, seja no despertar das manhãs, na pausa entre reuniões, ou no afeto entre amigos, passou a representar o Espirito Santo e o Brasil em cenários mundiais. Seja na mesa do trabalhador, no porto de embarque ou na xícara fumegante de quem precisa começar o dia, o café mostra que o desenvolvimento não nasce apenas de grandes planos nacionais, mas do potencial que brota, grão a grão, nos campos do produtor, que acredita o seu valor e em seu trabalho.
Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.
*Teuller Pimenta é advogado, Especialista em Direito e Processo Tributário, membro do Núcleo Especial de Tributação Empresarial do IBEF-ES e do IBEF Academy.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
