Coluna Vitor Vogas
O misterioso projeto para mudar a eleição na Câmara de Vila Velha
No apagar das luzes da atual legislatura, projeto foi apresentado com o objetivo de mudar as regras para a eleição da próxima Mesa Diretora
Em meio a intensas movimentações dos aspirantes à presidência da Câmara Municipal de Vila Velha, um misterioso projeto de resolução, sem paternidade assumida, foi protocolado no sistema interno da Casa na última quarta-feira (11). No apagar das luzes da atual legislatura, o projeto foi apresentado com o objetivo de mudar as regras para a eleição da próxima Mesa Diretora, que comandará o Legislativo Municipal no biênio 2025-2026.
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A eleição da nova Mesa ocorrerá no dia 1º de janeiro, em sessão especial, logo após a posse dos 21 eleitos. Antes disso, até a próxima segunda-feira (23), a(s) chapa(s) precisa(m) estar oficialmente registradas, pois o Regimento Interno da Câmara impõe registro com antecedência de até oito dias – e no dia 24 a Casa não vai funcionar.
Nos moldes de projeto similar aprovado na Assembleia Legislativa em setembro, o projeto em questão, que não chegou a ser votado na Câmara, prevê três mudanças no Regimento Interno, alterando regras fundamentais no processo de eleição da Mesa Diretora. A principal delas é a ampliação do número de membros da Mesa e, consequentemente, do número mínimo de membros de cada chapa.
Hoje, na Câmara de Vila Velha, a Mesa é formada por seis vereadores, sendo três titulares e três suplentes imediatos. Os titulares são o presidente, o 1º secretário e o 2º secretário. Além deles, há o vice-presidente, o 2º vice-presidente e o 3º secretário. Assim, para ser registrada na eleição interna, uma chapa precisa ter seis vereadores eleitos, com a indicação dos respectivos cargos.
O projeto apresentado prevê que, em vez de seis, a Mesa passe a ser composta por 10 vereadores (numa Casa que terá um total de 21!). Aos cargos já existentes, seriam acrescentados o 3º vice-presidente e, ainda, o 4º, o 5º e o 6º secretário. Desse modo, para uma chapa poder ser inscrita na eleição da Mesa Diretora, precisaria conter exatamente 10 componentes, com as assinaturas de todos.
A segunda mudança importante prevista pelo projeto é que, uma vez registrada a chapa, todos os vereadores que a compõem ficariam automaticamente obrigados a votar nessa mesma chapa, na votação do dia 1º.
A terceira alteração, relacionada à anterior, é que, a partir do momento que um vereador tivesse assinado uma chapa e que esta fosse registrada, esse mesmo vereador ficaria impedido de solicitar a retirada da própria assinatura.
No caso da ampliação do número de membros da Mesa Diretora, a proposta de mudança foi motivada, exclusivamente, pela eleição da Mesa, até porque essa seria a única implicação direta. No dia a dia da Câmara, tanto na administração como na condução das sessões, os novos secretários e vice-presidentes criados seriam cargos supérfluos, praticamente simbólicos. Não teriam o menor poder.
O que mudaria, sim, profundamente, seria a matemática relacionada à eleição da Mesa. Com um mínimo de dez vereadores “amarrados”, sem nenhuma possibilidade de defecção, o grupo que conseguisse “bater chapa” já estaria quase eleito. Só precisaria de mais um voto – em situação para lá de inusitada.
Teoricamente, até haveria a possibilidade de registro de duas chapas, com dez membros em cada uma. O único vereador restante, não incluído em nenhuma das duas, decidiria sozinho a disputa com seu voto – em situação ainda mais insólita.
Já as duas outras modificações têm o intuito de evitar desistências e traições entre o registro da chapa e a eleição do dia 1º – ou, arredondando, entre o Natal e a virada do ano –, deixando a chapa à prova de pressões e reviravoltas. Seria uma espécie de seguro político.
Em conclusão, quem concebeu e apresentou esse projeto estava querendo se precaver, ficar bem calçado politicamente na reta final da disputa pela presidência. Com um grupo fechadinho de dez vereadores e chapa registrada com todos eles até dia 23, essa chapa largaria na frente com uma vantagem muito grande sobre eventuais concorrentes, independentemente de eventuais pressões, por exemplo, da Prefeitura de Vila Velha.
Na sucessão de Bruno Lorenzutti (MDB), os interessados na presidência no momento são quatro: Osvaldo Maturano (PRD), Ivan Carlini (Podemos), Rogério Cardoso (Podemos) e Patrícia Crizanto (PSB). A vantagem é dos dois primeiros, considerados com mais chances no processo. Segundo vereadores, a definição, no momento, estaria entre Maturano e Ivan.
Maturano, hoje, gozaria da preferência do prefeito Arnaldinho Borgo (Podemos) e seu núcleo político. Ivan, Rogério e Patrícia estão juntos em um mesmo movimento, do qual fazem parte outros sete vereadores (mais detalhes abaixo).
E de quem partiu, afinal, a iniciativa do projeto?
A princípio, não há outra resposta possível: saiu do gabinete do próprio Bruno Lorenzutti. Oficialmente, na página oficial da Câmara, é ele quem consta como autor.
O arquivo protocolado, disponível no sistema de consulta pública, só contém a assinatura digital do atual presidente. Até consta uma lista com os nomes digitados (para assinatura) de todos os outros 16 atuais vereadores. Mas não há realmente a assinatura de nenhum deles, nem à mão nem digital.
A Câmara de Vila Velha tem sessões ordinárias às segundas, às 17 horas, e às quartas, às 9 horas. Na última segunda-feira (16), ocorreu o episódio mais estranho deste enredo. Não é nem que a sessão tenha sido derrubada por falta de quorum. Em situação raríssima, ela nem sequer foi iniciada.
O vereador Heliosandro Mattos (PP) até fez, por duas vezes, a verificação de quorum. Na primeira, só quatro parlamentares registraram presença. Na segunda, apenas dois. No site da Câmara, consta que oito edis faltaram à sessão sem justificativa. Outros seis justificaram a ausência.
Nitidamente, houve um movimento orquestrado, da base do prefeito, para boicotar a realização da sessão.
Por quê?
Ninguém o confirma de maneira aberta. Reservadamente, porém, fontes da coluna comentam que havia sinais de que o projeto (não constante na pauta oficial do dia) poderia ser subitamente pautado e votado em regime de urgência. Quem define a pauta é o presidente. Temendo esse possível movimento, vereadores leais ao prefeito Arnaldinho Borgo, que formam maioria na Casa, boicotaram a sessão.
Bruno Lorenzutti e Arnaldinho estão praticamente rompidos, após pelo menos oito anos de aliança política em Vila Velha. O afastamento começou quando o prefeito escolheu Cael Linhalis (PSB), em detrimento dele, como candidato a vice-prefeito. O anúncio foi feito poucos dias antes da largada oficial da campanha, em 16 de agosto.
Depois do período eleitoral, a relação, que já tinha azedado, ficou ainda pior. No processo de sucessão da Mesa, reservadamente, Bruno tem simpatia pelo vereador Rogério Cardoso (Podemos). Este uniu forças com Ivan Carlini. Os dois estão integrados a um grupo formado, precisamente, por dez vereadores, incluindo outros parlamentares reeleitos mais próximos a Bruno e os quatro vereadores eleitos inclinados a fazer oposição a Arnaldinho (um do PT e três do PL).
Rogério Cardoso viu suas chances se esvaírem – inclusive, por ser o preferido de Bruno.
O que diz Bruno Lorenzutti
Questionado pela coluna sobre a autoria do projeto, Bruno Lorenzutti afirmou (sem precisar nomes) que a iniciativa partiu de vários vereadores e que, se apenas ele consta no sistema como autor, é porque a protocolização partiu de seu gabinete.
O projeto não contém justificativa. Sobre os motivos da proposta de mudança do Regimento Interno e das regras que disciplinam a eleição da Mesa Diretora, Bruno respondeu o seguinte:
“Isso foi para deixar mais claro o Regimento Interno em relação à eleição da Mesa. Quando você deixa de forma explícita os procedimentos, isso dá mais segurança. Por exemplo, hoje uma pessoa pode ser signatária da inscrição de uma chapa, mas pode votar em outra chapa. Então seria só para que quem está signatário na chapa de um tenha o voto automaticamente computado, porque já foi signatário da chapa. É só isso, mais nada. É para dar mais clareza ao Regimento Interno. E, na verdade, não fui nem eu que desenhei essa proposta. Foram os vereadores. Eu só assinei com eles lá. Não estou nem participando dessa questão da escolha da Mesa, até porque nem voto nessa eleição, estou encerrando minha carreira na Câmara”.
O atual presidente não fez considerações sobre a ideia de aumentar o número de integrantes da Mesa.
Segundo ele, a proposição será arquivada: “Eles [vereadores] me pediram para retirar, pois não julgaram oportuno para este momento”.
A tentativa não vingou. Mas a simples tentativa diz muito sobre o atual tabuleiro desse jogo de disputa de poder em Vila Velha. Um jogo que, hoje, pode ser dividido em duas equipes.
Maturano x Clube dos 10: bloco com dez vereadores dobra a aposta, mantém-se firme no processo e aumenta desafio político para Arnaldinho
No momento em que esta coluna é publicada, na tarde desta quarta-feira (18), o nome com mais chances de vingar, no que depender do gabinete político de Arnaldinho Borgo, é o de Osvaldo Maturano (PRD), aliado do prefeito e seu atual líder no plenário.
Há, contudo, um persistente obstáculo político a superar: um grupo formado por dez vereadores – aquele mencionado acima –, contrário ao nome de Maturano, insiste em se manter unido e resiste no processo eleitoral.
Além de Ivan (Podemos), Rogério (Podemos) e Patrícia Crizanto (PSB) – todos da base de Arnaldinho; todos almejando a presidência –, esse grupo é composto por outros três aliados do prefeito – Renzo Mendes (PP), Fábio Pires (Agir) e Welber da Segurança (União) – e, ainda, pelos quatro vereadores inclinados a fazer mandato de oposição – o do PT, Rafael Primo, e o trio do PL: Patrick da Guarda, Devacir Rabello e Pastor Fabiano Oliveira.
Insistindo em que o grupo só visa à eleição da Mesa e não tem caráter de oposição a Arnaldinho, os dez têm se reunido regularmente desde a deflagração da disputa. Na tarde desta quarta-feira (18), pouco antes da cerimônia de diplomação marcada para as 16 horas na UVV, os dez tornaram a se reunir, em um local na Prainha, para reiterar que o bloco segue firme, com a intenção de registrar uma chapa até o dia 23.
O desafio do bloco – e tal foi a missão coletiva estabelecida pelos dez – é conseguir atrair mais um vereador, para chegarem ao número mágico de 11, alcançando a maioria simples dos votos necessários para vencer a eleição do dia 1º.
Do ponto de vista de Arnaldinho e de seu núcleo duro político, esse movimento não convém. Basta analisar a composição do bloco e se colocar no lugar dele: embora o grupo reafirme que não tem caráter de oposição, é fato que ali estão abrigados os quatro potenciais oposicionistas do prefeito no próximo mandato, além de vereadores mais ligados a Bruno Lorenzutti (convertido em desafeto).
Se descontados esses dez e o próprio Maturano, há mais dez vereadores eleitos e com direito a voto na definição da Mesa.
O próprio Maturano tem feito a sua parte e se articulado incansavelmente.
Se quiser mesmo bancar politicamente a eleição de Maturano, prefeito e sua equipe terão de garantir (com ele e para ele) esses outros dez votos hoje “soltos”, assegurando-lhe a vitória matemática. E, de preferência, para aumentar a segurança de vitória, atrair para o lado de Maturano um ou mais vereadores da base hoje inseridos nesse “bloco dos 10”, fazendo-o desmoronar, ou implodindo por dentro um movimento que hoje se revela bem compacto.
Conclusão
Juntando as peças deste complexo quebra-cabeças, resta evidente que a tentativa frustrada de aprovar às pressas o projeto de que tratamos na primeira parte da coluna partiu desse bloco dos 10 (sob as bênçãos de Bruno Lorenzutti). A mudança nas regras lhes interessava muito, a fim de aumentarem as próprias chances numa disputa em que não encontram, até este momento, convergência com o projeto do prefeito.
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