Coluna Vitor Vogas
O discurso de Bolsonaro na Prainha: “Vencemos a pandemia”
Ex-presidente pediu votos para candidatos do PL no ES em comício nesta segunda-feira, em discurso marcado por populismo e negacionismo. Coluna esteve lá. Saiba aqui como foram o (esvaziado) evento eleitoral e a fala do ex-presidente para a militância do partido
Em um discurso descolado da realidade, que briga com fatos e números, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) falou à sua militância do alto de um trio elétrico no Parque da Prainha, em Vila Velha, por volta das 14 horas desta segunda-feira (30). O comício estrelado pelo ex-presidente da República foi o ápice da programação eleitoral protagonizada por ele na Grande Vitória nesta segunda-feira (30).
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Bolsonaro veio ao Espírito Santo para pedir votos aos candidatos a vereador e prefeito do Partido Liberal (PL), e assim fez, mas o apoio pessoal aos candidatos restou como um detalhe menor em seu pronunciamento, uma síntese da cartilha bolsonarista, com direito a muito populismo e negacionismo em múltiplas vertentes.
Falando a uma plateia diminuta – dificilmente passou de 500 pessoas –, Bolsonaro, mais uma vez, recusou-se a admitir a derrota eleitoral para Lula (PT) em 2022, voltou a contestar a eficácia de vacinas, tornou a criticar medidas sanitárias de isolamento social como forma de controlar as taxas de transmissão do coronavírus no início da pandemia (quando nem sequer havia vacinas no horizonte) e insistiu em tratar os baderneiros golpistas do 8 de janeiro como inocentes vítimas do sistema, presos, segundo ele, tão somente por “se manifestarem”. Chegou ao cúmulo de dizer que seu governo “venceu a pandemia”.
Sobrou tempo, no finzinho, para pedir votos aos candidatos do PL no Espírito Santo. O único citado nominalmente por ele foi justamente o “da casa”: o Coronel Ramalho, candidato a prefeito de Vila Velha. Mas, ao lado de Bolsonaro no palanque, também estiveram outros candidatos do partido a prefeituras de outras cidades da Grande Vitória: o de Vitória, Capitão Assumção; o de Cariacica, Ivan Bastos; o da Serra, Igor Elson; e o de Guarapari, Danilo Bahiense. Além deles, o deputado federal Gilvan da Federal e o senador Magno Malta, presidente estadual do PL.
Bolsonaro chegou ao Aeroporto de Vitória pouco depois das 11 horas, após uma manhã bastante chuvosa em Vitória. De lá, ele e os políticos citados saíram à frente de uma carreata, sobre a carroceria de uma camionete. O cortejo passou por Serra, Vitória e Vila Velha, culminando com o comício na Prainha, clímax (ou anticlímax, dependendo do ponto de vista) da programação. O ex-presidente, como dito, já falou a públicos bem maiores.
O local escolhido é simbólico: o trio foi montado exatamente no ponto em que apoiadores fanatizados do ex-presidente acamparam por mais de dois meses, em frente ao 38º Batalhão de Infantaria, quartel do Exército Brasileiro, entre a derrota eleitoral de Bolsonaro no fim de outubro de 2022 e a tentativa frustrada de subversão do Estado Democrático de Direito no dia 8 de janeiro de 2023. Hoje, onde ficavam barracas do acampamento golpista, há um parquinho com brinquedos para crianças, após a reforma do Parque da Prainha pela Prefeitura de Vila Velha.
Bolsonaro iniciou sua fala apresentando-se como líder político anti-establishment e afirmando que o Brasil precisa ser salvo novamente (da esquerda reinstalada no poder central): “Estamos aqui porque queremos mudanças, porque acreditamos em nosso país. Não é uma pessoa que vai salvar esta nação. Somos todos nós que juntos atingiremos o nosso objetivo. Ninguém acreditava em 2018. Aconteceu. Vencemos o sistema!”
Sob aplausos das poucas centenas de pessoas presentes, o ex-presidente passou a enumerar realizações atribuídas por ele ao seu governo, de 2019 a 2022, entre as quais “ter vencido a pandemia do novo coronavírus”:
“Tivemos quatro anos pela frente. Formamos um time de pessoas técnicas para estar ao nosso lado em Brasília. Enfrentamos a pandemia. Gastamos por mês na ordem de R$ 50 bilhões por mês com o auxílio emergencial, contra governadores que, em sua maioria, adotou aquela política errada: ‘fique em casa e a economia a gente vê depois’. O povo ia morrer de fome. Não tínhamos alternativa. Fizemos a nossa parte. Vencemos a pandemia. A economia voltou a todo vapor”.
Ele prosseguiu, citando uma “política externa excepcional” e a criação do PIX:
“Fizemos um monte de coisa que ninguém esperava que fosse acontecer. Uma política externa excepcional, que nos permitiu abrir o comércio e o agro em praticamente o mundo todo. Levamos água para o Nordeste. Criamos o PIX. Os banqueiros perderam na ordem de R$ 30 bilhões por ano. O emprego voltou. O Brasil tinha começado a decolar”, listou, sob mais aplausos.
Negando-se a acatar o resultado das urnas em 2022, Bolsonaro atribuiu a sua derrota a uma intervenção humana. Sem citar o Poder Judiciário ou qualquer ministro de tribunal superior do país, culpou, indiretamente, o TSE e o STF: “Até que houve uma interferência, que não foi divina, não. Foi aqui da Terra. Porque, segundo eles, para salvar a democracia, valia tudo em Brasília”.
Bolsonaro, então, passou a apontar para Lula a sua metralhadora verbal (ou tripé, à guisa de fuzil, “para fuzilar a petralhada”). Chamou o atual presidente de “ladrão” e dono de “um passado de criminalidade”. De maneira apocalíptica, também profetizou um “futuro sombrio” para o Brasil:
“Está aí a democracia que eles salvaram. Temos um ladrão, defensor de terroristas. Temos um cara que paga vexame na política externa. Eu queria que um petista levantasse a mão e dissesse uma boa ação desse governo. Não teve nada! Só um futuro sombrio pra todos nós”.
Arrancando ainda mais aplausos dos militantes presentes, Bolsonaro explicou por que viajou para Miami poucos dias antes do encerramento do seu mandato e se negou a transmitir a faixa presidencial para Lula na cerimônia de posse do petista – em mais um símbolo da sua recusa obstinada em aceitar a derrota eleitoral, decretada pela soberana vontade popular em outubro de 2022.
“Jamais eu poderia ter passado a faixa para um ladrão, uma pessoa que não tem passado, a não ser um passado de criminalidade, juntamente com quase todos os seus ministros. E agora praticamente todos voltaram. A roubalheira está aí. Prejuízo na Petrobras. Deficit anual descomunal. Desemprego. Estatais dando prejuízo. O Brasil à deriva”, descreveu Bolsonaro, pintando o quadro apocalíptico em cores ainda mais vivas.
Em seguida, foi de novo profético: “Talvez isso que estamos passando agora sirva como uma vacina”. A “figura de linguagem” usada pelo ex-presidente (uma metáfora, no caso) não poderia conter maior grau de ironia involuntária, já que ele não acredita em vacina, como não se cansa de reiterar. Aliás, foi exatamente o que o ex-presidente fez questão de salientar logo a seguir:
“Por falar em vacina, eu comprei 600 milhões de doses de vacina, mas eu não tomei!”, exclamou, sob aplausos entusiasmados dos fãs (muitos dos quais com certeza se vacinaram). “Eu não tomei porque eu li o contrato da Pfizer. Eu fui o único chefe de Estado do mundo que disse a verdade para o seu povo. Alguns falavam: ‘Fica quieto que tu perde a eleição’. Vale a pena ganhar a eleição e ver o nosso povo sofrer com os efeitos colaterais de uma vacina que até hoje não tem comprovação científica? Não!”
Na sequência, o ex-presidente passou a comparar figuras do seu governo com os do atual. Incluiu nas comparações a sua mulher e a de Lula, embora primeiras-damas não tenham funções administrativas. Chamou de “taradão” o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, exonerado e investigado por denúncias de assédio sexual contra colegas de governo.
“Dá pra comparar os ministros do Lula com o nosso ministério? Dá pra comparar Tarcísio [Freitas] com Renan Filho? Dá pra comparar Haddad e Paulo Guedes? Dá pra comparar Damares com aquele ministro taradão? Dá pra comparar Michelle com a Janja? Dá pra comparar o Bolsonaro com um ladrão?”
Novamente distorcendo fatos e responsabilidades, Bolsonaro referiu-se assim aos que cumprem pena pelos atos de vandalismo perpetrados contra as sedes dos Três Poderes, em Brasília, no 8 de janeiro: “Eu poderia estar muito bem fora do Brasil. Vim pra cá com todos os riscos, assim como alguns colegas nossos infelizmente estão presos na Papuda hoje, por terem se manifestado. Alguns nem em Brasília foram, e foram presos. Mas nós temos que acreditar. Nós não podemos desistir do nosso Brasil”.
Sem estatística ou pesquisa alguma que sustente tal afirmação, o ex-presidente afirmou que “a garotada em sala de aula é toda de direita hoje em dia”.
Por fim, citando o Coronel Ramalho (“mais antigo” que ele no sentido de que sua patente militar é superior à de capitão), Bolsonaro pediu votos para os candidatos do PL, a uma plateia amistosa que, de todo modo, já votará em tais candidatos:
“Estou com o mais antigo do meu lado aqui, o Coronel Ramalho. Ele é mais antigo e eu sou mais velho do que ele. Devemos acreditar nessas pessoas, acreditar nos candidatos a vereador pelo nosso partido. Tenho certeza de que teremos uma grande quantidade de prefeitos e a maior quantidade de vereadores da história do Brasil por ocasião das próximas eleições”.
Encerrando o discurso de pouco mais de oito minutos, Bolsonaro entoou o slogan que o acompanha desde a vitoriosa campanha presidencial em 2018: “Juntos atingiremos o nosso objetivo. Todos, prefeito 22, vereador 22. Vamos pra frente que o Brasil é nosso. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.
Na fala que antecedeu a de Bolsonaro, o senador Magno Malta afirmou que todos ali devem lutar para que ele volte à Presidência da República em 2026. Para isso, segundo Magno, é preciso votar em candidatos do PL para vereador e prefeito. Afinal, segundo ele, “2026 passa por 2024” – e passa mesmo. Essa foi a frase mais verdadeira do comício.
“Eu não tenho obsessão pelo poder. Eu tenho paixão pelo nosso Brasil”, disse o próprio Bolsonaro, sob aplausos.
Por decisão colegiada do TSE, tomada em 2023, Bolsonaro está inelegível por oito anos. A decisão foi tomada em julgamento de ação em que ele foi acusado de abuso de poder político por ter reunido embaixadores, em julho de 2022, no Palácio do Planalto, sede do Governo Federal, para, sem prova alguma, vender ao mundo a ideia de que o sistema eleitoral brasileiro seria fraudulento.
Bastidores e curiosidades
Dessa vez, Bolsonaro não falou em momento algum de “comunismo”. Coube a Magno, que falou antes dele, citar que FHC é “comunista”.
Alguns candidatos do PL a vereador de Vitória prestigiaram Bolsonaro na Prainha. Entre eles, Dárcio Bracarense e Armandinho Fontoura. Mas não subiram ao trio. Armandinho não pode estar no mesmo ambiente que Capitão Assumção, por uma das medidas cautelares impostas pelo ministro Alexandre de Moraes.
Já o Pastor Oliveira, candidato do PL a vereador de Vila Velha, ficou em cima do próprio carro de som, gritando para as pessoas completarem: “Ou ficar a pátria livre…”
Assim como Armadinho, Oliveira ficou mais de um ano preso por decisão de Moraes e, desde dezembro de 2023, usa tornozeleira eletrônica, também por ordem do ministro do STF. Diferentemente de Armandinho, ele teve participação ativa no acampamento golpista montado em frente ao 38º BI.
O sistema de som do trio elétrico ficou o tempo todo a repetir um dos jingles da campanha de Bolsonaro em 2022: “É o Capitão do Povo / Que vai vencer de novo…”
Já o ex-vereador de Vila Velha Devacir Rabello, que tenta voltar ao cargo pelo PL, distribuiu santinhos simulando uma carteira assinada, azulzinha em tudo, mas com o dizer: “Exorcizando esquerdista”. “Chega de comunistas em Vila Velha. Vote no vereador mais odiado pela esquerda e que mais combateu o comunismo em Vila Velha”.
Qual era o “comunismo” a ser combatido em Vila Velha e o que exatamente ele fez para “combater” esse moinho de vento é algo que, realmente, desafia a inteligência coletiva.
Esse, o grau de radicalismo.
Por fim…
Não deixa de ser curioso que o local do comício para impulsionar, entre outros, o Coronel Ramalho na reta final de sua campanha, tenha virado um dos principais “cartões de visita” do seu principal adversário eleitoral: o novo Parque da Prainha, reformado durante a administração do atual prefeito de Vila Velha, Arnaldinho Borgo (Podemos).
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