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Coluna Vitor Vogas

Marcelo Santos vai se desfiliar do Podemos, com o aval de Gilson Daniel

Análise: Gilson está abrindo mão do deputado que preside a Assembleia Legislativa. Entenda aqui por que isso, os motivos do afastamento e do divórcio político-eleitoral

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Xambinho, Gilson Daniel e Marcelo Santos. Foto: Instagram

O presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos, vai se desfiliar do seu partido, o Podemos. A saída será sem traumas, consensual e amigável. Na próxima semana, o deputado federal Gilson Daniel, presidente do Podemos no Espírito Santo, dará a Marcelo a carta de anuência em nome da direção estadual do partido. Isso já foi conversado e combinado entre eles. Os dois também já conversaram, separadamente, com a presidente nacional do Podemos, a deputada federal Renata Abreu (SP), para lhe comunicarem a decisão.

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Com a carta de anuência em mãos, Marcelo entrará com ação de reconhecimento de justa causa para desfiliação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES). Em todas as ações desse tipo, a Justiça Eleitoral tem decidido a favor do parlamentar que move a ação, liberando-o para trocar de partido sem maiores complicações.

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À luz da legislação eleitoral, os mandatos de deputados pertencem aos partidos pelos quais se elegeram (no caso de Marcelo, o Podemos, em 2022). Por isso, sem a carta de anuência, Marcelo teria de esperar a próxima janela partidária para deputados, em março de 2026, para só então poder trocar de sigla sem correr o risco de perder o mandato e, com ele, a presidência da Assembleia. Já com o reconhecimento da justa causa, proporcionado pela carta de anuência, ele poderá trocar de partido a qualquer tempo, sem óbice.

Esse é o caminho aberto a ele por Gilson. O presidente estadual do Podemos está simplesmente abrindo mão do presidente do Legislativo Estadual. Por quê?

Para resumir a resposta em uma palavra, incompatibilidade. Sabe aquela banda que fez sucesso durante alguns anos, mas de repente os integrantes se separam alegando “divergências artísticas”, “concepções musicais diferentes”, esse tipo de coisa? É mais ou menos isso, trocando diferenças “artísticas” por “políticas”.

Não é de hoje que Marcelo está insatisfeito com a condução de Gilson no Podemos – por demais centralizada, na visão do presidente da Assembleia. De maneira mais ou menos velada, como noticiamos aqui ao longo do ano passado, ele chegou a flertar com pelo menos três partidos de médio para grande porte em 2023: MDB, PSD e União Brasil. Em meados de setembro, deu praticamente um ultimato a Gilson: levado pelo deputado federal Victor Linhalis – outro que estava insatisfeito pelos mesmos motivos –, foi pessoalmente ao encontro de Renata Abreu em Brasília, e os dois ameaçaram desertar.

Pressionado, Gilson então topou redistribuir o poder no Podemos no Espírito Santo. A Marcelo Santos, concedeu o controle sobre o partido em Cariacica e em alguns municípios do interior onde o deputado estadual foi muito bem votado nas eleições de 2022… Não foi o suficiente. Sem jamais parar de se articular, Marcelo, no início do ano, simplesmente assumiu o controle, por interpostas pessoas, de duas outras legendas no Espírito Santo: o Solidariedade e o Partido Renovação Democrática (PRD), oriundo da fusão do Patriota com o PTB.

Aí as divergências começaram a aflorar com maior intensidade, materializadas no que vamos chamar aqui de 4 As: articulações, alianças, acordos e apoios visando às eleições municipais deste ano. Marcelo basicamente construiu e segue construindo rota e roteiro próprios, independentes do Podemos e da direção do Podemos (Gilson) e, em muitos casos, conflitantes com os planos do próprio partido.

Traduzindo isso de modo mais objetivo:

Em vários municípios, o Podemos apoia A, mas Marcelo apoia B; o Podemos está fechado com C, mas Marcelo tem compromisso com D.

Pior: em algumas cidades importantes, o Podemos tem candidato próprio à prefeitura municipal, mas, em movimento próprio – avulso, alheio ao partido –, Marcelo apoia outro candidato. Vale dizer: em um punhado de cidades, Marcelo é um dos principais apoiadores de um adversário do candidato lançado ou apoiado pelo seu próprio partido. É Podemos para um lado e Marcelo para o outro.

Gilson Daniel não abre mão de sua aliança com o governador e o governo de Renato Casagrande (PSB), de quem, segundo interlocutores, segue se considerando aliado incondicional. Neste eleição municipal, Gilson simplesmente se recusa a fazer movimentos conflitantes com os do Palácio Anchieta.

Marcelo, por sua vez, segue se considerando aliado forte do governo Casagrande, mas é preciso abrir olho, prestar muita atenção e sublinhar alguns movimentos dele claramente conflitantes com os planos eleitorais do Palácio Anchieta. Marcelo está fazendo uma curva bem mais aberta, atravessando a linha, transferindo um pouco mais para lá a cerca em que se lê a definição de “parceiro incondicional do Palácio”. Em alguns municípios importantes, é Marcelo Santos para lá, e não apenas o Podemos como o Palácio Anchieta para cá.

O exemplo mais emblemático disso é exatamente o mais importante: em Vitória, o Podemos, partido de Marcelo Santos, lançou a pré-candidatura da vice-prefeita Capitã Estéfane ao cargo de prefeita. Ora, como sabem todos os velhinhos de Jardim Camburi e criancinhas que visitam o Parque da Fonte Grande, Estéfane e o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) são desafetos.

Ela é aliada do governo Casagrande e, se for mesmo candidata, engrossará a oposição eleitoral a Pazolini.
“Ah, mas a Capitã Estéfane não é candidata, é muito difícil essa candidatura vingar…” Certo, também pensamos assim. Mas, se o Podemos (leia-se Gilson) retirar a candidatura da capitã, apoiará outro candidato aliado ao Palácio Anchieta. Sem concessão aqui.

Marcelo, por sua vez, à revelia do próprio partido, está simplesmente apoiando quem? Ninguém menos que Lorenzo Pazolini. Com o prefeito estão os dois partidos que Marcelo pôs debaixo do braço: Solidariedade e PRD.

Deputados federais

Como Marcelo também já declarou desde o fim de 2022, o próximo passo para ele em sua escalada política é se candidatar a deputado federal em 2026. A princípio, é o mesmo cargo ao qual Gilson Daniel concorrerá. Como se especula no mercado político capixaba, Gilson até poderá se animar a buscar alçar um voo mais alto (governador ou senador), possibilidade que se engrandece caso o Podemos “quebre a banca” nas eleições municipais de outubro.

Inicialmente, porém, como ele mesmo tem dito a aliados, seu caminho natural é a reeleição na Câmara dos Deputados, onde Marcelo também lutará por uma das dez vagas do Espírito Santo.

Os dois, portanto, serão concorrentes diretos em 2026. Por evidente, poderiam se unir em um “chapão” do Podemos em benefício mútuo, para que os dois tentassem se eleger juntos na mesma chapa, além de Victor Linhalis. Ao que tudo indica, Marcelo não gosta dessa ideia. Prefere ser candidato a federal por outro partido, onde possa ter maior influência e ser a grande estrela da companhia, sem esse tipo de concorrência interna. No Podemos, ele não poderia.

Conclusão

O Podemos, enfim, ficou pequeno para as ambições de Marcelo Santos. “Pequeno” talvez não seja a palavra certa, pois o partido está em franca expansão no Espírito Santo. O Podemos na verdade ficou apertado para ele.

Por mais que Marcelo tenha crescido e queira crescer ainda mais no cenário político estadual, o Podemos, no Espírito Santo, é um partido que tem dono, e todo mundo sabe quem é: atende por Gilson Daniel. Sendo assim, ficando no Podemos, o crescimento político de Marcelo estará sempre limitado ao comando do ex-prefeito de Viana.

Como não é segredo para ninguém, pois ele mesmo não o esconde, Marcelo quer migrar para um partido que possa chamar de seu no Espírito Santo, ou para um partido onde, no mínimo, possa ter maior ingerência sobre os rumos políticos e eleitorais… um partido no qual possa mandar mais.

Como confidenciou a interlocutores, Gilson fez de tudo para segurar Marcelo no Podemos. Chegou um momento em que isso não foi mais possível, foi preciso encarar os fatos e, entre um “acordo de cavalheiros” e um litígio na Justiça Eleitoral pela manutenção do mandato na Assembleia, os dois simplesmente preferiram o divórcio político amigável. E doravante cada um segue sua vida.

Um confronto direto nas urnas possivelmente os aguarda daqui a pouco mais de dois anos.