Coluna Vitor Vogas
Lula entra pra valer na campanha de João Coser em Vitória. Saiba como
“Relação pessoal”, capacidade de trazer investimentos e um discurso sob medida do atual presidente para o ex-prefeito: saiba como será o programa estrelado por Lula que a campanha de Coser exibirá no horário eleitoral a partir desta quinta-feira (19) à noite

Lula e Coser (10/08/2024)
A figura do orador não é exibida, mas não é necessária. Imediatamente se sabe quem é que enuncia o discurso. Cobrindo imagens de várias pessoas, surge a voz rouca e profunda, inconfundível, anunciando, entre o lírico e o épico, a iminente chegada de um novo tempo: “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a chegada da primavera”.
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O dono da voz, como logo reconhecemos, é Luiz Inácio Lula da Silva. E assim começa o programa de João Coser que será levado ao ar às 20h30 desta quinta-feira (19), no horário eleitoral gratuito, a 17 dias do 1º turno, e que marcará uma nova fase na campanha do candidato do PT à Prefeitura de Vitória.
Até agora, a propaganda eleitoral de Coser não vinha “renegando” nem escondendo o PT e Lula, mas tampouco os havia assumido por inteiro. O deputado estadual e ex-prefeito vinha centrando sua campanha em seu legado, suas propostas e suas críticas à administração de Lorenzo Pazolini (Republicanos). O novo programa, porém, não é sobre a saúde municipal. Não é sobre educação ou segurança pública. Não é sobre a gestão de Pazolini. É sobre Lula. Ou, para ser mais preciso, sobre a relação de João Carlos Coser com Luiz Inácio Lula da Silva.
Em menos de dois minutos no vídeo, as palavras “relação de amizade” são pronunciadas três vezes pelo candidato do PT.
A frase de abertura, sobre rosas e primavera, foi (es)colhida a dedo – e não só porque a nova estação do ano começa mesmo no próximo domingo (22). Erroneamente atribuída a dois ícones da esquerda latino-americana no século XX, Che Guevara e Pablo Neruda, a citação, na voz de Lula, dá imediatamente ao programa certo contorno mítico que costuma acompanhar o presidente.
Lula já gostava de usar a frase em sua primeira campanha à Presidência, em 1989. E, no momento mais marcante, disse exatamente o mesmo em seu histórico discurso em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo antes de se entregar à Polícia Federal, em 2018, para cumprir seus dias de prisão (aquele mesmo do “Não sou mais um ser humano; sou uma ideia”).
O programa de Coser intercala a fala gravada por Lula para Coser (sempre em off, sem aparecer) com declarações do próprio Coser (ele, sim, em pessoa no vídeo) destacando sua proximidade histórica e pessoal com o atual presidente da República, a qual remete aos tempos de fundação do PT, em 1980.
Cobrindo o texto, exibe-se uma sucessão de fotos do acervo pessoal de Coser, sempre ao lado de Lula, em diferentes momentos das respectivas trajetórias. A mais antiga delas, dos anos 1980, traz um João Coser bem jovem, com um bigodinho, ao lado de Lula, nos tempos mais românticos do PT, ainda muito longe de chegar à Presidência; na mais recente, de dezembro de 2023, os dois sorriem lado a lado no palanque do evento de inauguração do Contorno do Mestre Álvaro, na Serra.
Destacam-se, ainda, duas fotos de Lula com o filho caçula de João Coser: irmão mais novo da vereadora Karla Coser (PT), Luiz Carlos Coser, ainda menino, está no colo de Lula numa delas – imagem que reforça a intimidade real que une o ex-prefeito ao presidente. Aliás, cabe observar que João Carlos Coser uniu seu próprio nome composto ao de Luiz Inácio no batismo do filho, em evidente componente afetivo.
Chama a atenção, ainda, uma foto com Lula entre Coser e Renato Casagrande (PSB), dos tempos em que os dois capixabas eram deputados federais. Coser ainda não tinha chegado à Prefeitura de Vitória nem Casagrande ao Governo do Estado. Semioticamente, a ideia é demarcar a relação política de Coser com o atual governador e o atual presidente; por conseguinte, sua capacidade de se articular politicamente com o Governo Estadual e o Federal, bem como levantar investimentos para Vitória junto às duas esferas. E é esse, precisamente, o mote maior da peça de propaganda lançada nesta quinta-feira, em horário nobre.
Coser faz questão de frisar que, como prefeito, era atendido pessoalmente por Lula em Brasília, e recursos federais foram injetados e viabilizaram todas as principais realizações de seus oito anos de governo em Vitória – seis dos quais coincidiram com a estada de Lula no Palácio do Planalto, de 2005 a 2010. Por esse prisma, Lula está presente em intervenções como a ampliação da Avenida Ferrari e o novo calçadão de Camburi.
Com uma inequívoca camisa polo vermelha, Coser fala para seu entrevistador atrás da câmera, referindo-se a Lula: “Então criamos uma relação de amizade. Naquele tempo era só idealismo. Não tinha poder, não tinha mandato, ninguém tinha idealizado ser candidato a deputado, prefeito, governador, presidente. Era só mesmo a construção de uma sociedade mais justa. A nossa luta era para defender o interesse dos trabalhadores brasileiros.”
Entra, então, a voz de Lula, com fotos dos dois juntos a ilustrar o texto:
“João é um amigo, sem dúvida alguma. Mas é também o melhor prefeito da história de Vitória.”
Volta Coser:
“E conseguimos muitas conquistas. Muitos direitos dos trabalhadores foram fruto daquelas lutas lá atrás. E criamos uma relação de amizade pessoal, para além da relação política sindical.”
Retoma Lula:
“João sempre mostrou capacidade de dialogar e sempre trabalhou para quem mais precisa”.
Coser:
“Muitos recursos das nossas grandes obras, da parte de drenagem, na área de saneamento básico, obras importantes como a Fernando Ferrari, a Praia de Camburi , todas elas nós tivemos a presença do governo do presidente Lula”.
Lula:
“O amor dele por Vitória e pelo Espírito Santo é contagiante”.
Coser:
“Essa articulação me permitiu, assim, se eu tinha 100, eu podia fazer 200, porque eu tinha irmãos que me ajudavam nessa caminhada. Foi muito legal essa relação de amizade. E ele me atendia pessoalmente. Nunca tive um não do Governo Federal. Nunca tive um não do presidente.”
Lula:
“Por isso, eu quero pedir a você que quer retomar o crescimento de Vitória, que quer uma cidade mais justa, com trabalho, com planejamento e com alguém competente e experiente…”
Coser:
“Eu acredito que, com essa relação que eu tenho com o presidente da República e com o Governo do Estado, eu vou realizar todas as obras do meu programa de governo e algo mais.”
E Lula, enfim, no arremate do programa, aparece visualmente na tela, dizendo um texto padronizado (ele gravou o mesmo para todos os candidatos do PT a prefeito das maiores cidades do país, incluindo Babá, Casteglione, Roberto Carlos e Célia Tavares no Espírito Santo, mudando só o nome da cidade e o do candidato):
“A gente sabe que ninguém governa sozinho. Precisamos estar juntos, trabalhando para melhorar a sua vida e a da sua família. Em Vitória, vote João Coser”.
Pelo que pudemos apurar junto ao QG de campanha de Coser, a ideia da entrada de Lula agora é reforçar que Coser é o único candidato com trânsito livre com o Governo Federal. O petista tem defendido que não será prefeito só da esquerda, mas de todos, da esquerda à direita, e com capacidade real de atrair recursos e investimentos para a Capital.
Não deixa de ser, também, uma provocação ao atual prefeito, que brigou com o governador e tem diálogo limitado com o Governo Federal.
Pesquisa Quaest/Rede Gazeta: notícias ruins para Coser e boas para Pazolini
As fontes da coluna na campanha de Coser negam que a veiculação do programa dedicado a Lula tenha sido antecipada para esta quinta, dia seguinte a última pesquisa Quaest para a Rede Gazeta, em função dos resultados ruins reunidos no levantamento.
De modo geral, a consulta popular veio muito boa para Pazolini; inversamente, ofereceu a Coser um pacote de más notícias.
Em relação à pesquisa anterior da série da Quaest para a Rede Gazeta, publicada em 28 de agosto, o quadro eleitoral em Vitória segue praticamente inalterado – ou seja, muito favorável a Pazolini –, com pequenas variações dentro da margem de erro, de 3,0 pontos percentuais para mais ou para menos. Matematicamente, o atual prefeito até ampliou sua vantagem sobre Coser, o segundo colocado. No cenário estimulado de intenções de voto, Pazolini passou de 51% para 53%, enquanto Coser oscilou de 17% para 15%.
Hoje, a 17 dias da eleição, o candidato do Republicanos estaria reeleito em primeiro turno. Além disso, a rejeição a Coser é muito alta – paradoxalmente, não por conta de seus dois mandatos na prefeitura, mas de sua vinculação histórica ao PT e a Lula. Em Vitória, o partido desperta a rejeição de boa parte do eleitorado, enquanto o governo Lula não está bem avaliado.
Os 42% de rejeição ao ex-prefeito registrados na primeira rodada da Quaest subiram para incríveis 51% desde o início da transmissão do horário eleitoral gratuito. É o número mais grave para a campanha do petista, pois indica o seguinte: ainda que Coser consiga chegar ao 2º turno, não tem chance matemática de vencer, se mantida a posição de mais da metade dos eleitores de não votar nele em hipótese alguma.
O alento para Coser é que ele tem o segundo maior “potencial de voto”, percentual de entrevistados que dizem conhecer o candidato e consideram votar nele, com 39% (antes, eram 41%). São esses 39% que ele precisa buscar para ter alguma chance de passar ao 2º turno.
Pazolini, por sua vez, manteve o índice de rejeição da rodada anterior, relativamente suave: 21%. Aliás, foi o único dos seis candidatos que não viu sua própria rejeição crescer desde o início da superexposição proporcionada pela propaganda eleitoral massiva.
Além disso, a gestão de Pazolini está bem avaliada. É considerada positiva para 68% dos entrevistados.
Segundo o mesmo levantamento, a maioria dos eleitores de Vitória (54%) declara-se conservadora. A maior parte (40%) se diz de direita, enquanto só 15% declaram ser de esquerda. Sete em cada dez eleitores de Vitória afirmam já ter definido o voto, o que deixa uma margem pequena, de apenas 30%, de votos potencialmente oscilantes, aqueles que ainda podem ser “virados”.
Em eventual 2º turno contra Coser, Pazolini o derrotaria com 65% das intenções de voto, contra 24% do petista. Em votos válidos, o delegado iria a 73%
Mas como não? E o metrô?!?
Quando Coser diz jamais ter ouvido um “não” de Lula, há fortíssimas controvérsias. Não foi propriamente um “não”, mas uma “cara de paisagem”, em relação ao famigerado “metrô de superfície”. Em seu primeiro governo, de 2005 a 2008, Coser não conseguiu tirar do papel essa proposta de campanha. Na reeleição, em 2008, ele desengavetou a proposta e chegou a veicular uma filmagem dele com Lula, entregando o projeto em mãos ao então presidente da República e pedindo apoio ao Governo Federal para a sua execução. Mas Vitória jamais recebeu recursos da União para a concretização do audacioso projeto de mobilidade urbana, não priorizado no PAC.
Tem que dobrar de tamanho
“Se eu tinha 100, eu podia fazer 200, porque eu tinha irmãos que me ajudavam nessa caminhada.” A frase de Coser, em referência a investimentos federais, pode perfeitamente ser aplicada à sua atual situação eleitoral: se hoje ele tem 15%, precisará dobrar essa marca e chegar a pelo menos 30% dos votos, de preferência tirando alguns de Pazolini, com a ajuda do “irmão Luiz Inácio”, se quiser alentar esperanças de chegar ao 2º turno da disputa.
