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Coluna Vitor Vogas

Fracassa tentativa de proibir “banheiros unissex” em Vitória

Câmara manteve veto de Pazolini a projeto de lei de Gilvan. No teor e na justificativa, iniciativa era uma das mais bizarras dos últimos tempos

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Em pleno Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, a Câmara de Vitória sepultou iniciativa de vereadores bolsonaristas que tinha nítida inspiração transfóbica: por 10 votos a 4, os vereadores mantiveram o veto total do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) ao projeto de lei que visava proibir o uso de “banheiros unissex” nos espaços públicos e privados do município, apresentado no ano passado pelo hoje deputado federal Gilvan da Federal (PL).

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Assinado por outros sete vereadores de direita, o projeto havia sido aprovado pela Câmara em junho de 2022, mas foi vetado por Pazolini devido à flagrante inconstitucionalidade. Em votação realizada em plenário na manhã desta quarta-feira (28), o veto do prefeito foi mantido.

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Os vereadores Davi Esmael (PSD), André Brandino (PSC), Luiz Emanuel (Republicanos) e Leonardo Monjardim (Patriota) votaram pela derrubada do veto. Os quatro se declaram representantes da direita conservadora. Já o presidente da Câmara, Leandro Piquet (Republicanos), também vereador de direita e um dos coautores do projeto, deu um dos dez votos favoráveis à manutenção do veto.

Agora enterrado de vez, o projeto foi apresentado por Gilvan no embalo da onda transfóbica e da histeria manifestada e espalhada por alguns políticos ultraconservadores por conta de um “banheiro unissex” disponibilizado em um edifício acadêmico da Ufes.

Além do evidente preconceito que serviu de inspiração ao projeto e da inconstitucionalidade que levou ao veto, a iniciativa é um caso exemplar de como parlamentares que se dizem muito liberais na economia não hesitam em impor proibições, restrições e regulações, inclusive em desfavor de empresários e atividades econômicas, quando se trata da pauta de costumes (“defesa da família” etc.).

Descendo ao “detalhe do detalhe”, o projeto tinha a pretensão de determinar, por meio de lei municipal, uma série de regras de funcionamento para algo tão simplório como o uso de banheiros (inclusive no interior do cômodo) não só em espaços públicos como também em particulares, incluindo estabelecimentos comerciais.

O texto tirava de comerciantes a autonomia para decidir sobre algo tão banal como a disponibilização do(s) próprio(s) banheiro(s) para os próprios clientes, chegando ao cúmulo de prescrever a exibição de uma placa. Também tocava o extremo de prever sanções administrativas ao “estabelecimento infrator” e instauração de processo disciplinar caso se tratasse de ente público.

Por todos os ângulos de análise, era um projeto antiliberal.

O que dizia o projeto

A iniciativa de Gilvan proibia “a instalação e adequação de banheiros denominados unissex em estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo/comum no âmbito do município de Vitória”.

Por “banheiro unissex”, dizia o projeto, entendem-se “os sanitários/toaletes de uso comum/coletivo que podem ser utilizados tanto por homens quanto por mulheres, ou seja, não é destinado a um público específico, sendo caracterizado seu uso para qualquer indivíduo”. Completava-se: “Os banheiros unissex, em regra, possuem mensagem de sinalização indicando: ‘é livre para usar o banheiro correspondente ao gênero com o qual se identifica’”.

Mas e os locais que só têm espaço para um banheiro? Gilvan não os deixou de fora. O projeto também pretendia disciplinar o uso desses.

A primeira norma “impunha” exatamente o que em regra se pratica: “[Nos] estabelecimentos públicos e privados onde há apenas um banheiro, [este] deverá ser disponibilizado para utilização individual, independente [sic] do sexo, mantida a privacidade, com a porta fechada”.

Mas, não contente em “determinar” o óbvio, o projeto obrigava ao proprietário do espaço a colocação de uma placa: “Os sanitários utilizados de forma individual devem ser destinados a pessoas de qualquer sexo, masculino ou feminino, e sinalizado com placa indicando a utilização unissex individualmente”.

Indo além, Gilvan queria obrigar o proprietário do espaço a provar não ter condições de abrir dois banheiros: “A utilização do banheiro único somente será regular quando o estabelecimento, comprovadamente, não tiver estrutura para oferecer os tipos de banheiros existentes, quais sejam: masculino, feminino ou familiar”.

Banheiro familiar”?!?

Pois é. Eis a novidade introduzida pelo projeto: “banheiros unissex” já existentes (para o público transgênero) deveriam ser transformados, por força de lei municipal, em um “banheiro família” (para o uso de pais com seus filhos de até 12 anos): “Os estabelecimentos que já possuem banheiros unissex em funcionamento anteriormente à entrada em vigor desta lei deverão mudar sua finalidade para ‘Banheiro Família’”.

Precisam se decidir

Não dá para acordar “liberal” e, no meio do dia, revelar-se um grande regulador de atividades econômicas e até da vida privada quando todo esse pseudoliberalismo é atravessado pela agenda de costumes.

Os autores

Além do próprio Gilvan, assinaram o projeto de lei no ano passado: Leandro Piquet (Republicanos), Davi Esmael (PSD), André Brandino (PSC), Luiz Emanuel (Republicanos), Maurício Leite (Cidadania), o hoje vereador afastado Armandinho Fontoura (Podemos) e o hoje deputado estadual Denninho Silva (União Brasil).

Justificativa bizarra

A justificativa do projeto, de tão sem nexo, chega a ser involuntariamente engraçada. Vale a pena reproduzir um trecho:

Se observarmos minuciosamente as pautas reivindicadas pelas minorias e seus pleitos, por muitas vezes acabam ao mesmo tempo em que estes personagens se tornam mais visíveis na sociedade, eles desaparecem, pois, o que os torna diferentes se dilui.

Mas é interessante deixarmos claro que uso de banheiros e espaços assemelhados no Brasil, na modalidade unissex não diminuirá os casos de hostilização, humilhação e outros tipos de violência contra a população LGBTQIA+, porque precisamos de fato trabalhar o respeito e a diversidade de forma delicada e sensível, prioritariamente pelos pais e pela família, e não por uma imposição como de costume estão fazendo.

Assim, a construção de uma sociedade melhor e mais inclusiva precisa ser trabalhada pelos pais e pela família, sem o mínimo possível [sic] de interferência dos atores externos, pois sempre foi desta forma no decorrer dos tempos, e chegamos até aqui com padrões de modelo e excelência.

É difícil até saber por onde começar.

Não vou nem me deter na “forma delicada e sensível” (bem ao estilo do proponente); na afirmação peremptória de que “banheiros unissex” não diminuem as humilhações impostas à população LGBTQIA+ (esse projeto fazia o quê?); nos “padrões de modelo e excelência” com que “chegamos até aqui” (sem comentários)…

Vou me limitar a sublinhar a ululante incoerência em defender-se “o mínimo possível de interferência dos atores externos” em um projeto que, por si mesmo, representava exatamente o contrário.

Por que Pazolini vetou

Enviado à Câmara no fim de junho de 2022 – seguindo parecer do procurador-geral do município, Tarek Moussallem –, o veto total de Pazolini se deu por três motivos:

. irregularidade na votação em que o projeto foi aprovado, na sessão de 6 de junho de 2022: não houve o voto favorável de 3/5 dos vereadores, quruom qualificado necessário para deliberação do projeto;

. vício de iniciativa: o projeto criava atribuições para a Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e de Habitação (Sedec), o que o Poder Legislativo não pode fazer, mas somente o Executivo;

. o projeto alterava o Código de Posturas e o Código de Edificações de Vitória, o que não pode ser feito por meio de lei ordinária, motivo que levou a Sedec a também manifestar-se contrariamente.


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