Coluna Vitor Vogas
“Flagrante abuso de prerrogativas” e daí para pior: a conduta de Gilvan segundo a direção da Câmara
E mais: muito além da ameaça de ter o mandato suspenso por seis meses, deputado do PL-ES corre o risco de perder o mandato em definitivo, como consta na representação movida contra ele pela própria Mesa Diretora da Câmara. Entenda aqui

Gilvan da Federal (PL-ES). Foto: Agência Câmara
“Manifestações gravemente ofensivas e difamatórias”; “flagrante abuso de prerrogativas”; “insinuações ultrajantes, desonrosas e depreciativas”; “mácula à honra do Parlamento”; “ofensa à dignidade da Câmara e à dignidade da representação popular”; “irregularidade grave no desempenho do mandato”; “comportamento incompatível com a dignidade do mandato”.
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As expressões acima, todas elas retiradas da representação da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados em face de Gilvan da Federal, dão a exata dimensão da gravidade atribuída pela própria cúpula da Casa à sua conduta, da reação da Mesa Diretora contra ele e da enrascada em que se meteu o deputado bolsonarista, eleito em 2022 pelo Partido Liberal (PL) no Espírito Santo.
Nesta terça-feira, às 11 horas, o destino de Gilvan deve ser decidido pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. Na reunião, os membros do órgão disciplinar da Casa vão analisar o pedido de suspensão cautelar do mandato de Gilvan, formulado pela própria Mesa Diretora da Câmara, em atitude sem precedentes na história do Parlamento.
Na última quarta-feira (30), a Mesa Diretora, presidida desde fevereiro pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), apresentou representação ao Conselho de Ética contra Gilvan, por quebra de decoro parlamentar, pedindo que o deputado bolsonarista tenha o mandato suspenso por seis meses. A peça é assinada pelo próprio Hugo Motta e por todos os membros da Mesa.
Nunca antes a Mesa Diretora da Câmara havia requerido ao Conselho de Ética a suspensão cautelar do mandato de um deputado.
Regimentalmente, a Mesa pode propor a suspensão cautelar do exercício do mandato parlamentar, por até seis meses, de deputado que seja alvo de representação por quebra de decoro de autoria da própria Mesa – como é o caso. Trata-se de uma nova prerrogativa da Mesa, inserida no Regimento Interno por meio de resolução aprovada no ano passado, na gestão do presidente Arthur Lira (PP-AL). Essa é a primeira vez que a Mesa Diretora se vale do novo dispositivo.
Em outras palavras, Gilvan conseguiu a proeza de levar a gestão Hugo Motta a “inaugurar” esse novo instrumento regimental, a ser usado somente em casos extremos. Parece que estamos diante de um caso como esse.
Como se lê na representação, Gilvan “incorreu em condutas incompatíveis com o decoro parlamentar […] ao proferir manifestações gravemente ofensivas e difamatórias contra deputada licenciada para ocupar cargo de Ministra de Estado, em evidente abuso de prerrogativas parlamentares, o que configura comportamento incompatível com a dignidade do mandato”.
A “deputada licenciada” em questão é Gleisi Hoffmann. Em março, a deputada do PT do Paraná tomou posse como ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, no governo Lula (PT). Durante reunião da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, realizada na última terça-feira (29), Gilvan chegou a chamá-la de “amante” – em alusão ao codinome atribuído a Gleisi em planilhas de pagamento de propina da empreiteira Odebrecht, segundo investigações da Operação Lava Jato. Indo além, o deputado do PL referiu-se à ministra como “prostituta do caramba”.
A reunião foi realizada na presença do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
No dia seguinte (30), a Corregedoria Parlamentar formalizou comunicação de conduta à Mesa, relatando os fatos ocorridos durante a referida reunião. “Diante da gravidade dos atos comunicados pelo Senhor Corregedor, a Mesa da Câmara dos Deputados […] formula a presente representação em desfavor do Senhor Gilvan da Costa Aguiar, nome parlamentar Gilvan da Federal, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar”, lê-se no documento.
Na avaliação dos membros da Mesa, “em flagrante abuso de suas prerrogativas constitucionais e com o animus de ferir a imagem da ministra Gleisi Hoffmann, [Gilvan] fez insinuações abertamente ultrajantes, desonrosas e depreciativas”.
Para Hugo Motta e seus companheiros na alta cúpula da Câmara, ao se comportar dessa maneira, Gilvan não feriu somente a imagem e a honra da colega de Parlamento, mas desonrou e maculou a imagem institucional da própria Câmara. “Ademais, para além da honra e da imagem da ministra Gleisi Hoffmann, a honra objetiva do Parlamento foi inegavelmente maculada pela conduta do Representado [Gilvan].”
Conforme também lembrado na representação, na mesma data, também em reunião da Comissão de Segurança da Câmara, Gilvan envolveu-se em discussão com o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), companheiro de Gleisi. O bolsonarista chamou o deputado fluminense de “lindinho” – também aludindo a apelido que constava em planilha da Odebrecht para o pagamento de propinas e caixa dois de campanha a parlamentares e outros agentes públicos. Os dois por pouco não chegaram a trocar agressões físicas.
Para os autores da representação, Gilvan extrapolou o direito à liberdade de expressão, abusou de suas prerrogativas parlamentares garantidas aos membros do Congresso Nacional e ofendeu a dignidade da própria Câmara dos Deputados. A cúpula da Câmara também avalia que a conduta de Gilvan caracteriza “irregularidade grave no desempenho do mandato” e afeta “a dignidade da representação popular”.
“As falas do representado excederam o direito constitucional à liberdade de expressão, caracterizando abuso das prerrogativas parlamentares, além de ofenderem a dignidade da Câmara dos Deputados, de seus membros e de outras autoridades públicas.”
O que diz a representação da Mesa, à luz do Regimento Interno e do Código de Ética da Câmara
A Mesa Diretora da Câmara atribui a Gilvan “condutas incompatíveis com o decoro parlamentar, previstas no art. 4°, I e VI, do Código de Ética e Decoro Parlamentar”.
Vamos ao texto do Código de Ética:
Art. 4º Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato:
I – abusar das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º);
VI – praticar irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes, que afetem a dignidade da representação popular.
Portanto, para a Mesa Diretora, Gilvan abusou das prerrogativas parlamentares e praticou irregularidades graves, condutas que podem ser punidas não só com a suspensão (temporária), mas até com a cassação do mandato (definitiva).
A Mesa apresentou o pedido de suspensão por seis meses com base no art. 15, XXX e § 1° a 6°, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Reza o texto do Regimento Interno:
Art. 15. À Mesa compete, dentre outras atribuições estabelecidas em lei, neste Regimento ou por resolução da Câmara, ou delas implicitamente resultantes:
XXX – propor a suspensão cautelar do exercício do mandato parlamentar, pelo prazo previsto no inciso III do caput do art. 10 do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, de Deputado Federal que seja submetido a representação por quebra de decoro.
A redação desse inciso foi dada por resolução aprovada no ano passado, durante a presidência do deputado Arthur Lira (PP-AL).
Citado acima, o art. 10, inciso III, do Código de Ética fala em “suspensão do exercício do mandato por até seis meses”. Atenção ao “até”.
O risco de perda definitiva do mandato
Além da suspensão cautelar do mandato, a Mesa Diretora requer ao Conselho de Ética que realize, “posteriormente, a regular instrução do processo, nos termos do art. 240, II, § 1° do Regimento Interno, em combinação com o art. 10 do Código de Ética e Decoro Parlamentar, ambos da Câmara dos Deputados”.
Diz o referido trecho do Regimento Interno:
Art. 240. Perde o mandato o Deputado:
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
§ 1º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados, em votação ostensiva e por maioria absoluta de seus membros, mediante provocação da Mesa ou de partido com representação no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
Portanto, atenção: a própria Mesa Diretora pôs no papel que, muito além de eventual suspensão (temporária), Gilvan pode vir a sofrer, posteriormente, a cassação do mandato (definitiva), “mediante provocação da Mesa”. A “provocação da Mesa” já foi feita neste caso. É a própria representação em tela.
Já o trecho mencionado do Código de Ética e Decoro Parlamentar dispõe, exatamente, sobre as punições que um deputado está sujeito a sofrer em caso de quebra do decoro. Da mais branda à mais severa, são quatro as penas possíveis:
Art. 10. São as seguintes as penalidades aplicáveis por conduta atentatória ou incompatível com o decoro parlamentar:
I – censura, verbal ou escrita;
II – suspensão de prerrogativas regimentais por até seis meses;
III – suspensão do exercício do mandato por até seis meses;
IV – perda de mandato
São essas as penalidades a que Gilvan estará passível a partir da instauração do processo disciplinar contra ele no Conselho de Ética.
