Coluna Vitor Vogas
Direita x Esquerda: polarização ideológica volta com tudo à Câmara de Vitória
No início da nova legislatura, a Casa promete reviver os dias de embates morais e ideológicos entre a direita bolsonarista e uma esquerda concentrada no PT e no PSol. Os dois polos se fortaleceram. Primeiros choques passaram por Lula, Bolsonaro, Trump e até Elon Musk (os dois últimos, homenageados)

Os 21 vereadores de Vitória na legislatura 2025-2028. Primeira sessão do ano (menos Monjardim). Foto: Will Morais/CMV
No início da nova legislatura, a Câmara de Vitória promete reviver os dias de intensa polarização ideológica entre a direita bolsonarista e uma esquerda concentrada no PT e no Partido Socialismo e Liberdade (PSol).
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Ninguém deseja a regressão ao biênio 2021-2022, quando a pauta da Casa foi sequestrada pelos ataques de Gilvan da Federal (hoje no PL) a Camila Valadão (PSol) e Karla Coser (PT), extrapolando os limites do decoro e da civilidade. Mas a primeira semana de mandato já forneceu fortes sinais de que o plenário – onde o ar-condicionado já não funciona muito bem – voltará a ser palco de debates quentes de fundo ideológico entre os dois polos, passando por pautas nacionais e até internacionais.
A tendência é reforçada pela nova configuração da Câmara – onde o número de vereadores subiu de 15 para 21.
De um lado, o partido de Jair Bolsonaro, que não teve nenhum vereador no mandato passado, agora tem dois representantes: Dárcio Bracarense e Armandinho Fontoura foram eleitos pelo PL. Do outro lado, a bancada do PT cresceu. O mesmo vale para a bancada da esquerda.
Chegando para exercer seu primeiro mandato eletivo, Dárcio é um conhecido discípulo de Olavo de Carvalho e militante em prol do armamento civil, com intensa atuação nas redes sociais – onde se apresenta como cristão e conservador. “Bolsonarista raiz”, foi candidato a deputado federal pelo PL em 2022. Chegou a ser secretário parlamentar da deputada Carla Zambelli (PL) na Câmara Federal, por cinco dias, em junho de 2022. Ocupou o mesmo cargo no gabinete do deputado Coronel Meira (PL), de Pernambuco, de fevereiro de 2023 até o fim de 2024 – com intervalo de julho a novembro para se dedicar à própria campanha a vereador de Vitória.
Já Armandinho, após ser afastado do mandato por decisão da Justiça Estadual e passar mais de um ano preso por ordem de Alexandre de Moraes entre 2022 e 2023, “converteu-se” ao bolsonarismo, filiou-se ao PL, transformou seu escritório de campanha na Praia do Canto em “Casa Bolsonaro” e, na eleição de outubro, conseguiu retornar para a Câmara. Agora, no plenário, leva invariavelmente uma bandeira do Brasil pendurada no ombro, a mesma que “trajou” durante a campanha, seguindo a moda ditada por Gilvan. É o herdeiro do look do agora deputado federal.
Aos dois, podemos juntar o experiente Davi Esmael (Republicanos). Entrando no quarto mandato seguido, o filho do pastor Esmael de Almeida também é bolsonarista e profundamente conservador na agenda de costumes. Diante da chegada da dupla do PL, não há de querer perder protagonismo. Nas primeiras sessões do ano, já deu seu cartão de visitas, mostrando que, no novo mandato, apostará fortemente nos embates com a bancada de esquerda em discussões de fundo moral e ideológico.
Do outro lado, a bancada do PT também cresceu. Solitária no último quadriênio, Karla Coser renovou o mandato e chega fortalecida para o novo: foi a campeã de votos em Vitória (7.256) e a mulher mais votada da história para a Câmara Municipal. Agora, não está sozinha. Após ter batido na trave na eleição de 2020, o novato Professor Jocelino, educador e líder comunitário da Piedade, junta-se à filha de João Coser para reforçar a frente petista. Somando-se aos dois no flanco de oposição ao prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) e da esquerda mais ideológica, a também novata Ana Paula Rocha substitui André Moreira como representante do PSol na Casa.
Os primeiros choques
A primeira sessão plenária do ano, na última segunda-feira (3), proporcionou uma amostra exemplar do que podemos esperar. De cara, muitos embates entre os dois flancos – sobre temas que vão de “linguagem não racista” a Donald Trump.
Tudo foi parar nas redes sociais de Davi Esmael e de Dárcio, com as devidas edições e cortes destacando os highlights de cada um, ao gosto dos respectivos nichos. Nesse campo, Dárcio é especialmente forte, com um grande número de seguidores e alto grau de engajamento desde antes de se tornar vereador.
O estopim do primeiro choque foram homenagens propostas por vereadores do PL na sessão inaugural. Dárcio protocolou moções de aplauso ao deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e ao empresário sul-africano Elon Musk, enquanto Armandinho propôs um voto de louvor a Trump e uma moção de repúdio à Fundação Hind Rajab, ONG pró-palestinos. Votos e moções como essas têm um caráter simbólico. Servem para marcar posição. Os quatro foram aprovados, mas não sem acalorada discussão.
Homenagem a Musk e a Trump (tomado por pacifista)
Da tribuna, Karla Coser e Ana Paula Rocha marcaram posição contrária às iniciativas.
Dárcio defendeu suas homenagens e acusou a esquerda de recebê-lo com “um ataque desmedido”: “Logo aqui, na minha chegada, já me deparo com um ataque absolutamente desmedido e desnecessário contra homenagens que anunciamos fazer acerca de personagens que são representantes de uma democracia que foi consolidada e que nos trouxe até aqui”.
Sobre Nikolas Ferreira, o vereador do PL afirmou: “Foi só o deputado federal mais votado do Brasil e acabou de impedir uma maldade contra a população mais pobre, porque monitorar o Pix do mais pobre é covardia no momento em que a inflação está comendo o salário do trabalhador”.
Sobre Elon Musk: “Merece uma moção porque a SpaceX, e eu estive lá, tem um trabalho espetacular na América Latina inteira. Comunidades indígenas que se alimentam e são tratadas por médicos por meio da tecnologia dele”.
Quanto a Trump, o vereador atribuiu uma postura pacifista ao presidente dos Estados Unidos, acusando a esquerda de “adorar a guerra” e “gostar da morte”:
“Foi o primeiro presidente em décadas, em quase um século, que não iniciou uma guerra. Ao contrário, ele saiu do poder e nós vimos o caos em que o mundo mergulhou. […] Mas eles adoram a guerra. Eles adoram o caos revolucionário. Sem morte, não há política de esquerda. Eles gostam da morte. E, por isso, a gente começou a ser atacado já no primeiro dia”. Num post, Dárcio chegou a inserir uma imagem de Lenin, líder da revolução bolchevique na Rússia em 1917, para ilustrar esse trecho do discurso.
“A gente tá aqui pra tacar sal no capeta”
No X e no Instagram, Dárcio ainda ironizou Karla:
“No meu primeiro dia como vereador, já coloquei a vereadora do PT para trabalhar pelo campo conservador. Queria agradecer a vereadora do PT que pediu destaque e ajudou a adiantar as votações de duas moções que apresentei. […] Graças ao seu destaque, as matérias foram apreciadas com antecedência e devidamente aprovadas pela maioria da Casa”.
Em outro post, com trechos do seu discurso e uma arte com imagens de Nikolas, Musk e Trump fazendo cara de mau, Dárcio escreveu: “No primeiro dia, queria debater os problemas da cidade, mas fomos surpreendidos pela intolerância esquerdista. Sendo assim, fomos obrigados a defender a civilização”.
Dárcio ainda lançou, da tribuna, o que promete ser o bordão do seu mandato: “Quero garantir à cidade de Vitória que isso não vai ficar assim e a gente tá aqui pra tacar sal no capeta e defender a civilidade e lutar contra a ingratidão”.
Da tribuna, Professor Jocelino contestou o discurso do bolsonarista, por falar, ao mesmo tempo, na Bíblia e no diabo. No seu Instagram, Dárcio afirmou que a esquerda “porta ideias do capiroto” (demoníacas) e “anticristãs”. “Parece que o sal ardeu no lombo da turma”, provocou.
Davi x Karla e Jocelino: “Quanta bobagem!”
Centrando fogo na gestão de Pazolini. Karla Coser criticou as salas de aula não climatizadas em escolas da rede municipal. Davi rebateu que escolas quentes e de madeira foram construídas pela gestão de João Coser.
No Instagram, o vereador do Republicanos publicou: “Primeiro discurso e já mostrei a que vim! Ser oposição firme ao PT e ao PSol é uma compromisso. Está cada vez mais difícil ouvir as mentiras e hipocrisias da esquerda, mas sigo com coragem, defendendo a verdade e os valores que importam!”
Em outro episódio, uma fala do estreante Jocelino serviu de mote para Davi se contrapor da tribuna. O vereador do PT, homem negro, discorria sobre determinado tema e “se corrigiu” assim: “Para que fique claro, ou escurecido, para quem está nos assistindo…” Para algumas pessoas – incluindo educadores e ativistas do movimento negro –, o verbo “esclarecer” e suas variações (“deixar claro”, “ficar claro”) devem ser evitados por supostamente conterem uma carga semântica racista.
Da tribuna, Davi chamou de “bobagem” a escolha lexical de Jocelino: “O vereador Jocelino, em seu primeiro discurso, dá o tom do seu mandato: o tom errado. Sob o pretexto de combater o racismo, usa a expressão ‘que fique claro ou que fique escurecido’. Quanta bobagem! O Brasil não é racista. […] Parem de dividir o nosso povo. Precisamos, sim, avançar é na meritocracia. Aqui está um exemplo simples de por que sou um vereador de oposição ao PT e ao PSol”.
Não satisfeito, o vereador do Republicanos publicou no Instagram: “Nossa Constituição garante igualdade a todos, mas o PT e o PSol insistem em querer criar castas com privilégios exclusivos. A quem interessa a divisão do Brasil?”
Reafirmando sua filiação ao bolsonarismo, Davi adotou o lema de campanha do ex-presidente, acrescentando-lhe uma quinta perna que é bandeira do seu mandato: “Deus, Pátria e Família, liberdade e acessibilidade”.
Comentando o post de Davi, o próprio Jocelino ironizou, agradecendo ao adversário por divulgar o seu trabalho. Da tribuna, o petista discursou: “Fui eleito para contribuir para a cidade, para melhorar a vida das pessoas que moram nos morros, no asfalto. Não vou gastar meu tempo e energia discutindo bobagens e aquilo que não leva comida para a mesa das pessoas”.
Armandinho aponta artilharia para o PT
Enquanto isso, em seu primeiro e muito aguardado pronunciamento da tribuna desde 2022 –, Armandinho não só fez um desabafo, resgatando as provações às quais sobreviveu: “Vivi um inferno na terra”. Também usou esse primeiro momento para dar seu novo cartão de visitas. Não deixou dúvida de que, nesse mandato, também vai direcionar suas armas contra o PT, nacionalizando as discussões no plenário.
Apesar dos limites de atuação local dos vereadores, Armandinho afirmou que, “a partir deste momento, o Brasil pode contar de novo com alguém que luta de verdade pela nossa pátria”. Também disse que manterá “ouvidos abertos ao povo de Vitória, do Espírito Santo e do Brasil”.
Pintando um quadro apocalíptico, começou o discurso pedindo um minuto de silêncio “pelo momento obscuro que vive o país”; “momento sombrio”, de “um desgoverno total, com histórico de corrupção e falta de conexão com as pessoas”. “Um governo que, em vez de picanha, trouxe miséria, traiu o povo e promove um retrocesso civilizatório como nunca antes visto neste país. O maior desastre da história democrática”.
Na linha “Escola sem Partido”, Armandinho prometeu fiscalizar “a submissão de jovens a ideologias radicais nas escolas”. E, citando duas vezes Trump, homenageado por ele, deu contornos heroicos a este trio: “Jair Bolsonaro não se rendeu. Donald Trump não se rendeu. Elon Musk não se rendeu”.
Centro pode ficar esmagado
A eleição de 2024 trouxe à Câmara de Vitória uma boa renovação do plenário, com a ampliação de um centro crítico, representado, potencialmente, pelos novatos Bruno Malias e Pedro Trés (ambos do PSB), além de uma direita mais moderada – por exemplo, com o também estreante Aylton Dadalto (Republicanos) e o reeleito Leonardo Monjardim (Novo).
Podemos resumir como uma faixa central, um espectro que vai da centro-esquerda à centro-direita. Isso poderá qualificar ou não os debates.
De imediato, o risco identificado é que os vereadores dessa faixa acabem espremidos e engolfados pela polarização do PT/PSol com o PL/Davi Esmael. À medida que se aproximarem as eleições gerais de 2026, a agenda mais ideológica, com debates nacionalizados, pode se intensificar e acabar por dominar a pauta da Câmara.
Para não ficarem para trás e sumirem entre os extremos no plenário, os vereadores mais ao centro poderão derivar para um lado ou para o outro, atraídos pela força magnética dos polos ideológicos.
Quanto aos vereadores do Centrão (e são muitos), tendem a ficar ainda mais apagados.
