Coluna Vitor Vogas
Deputado do mesmo partido vira inimigo nº 1 de Muribeca na Serra
Negando o próprio sobrenome, Hudson Leal está contra os candidatos do Republicanos nas quatro cidades mais estratégicas para a própria sigla nestas eleições municipais no ES
Nem Audifax Barcelos, nem Sergio Vidigal, nem Weverson Meireles, nem mesmo Igor Elson… Quem chegou para ocupar o lugar de principal adversário político de Pablo Muribeca, e não pretende abandoná-lo tão cedo, é um colega de partido e de bancada do próprio: o também deputado estadual Hudson Leal, colega de Muribeca no Republicanos. Mas o “coleguismo” termina aí, no fato de pertencerem à mesma sigla.
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Médico anestesista, Hudson é apoiador declarado do ex-prefeito Audifax Barcelos (PP) na eleição à Prefeitura da Serra. Audifax, hoje, lidera todas as pesquisas de intenção de voto na cidade, enquanto Muribeca está em segundo lugar, começando a ver pelo retrovisor a aproximação de Weverson Meireles.
Hudson afirma que sua posição obedece, antes de tudo, a uma questão de relacionamento pessoal: ele é amigo de Audifax há quatro décadas. Formou-se em Medicina em 1984 na Ufes, na mesma turma de Mara Barcelos, esposa do ex-prefeito – 20 anos antes de Audifax chegar à Prefeitura da Serra.
“A minha relação com Audifax é pessoal. Isso aí transcende política partidária”, justifica Hudson.
Mas vejam bem: não se trata meramente de declarar apoio a um adversário de Muribeca, mantendo uma postura fria em relação a ele. Hudson Leal está determinado a fazer o que estiver a seu alcance para ajudar a impor uma derrota eleitoral ao seu colega de partido. Virou uma questão pessoal.
Hudson chega a dizer que, quando Muribeca entrou no Republicanos – após ter sido eleito deputado pelo Patriota em 2022 –, ele foi eminentemente contra e avisou aos dirigentes do partido.
“Falei no partido antes de ele entrar no Republicanos, pois somos um partido conservador, cristão, de bons costumes. Ele não soma nada ao partido. ‘Pão e circo’? Chega, né!”
Hudson pode até ter “alertado” a direção do Republicanos quando da filiação de Muribeca, mas o rompimento total com o correligionário se deu, de maneira pública, em março deste ano. Para entender a posição de Hudson, é preciso responder a uma pergunta proposta por ele mesmo (“Você não seria capaz de tudo para defender uma filha?”) ou pensar naquela máxima que só pais podem entender: “Mexa comigo, mas não mexa com minha filha”.
E Muribeca foi se chocar logo com a filha de Hudson: Júlia, médica como o pai. O deputado trombou com ela durante um episódio muito corriqueiro em seu mandato: numa das “rondas”, ou “fiscalizações noturnas”, que costuma realizar, com ampla divulgação e repercussão em suas redes sociais, em equipamentos públicos de saúde na Serra, para “denunciar” problemas como a escassez de médicos ou a lentidão no atendimento – dando voz, ou explorando, dependendo do ponto de vista, o sofrimento, a indignação e a vulnerabilidade emocional das pessoas.
A “ronda” da noite em questão foi no Pronto Atendimento Pediátrico, anexo ao Hospital Materno Infantil da Serra, em Colina de Laranjeiras, durante um plantão em que se encontrava a filha de Hudson. Muribeca chegou ao local e, na sala de espera, filmando tudo com o celular, tomou depoimentos de pacientes, visivelmente exaltados. A sala de espera esteve à beira de um colapso. A polícia foi chamada e precisou intervir.
Temendo pela própria integridade física, médicos chegaram a fugir para se proteger nas dependências do hospital. Perto da meia-noite, Hudson recebeu mensagens da filha, pediatra, informando a ele que Muribeca teria incitado os pacientes e familiares a atos de violência contra os médicos plantonistas. Segundo Hudson, ela chegou a fazer um Boletim de Ocorrência e exame de corpo de delito, pois teria sido agredida.
Na primeira sessão plenária após o ocorrido, em um raro pronunciamento da tribuna da Assembleia, o deputado de terceiro mandato seguido narrou o episódio sob o seu ponto de vista e o da filha. Não chegou a declarar então apoio a Audifax, mas conclamou a população da Serra a não votar em Muribeca.
À coluna, na última quarta-feira (11), Hudson foi além. Comparou Muribeca a um dos personagens mais nefastos da contemporânea história política capixaba: Dejair Camata, o Cabo Camata, policial militar de 1976 a 1987. “Ele [Muribeca] é uma indústria de mentiras. Vou defender os profissionais de saúde sempre. Ele me remete a um certo candidato a governador do Espírito Santo, que dizia que ia dar com vara de gurugumba nos servidores que estivessem dormindo no plantão, no ambiente de trabalho.” Uma “vara de gurugumba” é uma espécie de chicote.
Após uma passagem histriônica pela Assembleia Legislativa, com discursos de forte apelo popular, na linha “violência se combate com violência”, Cabo Camata por pouco não se elegeu governador do Estado em 1994. Foi derrotado por Vitor Buaiz (PT) no 2º turno, graças a uma união de forças políticas que temiam a chegada do crime organizado ao Palácio Anchieta. A coalizão contou até com Fernando Henrique Cardoso, então presidente eleito, apesar de ele ser do PSDB.
Depois disso, Camata elegeu-se prefeito de Cariacica sem dificuldades em 1996. Fez um governo marcado por greves, denúncias de corrupção e suspeitas de envolvimento com assassinatos, contrabando de armas do Paraguai e com um grupo de extermínio.
Arvorando-se em xerife da cidade, o prefeito mantinha uma “guarda paralela” (uma milícia), diretamente ligada a seu gabinete. O grupo era formado por mais de 20 homens, ex-policiais em sua maioria, encarregados de “expulsar” criminosos da cidade e “agir” (à margem da lei) sempre que acionados. Camata orgulhava-se disso.
O personagem de triste memória morreu num acidente de carro no ano 2000.
Hudson quer “direito de resposta”
Durante sabatina realizada por jornalistas de A Gazeta e da Rádio CBN na última terça-feira (10), o colunista Leonel Ximenes perguntou a Muribeca especificamente sobre o episódio que o pôs em rota de colisão com Hudson. Na resposta, avalia Hudson, ele deu a entender que sua filha, na verdade, não trabalha conforme deveria nos plantões pediátricos.
Hudson ficou possesso com a insinuação. A ponto de dizer que pretende até pedir à Rede Gazeta direito de resposta, com o mesmo tempo da declaração de Muribeca. “Fui citado por ele. Quero desmascarar a mentira dele. Contra fatos não há argumentos. Quero direito de resposta
na CBN, pelo mesmo tempo que ele falou de mim.”
Hudson apoia adversários do Republicanos em cinco cidades estratégicas
O Republicanos tem planos arrojados de crescimento no Espírito Santos nestas eleições municipais. Sob a presidência estadual de Erick Musso, pretende eleger o prefeito de algumas cidades importantes, onde tem candidatos competitivos, para chegar ainda mais forte às eleições estaduais de 2026.
Mas, para cumprir essa meta, a legenda não pode contar com a lealdade de Hudson, não tão leal na dimensão partidária. Sem fazer jus ao sobrenome, o deputado segue uma linha de atuação política parecida com a do atual presidente da Assembleia, Marcelo Santos (União Brasil). Faz política incansavelmente, o tempo todo e em toda parte, apoiando múltiplos aliados para prefeito e vereador de norte a sul do Estado.
Tais apoios, porém, são estabelecidos muito mais a partir dos relacionamentos pessoais e políticos construídos por Hudson do que propriamente em função de uma linha programática e/ou de coerência partidária. Acima de tudo, obedecem à “lei da retribuição”. Adepto da máxima “quem não tem gratidão não tem caráter”, o anestesista apoia quem já o apoiou no passado, esperando, em contrapartida, o apoio deles no futuro.
Partindo dessas premissas, Hudson está contra os candidatos do Republicanos em nada menos que quatro cidades capixabas fundamentais para os interesses do próprio partido; exatamente aquelas em que o Republicanos mais tem chances de eleger o prefeito, entre os 10 municípios mais populosos.
O primeiro, já o vimos, é a Serra.
Vitória: contra Pazolini
O segundo é simplesmente a capital. Em Vitória, em vez de apoiar a reeleição de Lorenzo Pazolini, Hudson está abertamente com o também deputado Capitão Assumção (PL). “Ele também é meu amigo. Já trabalhei com Assumção. Ajudei e apoiei ele na primeira campanha dele, a deputado federal, em 2006.” Pelo PSB (sim, o mundo político dá voltas), Assumção ficou como suplente de Neucimar Fraga na Câmara e, no começo de 2009, virou deputado federal.
E por que não apoiar Pazolini? “Para quem eu posso, eu falo. Eu mostro o outro lado para quem está achando que está bem. Eu discordo. Eu sou Assumção. Na política você tem que ter lado.”
Guarapari: contra Rodrigo Borges
Em Guarapari, o vereador Rodrigo Borges, candidato do Republicanos, está disputando a eleição palmo a palmo com o deputado estadual Zé Preto (PP). Hudson ainda não decidiu se apoiará este último ou seu colega de plenário Danilo Bahiense (PL), chamado por ele de “amigo e irmão”. Mas avisa logo: “Não estou com o candidato do partido”.
Por que ele não apoia Rodrigo Borges? Novamente, afloram o lado pessoal e a lei da gratidão: “Ajudei ele a vereador de Guarapari em 2020. Ele me deu a palavra e depois não ficou comigo em 2022. Aí é uma questão pessoal. Não posso apoiar uma pessoa que não cumpre palavra. Política é isso aí: traição 24 horas por dia. Dá para confiar numa pessoa dessas?”
Linhares: contra Marianelli
Em Linhares, assim como em Vitória, o Republicanos tem o atual prefeito, Bruno Marianelli, e disputa a reeleição, num embate duríssimo com o deputado estadual Lucas Scaramussa (Podemos). Aí o problema pessoal de Hudson é com o principal apoiador de Marianelli, o ex-prefeito e antecessor dele no cargo, Guerino Zanon:
“O prefeito é uma pessoa boa, do bem, é técnico e excelente administrador. Só que ele é apoiado por uma pessoa que é desafeto meu, pois também não cumpre palavra”, justifica.
Colatina: contra Renzo
Como se fosse pouco, em Colatina o Republicanos não tem candidato próprio, mas apoia com todas as suas forças a eleição do ex-deputado estadual Renzo Vasconcelos (PSD) contra o atual prefeito, Guerino Balestrassi (MDB), numa das mais acirradas concorrências municipais no Espírito Santo. Adivinhem com quem Hudson está.
“Em Colatina, estou com Guerino. Quando precisei dele na minha primeira campanha de deputado estadual [em 2014], ele me botou lideranças em vários municípios. Eram pessoas do Bandes, que estão comigo até hoje. Ele me ajudou, é parceiro e amigo. Tenho que ter gratidão. É hora de retribuir”, arremata o deputado, resumindo assim a sua forma de fazer política, ainda que em prejuízo do próprio partido.
Sair? Nem pensar!
E como esse estilo de Hudson, esse “às favas com a fidelidade partidária”, é recebido pela direção estadual do Republicanos? Segundo ele, sem problemas. E ele nem cogita trocar de sigla.
“É um bom partido, um grande partido, mas o relacionamento pessoal ultrapassa o relacionamento partidário”, argumenta, em outra bela síntese do seu modo de encarar a atividade política.
“Não penso em sair, não. Por que eu vou sair? Acho que expor as diferenças que temos não quer dizer nada. Não posso nem preciso concordar com tudo.”
Hudson está no Republicanos desde 2017 (quando a sigla ainda se chamava PRB), após passagens pelo extinto PRP e pelo PTN (atual Podemos).
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