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Coluna Vitor Vogas

Análise: Marcos do Val e sua irresistível vocação para a autossabotagem

O histórico de polêmicas gratuitas do atrapalhado senador / De condenado ao ostracismo a centro das atenções nacionais / As três hipóteses que podem explicar sua conduta desde quinta / Jogo de xadrez político ou tiro ao alvo (vendado)? / Renúncia fake, relatório fake e contradições surreais / Paradoxo: a cada live, um suicídio político / Homem da “inteligência” está subestimando a dos outros / As complicações jurídicas para si mesmo

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Senador Marcos do Val

Os primeiros quatro anos de mandato de Marcos do Val (Podemos) no Senado foram exercidos sem brilho. As poucas vezes em que esse improvável senador pelo Espírito Santo esteve sob os holofotes foram, via de regra, em função de polêmicas em variados graus.

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Foi assim, por exemplo, quando indicou sua então namorada para um cargo comissionado ligado à Diretoria-Geral do Senado; quando defendeu com veemência, nas redes sociais e na CPI da Covid-19, o emprego da inócua cloroquina no “tratamento precoce” da doença; quando peitou, literalmente, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) no intervalo de uma sessão da CPI.

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Foi assim, também, em julho do ano passado, quando deu ao Estadão uma entrevista bombástica admitindo que Rodrigo Pacheco (PSD-MG) lhe havia destinado R$ 50 milhões em emendas do orçamento secreto como forma de “gratidão” por tê-lo apoiado para a presidência do Senado em 2021, e logo depois se desmentiu diante da repercussão negativa, dizendo que foi “mal interpretado” e pedindo desculpas por “eventual mal-entendido”. E por aí vai…

Agora, chegando exatamente à metade do mandato no Senado, o ex-instrutor de segurança se via em uma encruzilhada: com o retorno de Lula (PT) ao governo federal e a sua falta de protagonismo na bancada de direita, tudo indicava que os próximos quatro anos seriam muito longos e difíceis para Do Val em Brasília. Ele corria o sério risco de cair no quase ostracismo, mesmo em pleno exercício do mandato.

O senador estava fadado a ficar sem um “gancho”, condenado a aparecer, ou tentar aparecer, a partir da fabricação de pequenas controvérsias na internet, como o post em que exibiu a elevadíssima fatura do seu cartão de crédito para questionar o salário dos senadores ou a fetichista foto em que, ostentando seu arsenal particular, fez uma provocação pueril endereçada ao presidente Lula (com certeza não lhe tirou o sono).

O que restava a Do Val no Senado seria manter-se firme na defesa veemente da agenda de flexibilização das normas para porte e posse de armas de fogo por civis no país, seu tema prioritário desde que se elegeu em 2018. Mas mesmo a sua pauta armamentista encontra-se bastante ameaçada, com a mudança do pêndulo de poder em Brasília e o giro de 180º dado pelo governo Lula nessa matéria, revertendo a política de afrouxamento implementada por Bolsonaro. Ponto.

De repente, o senador do baixo clero, notório colecionador de armas de fogo, tornou-se, ou melhor, transformou a si mesmo em homem-bomba da República Federativa do Brasil.

E, literalmente do dia para a noite – para ser preciso, da madrugada de quarta para quinta-feira –, passou a ser, por ironia, o homem que pode ter trazido a público a peça definitiva para acabar de complicar a vida de Jair Bolsonaro perante a Justiça brasileira, implicando o capitão pessoalmente na articulação de uma trama golpista com o objetivo expresso de romper com a normalidade institucional e democrática do país: crime contra o Estado Democrático de Direito. Nada mais, nada menos que isso.

A falta de brilho e brilhantismo no mandato do senador é proporcional à relevância política e à atenção que ele alcança neste momento: tenha Do Val almejado isso ou não, o fato é que agora ele pode ajudar a definir, com as gravíssimas revelações feitas à Veja, não só o destino da política nacional, mas, particularmente, o do ex-presidente Bolsonaro, o do ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), preso de novo na última quinta (2)… e o dele mesmo.

As graves afirmações de Do Val sobre uma conspiração urdida por Silveira e/ou por Bolsonaro enrolam como nunca o ex-presidente nas investigações conduzidas pela Polícia Federal e nos inquéritos presididos pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito do STF.

Mas o tiro do senador armamentista também pode ter saído pela culatra, ou atingido o próprio pé. Em uma situação criada por ele mesmo e agravada por seu próprio comportamento errático, suas oscilações narrativas, suas múltiplas contradições e suas contínuas mudanças de versões, Do Val pode estar a complicar, antes de tudo, a si mesmo.

A inconstância e a inconsistência do discurso, que já havia se manifestado em episódios anteriores (o do orçamento secreto é um clássico), têm sido as marcas do senador também agora, neste momento tão delicado (inclusive para ele próprio).

Na medida em que ele mesmo se desmente e se contradiz, mina a própria credibilidade, inclusive entre os próprios pares no Senado e aliados que, cansados de tanta loucura, podem agora perder a paciência e lhe virar as costas.

Em meio a tamanha confusão, a imprensa, a classe política e os cidadãos brasileiros se perguntam:

Em primeiro lugar, por que Do Val teria trazido a público a conspiração agora, só agora, na entrevista à revista Veja, se a reunião com Silveira e Bolsonaro no Palácio da Alvorada ocorreu no dia 9 de dezembro?

Por que tamanhas contradições e autodesmentidos, depois de ter lançado a sua “bomba” (palavra dele)?

Por que Do Val inaugurou esse enredo, cujo narrador é ele mesmo, dando um tiro de bazuca em Bolsonaro, dizendo que o então presidente o coagiu a dar com ele um golpe de Estado, para, já no capítulo 2, começar a desmentir o envolvimento pessoal de Bolsonaro na trama e tratar de atenuar as responsabilidades do então presidente no complô que ele mesmo trouxe à tona?

Qual é a de Do Val, afinal? Seria um gênio do xadrez político ou estaria jogando batalha naval?

As hipóteses

1. Seria tudo isso uma estratégia maquinada pelo próprio senador para acabar de enterrar Bolsonaro e sair da história como herói nacional (mas do jeito contrário ao que queria Silveira), salvador da pátria e do Estado Democrático de Direito?

2. Seria, ao contrário, uma grande trama maquiavélica com o objetivo de pôr sob suspeição a conduta de Alexandre de Moraes para afastá-lo da relatoria do inquérito dos atos golpistas e para forçar a instauração no Congresso da CPI sobre o 8 de janeiro, com viés antigoverno Lula (ideia da qual a oposição não desistiu)?

Um forte indicativo dessa tese de que o verdadeiro alvo sempre foi Moraes é a guinada dada por Do Val nesta sexta-feira (3). Após chamar os filhos 01 e 03 de Bolsonaro de “parceiraços” em uma live, o senador informou, em entrevista exclusiva à CNN, sua intenção de pedir à PGR o afastamento do ministro da relatoria do inquérito dos atos democráticos.

Também reforça essa tese o histórico de ataques de Do Val ao STF. Em outubro de 2019, num post depois apagado por ele em seu Instagram, o senador chegou a sugerir que os ministros da Corte seriam advogados de bandidos: “O crime no Brasil é tão organizado que seu departamento jurídico é o STF”. Meses antes, Do Val assinou pedido de impeachment contra o próprio Moraes e Dias Toffoli, além de ter apresentado pedido para impichar Gilmar Mendes.

3. Ou uma das duas anteriores ou tudo seria, simplesmente, uma sucessão de improvisos e “altas confusões” aprontadas por um senador deveras atrapalhado, ainda neófito na política, especialista involuntário na arte da autossabotagem, capaz de atravessar a rua só para escorregar na casca de banana na calçada oposta e depois, não satisfeito, voltar a atravessá-la para escorregar na poça d’água na calçada original.

Por esse ângulo de análise, Do Val não estaria colocando em marcha uma estratégia friamente calculada por um motivo singelo: capacidade limitada de cálculo político e de compreensão do universo em que se meteu (porque o quis) ao se candidatar e se eleger como absoluto outsider em 2018.

Na verdade, Do Val estaria apenas improvisando, agindo de modo impulsivo e aleatório, definindo sua rota de voo com o avião já em pleno ar e dando o passo seguinte conforme a mudança de cenário, de hora em hora – o que já resulta, em pouco mais de 48 horas, num manancial de recuos e flagrantes contradições.

> Análise: por que Do Val complicou Bolsonaro (e a si mesmo) como nunca antes?

A renúncia fake

Uma delas, de menor gravidade, pode até não ajudar a definir os destinos da nação, mas diz muito quanto à erraticidade, à impulsividade e à leviandade a ditar os movimentos do capixaba:

Por que um senador da República, com direito a uma chamada de “NOTÍCIA URGENTE!” em letras garrafais, vai em plena madrugada às suas redes sociais, onde tem milhões de seguidores, para anunciar estrepitosamente sua “saída definitiva” da política e seu retorno aos Estados Unidos, só para, poucas horas depois, desdizer o dito e afirmar que não vai renunciar e que há “zero possibilidade” de a sua suplente assumir?

Das duas, uma: ou tudo não passou desde o início de um grande blefe, uma estratégia (bem-sucedida) visando chamar ainda mais a atenção do público e da mídia para suas revelações à Veja;

Ou simplesmente ele logo se deu conta, alertado e convencido por alguém, de que a bala disparada por ele pode ricochetear sobre ele mesmo: involuntariamente, o senador pode ter arrumado para si mesmo complicações seríssimas na Justiça e por isso não pode se dar ao luxo de renunciar ao mandato agora, logo agora, abrindo mão das prerrogativas de foro inerentes aos senadores e que podem lhe ser, neste momento, mais convenientes que nunca.

Por essa perspectiva, Do Val não estaria jogando xadrez, mas tiro ao alvo (no que por sinal é muito bom), só que com os olhos vendados. E a cada hora, literalmente a cada hora, acerta num alvo diferente. Não estaria pensando antecipadamente todos os seus movimentos seguintes, mas agindo e falando de modo impensado mesmo. Como ele mesmo disse sobre Bolsonaro à Veja: “Ele é sem noção das consequências”. Pois é.

Contradições bizarras

Algumas contradições, de tão esdrúxulas, beiram o inverossímil, como o fato de ele ter dito inicialmente que a reunião com Bolsonaro e Silveira se deu na Granja do Torto e depois corrigido para Palácio da Alvorada, alegando que não sabia o nome da residência oficial do presidente da República em Brasília, onde vive há quatro anos.

Em outras contradições, além de recorrer à surrada estratégia de botar a culpa na imprensa por suas próprias declarações, o senador denota má-fé e subestima a inteligência alheia:

“Quando a imprensa diz que ele me coagiu, isso não confere”, afirmou diante da própria imprensa, em coletiva concedida na manhã de quinta-feira. Ignorou que, horas antes, ele mesmo, não a imprensa, dissera em live com o MBL: “Eu vou soltar uma bomba aqui pra vocês: sexta-feira vai sair na Veja a tentativa do Bolsonaro de me coagir para que eu pudesse dar um golpe de Estado junto com ele”.

Se não é má-fé, é esquizofrenia política.

O “relatório” fake

Em outra prova de como o senador se perdeu totalmente, ele ainda encontrou tempo, em meio a todo esse turbilhão, para publicar um fake bizarro em suas redes sociais na quinta-feira à noite, tentando passar um calendário com a logomarca da Abin por um relatório secreto do órgão de inteligência do país que ele teria em mãos.

Em um story em seu Instagram, escreveu: “Neste relatório, cai o ministro da Justiça e cai o presidente Lula”.

Internautas logo perceberam que o “relatório” que derrubaria um presidente (agora, o atual) não passava do calendário impresso da Abin. Do Val então, vejam só, apagou a publicação em seus stories.

A impressão que fica é a de que o ex-soldado do Exército e ex-instrutor de segurança está preso numa espiral de produção de factoides criada por ele mesmo e da qual não consegue mais sair. Desenvolveu uma compulsão pela polêmica fácil e barata… sem medir as consequências de suas falas e atos.

E está passando de todos os limites do desrespeito à inteligência do respeitável público.

A cada live ele se mata mais politicamente

Outra evidência de como o senador está enfiando os pés pelas mãos: na manhã de sexta-feira, em nova live (por quê?), ele afirmou: “Chegaram a dizer que estou com problemas mentais, porque uma hora falo uma coisa, outra hora falo outra”.

Sim, senador. O próprio Alexandre de Moraes, ao justificar sua decisão de abrir novo inquérito na tarde de sexta-feira para apurar especificamente as revelações de Do Val, afirmou que, até aquele momento, o senador já havia apresentado quatro versões diferentes para os mesmos fatos.

Horas antes, na referida live, Do Val deu nova e surreal explicação para o zigue-zague:

“Quem trabalha no setor de inteligência sabe que soltamos informações em cada emissora de uma forma para ludibriar o inimigo”.

1) Isso de fato é uma tática comum da espionagem e de países em guerra. Com quem Do Val está em guerra pessoal?

2) Se a ideia era de fato “soltar informações em cada emissora”, por que ele convocou uma coletiva de imprensa, reunindo jornalistas dos principais veículos do país inteiro, na quinta-feira de manhã?

3) Quem é, afinal, esse “inimigo” de Do Val que precisa ser “ludibriado”? O próprio povo, que tem assistido estarrecido ao seu vaivém? Está parecendo muito mais que o senador é que é o maior inimigo de si mesmo, com essa propensão irresistível à autossabotagem…

Quanto à suposta “inteligência”, na verdade, é justamente algo que não está se vendo muito neste enredo…

Complicações de Do Val com a Justiça

Os estilhaços da granada dovaliana podem atingir a ele mesmo. Com o teor de suas revelações e suas inúmeras voltas, ele pode ter se complicado sozinho, e muito, perante a Justiça.

A primeira e mais óbvia complicação é o inquérito aberto por Moraes para apurar os possíveis crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação no curso do processo. The show is over. Do Val terá de se explicar – e de verdade – à Justiça. Não vai valer dizer, como disse na live de sexta de manhã, que seu depoimento à Polícia Federal na véspera foi uma “reunião entre amigos”.

Sem prejuízo das investigações judiciais, o senador também pode se encalacrar na esfera política, pondo em risco o próprio mandato. Neste caso, em vez de renunciar, ele pode simplesmente ser cassado pelos pares, “sendo saído” em vez de sair sozinho.

Nesta sexta, o líder do governo Lula no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que seu partido vai protocolar representação contra o capixaba no Conselho de Ética do Senado, por quebra de decoro: a acusação é a de prevaricação, por ter ciência desde 9 de dezembro de um conluio visando à aplicação de um golpe de Estado e não ter feito denúncia formal às autoridades, como seria a sua obrigação.

Em tese, Do Val ainda pode responder a processos criminais por injúria e calúnia e a ações cíveis indenizatórias, caso não comprove o que disse.

No âmbito partidário, pode até sofrer processo de expulsão na Comissão de Ética do Podemos, medida prevista no Código Eleitoral.


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Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 38 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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