Coluna Vitor Vogas
Assembleia aprova tíquete-alimentação de R$ 1,8 mil para deputados
Mediante requerimento à direção da Casa, o deputado que assim quiser poderá receber o benefício no mesmo valor que já é pago aos servidores do Poder

Deputados estaduais na sessão da última quarta-feira, na qual o direito ao tíquete foi estendido a eles próprios (19/04/2023). Crédito: Ellen Campanharo/Ales
A Assembleia Legislativa aprovou, na última quarta-feira (19), a concessão de auxílio-alimentação no valor de quase R$ 2 mil por mês aos deputados estaduais que reivindicarem o benefício à direção da Casa. Apressadamente, sem a mínima discussão e em meio à votação de um projeto totalmente estranho ao tema, os deputados estenderam para eles mesmos o direito ao tíquete-alimentação concedido aos funcionários da Assembleia.
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Agora, mediante requerimento à direção da Casa, o deputado que assim quiser poderá receber o benefício no mesmo valor que já é pago aos servidores do Poder: R$ 1.829,79 por mês.
Além dos muitos questionamentos pertinentes ao mérito da matéria – começando pelo imperativo: deputados precisam mesmo desse auxílio? –, o que chamou a atenção foi a maneira como a extensão do benefício aos parlamentares foi aprovada na última sessão ordinária, realizada na manhã de quarta-feira: da forma mais acelerada e oblíqua possível, sem ninguém realmente mencionar o que se estava votando e aprovando.
Uma votação estranhíssima
A autorização do tíquete para deputados foi aprovada por meio de uma emenda apresentada pelo deputado Tyago Hoffmann (PSB), vice-líder do governo Casagrande (PSB), a um projeto de resolução da Mesa Diretora que, originalmente, visava homenagear o bem-estar animal. Mas o que se acabou fazendo foi o contrário. Um jabuti, pobre animalzinho indefeso, foi colocado em cima do mais alto galho da árvore do projeto – como todos sabem, jabuti não sobe em árvore, tampouco esse é seu habitat. Explico.
A rigor, o que os deputados deliberaram em plenário foi o Projeto de Resolução nº 11/2023, de autoria da Mesa Diretora, presidida pelo deputado Marcelo Santos (Podemos). No site da Assembleia, Marcelo consta como autor da proposição.
O principal objetivo do projeto era criar na Assembleia uma nova comissão permanente, a pedido da deputada Janete de Sá (PSB), 2ª secretária da Mesa: a de Proteção e Bem-Estar dos Animais. Trata-se de uma das principais causas do mandato de Janete, que presidirá a nova comissão. Ela também é a presidente da CPI dos Maus Tratos contra os Animais.
Até então, o que havia na Assembleia era a Comissão Permanente de Proteção ao Meio Ambiente e aos Animais, tendo Fabrício Gandini (Cidadania) por presidente e Janete por vice-presidente. Portanto, o projeto desmembrou o colegiado em dois, desvinculando a “causa animal” da Comissão de Meio Ambiente.
Além disso, o mesmo projeto da Mesa alterou atribuições do presidente (Marcelo) relativas às sessões plenárias realizadas de maneira híbrida às quartas-feiras – o que já era um tema estranho ao principal.
Aí veio a votação do projeto, em regime de urgência, requerida pela Mesa Diretora no dia 10 de abril.
Presidindo a sessão, Marcelo designou Tyago Hoffmann, presidente da Comissão de Finanças, para relatar a matéria em plenário e para presidir a reunião conjunta das comissões de Finanças, de Justiça e de Meio Ambiente e da Mesa Diretora. Como presidente da reunião conjunta, Tyago assumiu a relatoria do projeto e apresentou oralmente duas emendas.
Da primeira trataremos mais à frente.
A segunda, que nos importa aqui, foi explicada assim pelo autor e relator em plenário:
“Fica incluído mais um artigo no Projeto de Resolução 11/2023, com a seguinte redação:
Artigo: fica estendido aos deputados estaduais do Espírito Santo, por meio de requerimento, o direito previsto no artigo 1º da Resolução nº 1.805, de 23 de outubro de 1995.”
Promulgada pela Mesa na referida data, durante a longínqua presidência do hoje vice-governador Ricardo Ferraço (PSDB), essa resolução é a que estipula as regras para a concessão do vale-alimentação, instituído em 1990, aos servidores efetivos e comissionados da ativa da Assembleia Legislativa. Citado por Tyago, o artigo 1º dessa resolução de 1995 é precisamente o que prevê o pagamento do benefício aos servidores do Legislativo estadual.
Em seguida, Tyago deu seu parecer pela constitucionalidade, legalidade e aprovação nas demais comissões com as duas emendas, e “colocou a matéria em discussão”, da maneira mais acelerada possível:
“Coloco a matéria em discussão. Não havendo quem queira discutir, coloco a matéria em votação.”
Nas três comissões, todos os deputados votaram a favor do parecer do relator.
Colhidos os votos dos integrantes das três comissões e da Mesa, Tyago devolveu o projeto a esta última. O presidente da sessão, Marcelo Santos, reassumiu a condução dos trabalhos e também deu à votação em plenário o rito mais acelerado possível:
“Coloco a matéria em discussão. Não havendo quem queira discutir, em votação. Os deputados que aprovam permaneçam como se encontram e os contrários se manifestem. Aprovado! Em Mesa, para redação final.” De igual modo, a redação final foi aprovada apressadamente e por unanimidade.
Tudo isso durou cerca de oito minutos. As votações foram simbólicas. Não houve a menor discussão sobre o teor da emenda. Aliás, não houve nem sequer menção específica sobre aquilo de que a emenda efetivamente trata: tíquete-alimentação para deputados. É de se perguntar se todos os deputados ali presentes realmente sabiam o que estavam votando e aprovando.
O projeto, então, seguiu para a promulgação da Mesa, com as duas emendas aprovadas, como registrou Marcelo.
A nova resolução ainda não foi publicada no Diário do Poder Legislativo.
Para que isso?
Buscando responder à pergunta que lancei no início deste texto (deputados precisam mesmo disso?), parece-me evidente que não.
Em primeiro lugar, pela razão mais ululante: eles já são muito bem remunerados. Pago pelo contribuinte capixaba, o salário de um deputado estadual, desde 1º de abril, é de R$ 31.238,19 brutos – conforme projeto de lei aprovado pela própria Assembleia em dezembro passado. É dinheiro que dá e sobra para eles arcarem com a própria alimentação.
Em segundo lugar, nunca é demais lembrar um fato possivelmente ignorado por grande parte dos cidadãos: o exercício do mandato parlamentar não exige dedicação exclusiva. Há inúmeros casos de deputados que, paralelamente ao mandato, continuam exercendo suas atividades profissionais originais no setor privado. E consequentemente, é claro, além do polpudo contracheque recebido da Assembleia, acumulam outra(s) fonte(s) de renda.
Em terceiro lugar, os nossos deputados estaduais já possuem carro oficial à disposição, com combustível custeado pela Assembleia (no caso, pelo povo), além de cota parlamentar e direito a diárias quando em viagem oficial.
Em quarto lugar, objetivamente, um deputado estadual só precisa “bater ponto” na Assembleia em dois ou três dias por semana: segunda e terça-feira ou, no máximo, de segunda a quarta-feira.
As sessões plenárias são três por semana: na segunda e na terça à tarde e, desde 2007, na quarta de manhã. Para completar, desde o auge da pandemia, essa sessão de quarta de manhã se dá no modelo híbrido (presencial e virtual): deputados nem precisam ir à Assembleia. Quanto às reuniões semanais das comissões permanentes, também ficam concentradas nos primeiros dias da semana.
Assim, não é incomum que, depois da sessão de quarta de manhã, ou após a sessão de terça à tarde, alguns deputados já nem apareçam na Assembleia. Muitos dos que residem e têm base eleitoral no interior aproveitam para voltar logo para casa.
Tudo isso posto, a pergunta inevitável é: auxílio-alimentação para quê? Fica cheirando a busca de privilégio, de regalia injustificável… E, acima de tudo, a legislação em causa própria.
A história do tíquete
De acordo com a resolução de 1995, gestão Ricardo Ferraço, que regulamenta o pagamento do auxílio-alimentação ao pessoal da Assembleia, modificada pela Resolução nº 3.364/2013, o benefício “destina-se à complementação alimentar do servidor” e “será pago na mesma ocasião do pagamento de sua remuneração, vedada sua antecipação, em qualquer hipótese”.
Curiosamente, em 1995, na alvorada do Plano Real, o valor do auxílio-alimentação para os servidores da Assembleia foi fixado em R$ 8,00 por dia útil. Esse valor seria corrigido, trimestralmente, de acordo com o IGP-M/FGV.
A resolução subsequente atualizou valores e regras de correção do benefício: estabeleceu que o valor mensal do auxílio concedido pelo Poder Legislativo aos servidores seria de R$ 800,00, com atualização automática todo dia 1º de janeiro, com base no IGP-M/FGV, ou outro índice que viesse a substituí-lo legalmente.
Com base na mesma norma de 2013, a Diretoria Administrativa (DLA) ficou encarregada de providenciar mensalmente a relação dos servidores com direito a receber o auxílio-alimentação, “bem como fazer cumprir os dispositivos da presente Resolução”.
Sem publicação
No Processo Legislativo Eletrônico, banco de consultas públicas do site da Assembleia, as duas emendas orais apresentadas por Tyago Hoffmann e aprovadas em plenário não constam anexadas ao Projeto de Resolução nº 11/2023. Quem não assistiu com atenção à sessão da última quarta-feira e não foi tentar entender o que disse o deputado em plenário ficou a ver navios…
O que diz a outra emenda de Tyago?
A outra emenda dada por Tyago Hoffmann ao projeto que criou a Comissão do Bem-Estar dos Animais diz o seguinte, segundo o seu autor: “Fica suprimido o inciso 13º do artigo 46, alterado pelo artigo 1º do projeto de resolução 11/2023, e o artigo 276-A do Regimento Interno”.
No primeiro caso, a resolução de Marcelo dava à Comissão de Meio Ambiente o poder de “acompanhar e fiscalizar o cumprimento da aplicação dos recursos orçamentários, relacionados ao seu campo temático”. Tyago acabou com isso, suprimindo essa competência. A mudança foi aprovada em plenário, na mesma votação.
No segundo caso, estamos diante de outro jabuti, pois o artigo 276-A do Regimento Interno, agora suprimido pela emenda de Tyago, nada tem a ver com meio ambiente e proteção animal.
Basicamente, ao apagar esse artigo do Regimento, a emenda do deputado, também aprovada, retira da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Direitos Humanos o poder de dar parecer definitivo sobre projetos de decreto legislativo que versem sobre concessão de título de cidadão. Enfraquece essa comissão, hoje presidida por Camila Valadão (PSol), na medida em que lhe tira um poder.
Mudanças nas competências de Marcelo
Na redação original do projeto de resolução de Marcelo, além das questões relacionadas à comissão criada sob medida para Janete, o presidente alterou as próprias competências no que diz respeito às sessões híbridas realizadas às quartas-feiras.
Agora, o presidente da Mesa tem autonomia para mudar, se entender necessário, o formato das sessões realizadas nesse dia da semana e se estas terão ou não deliberações, com o acréscimo do seguinte parágrafo ao artigo 102 do Regimento Interno:
§ 2º As sessões ordinárias serão realizadas no formato presencial, com exceção das realizadas nas quartas-feiras que serão híbridas, no último caso possibilitando a presença física ou virtual dos parlamentares, a critério de cada um, sendo permitido ao Presidente da ALES a alteração do formato das sessões, de acordo com o necessário, cabendo-lhe ainda decidir se serão ou não deliberativas, aplicando-se o disposto neste parágrafo, no que couber, às sessões extraordinárias.
