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Coluna Vitor Vogas

As contradições de Armandinho em sua volta (e as de todo bolsonarista)

Apontamos, uma a uma, as incoerências do discurso do mais novo candidato bolsonarista no ES (e de todo apoiador de Bolsonaro que se diga “defensor da democracia”)

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Armandinho entre Gilvan e Manato, aplaudidos por Carlos Salvador (à esquerda), tesoureiro estadual do PL. Foto: PL Vitoria/Breno Denicoli

A incoerência capital de todo bolsonarista é dizer (e até acreditar) que luta pela “verdadeira democracia” ao mesmo tempo em que segue um líder político que atentou de todas as formas contra a democracia verdadeira, sem aspas – incluindo o ensaio de um golpe de Estado com uso das Forças Armadas para permanecer no poder a despeito da vontade popular fixada no resultado das urnas. É o paradoxo dos paradoxos, para quem quer que tenha a mínima compreensão do que realmente significa viver em um regime democrático.

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O mais novo bolsonarista da praça é o vereador Armandinho Fontoura. Afastado do mandato pela Justiça e recém-filiado ao PL, o vereador da Praia do Canto entrou oficialmente no partido em evento realizado no último dia 4 em um hotel do mesmo bairro. É como disse o vereador cassado de Vila Velha Devacir Rabello (PL), discursando ao lado dele no palco: “Armandinho é Bolsonaro. Bolsonaro é Armandinho”. A estratégia de “colagem” é evidente.

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O evento de filiação de Armandinho contou com a presença de expoentes do bolsonarismo no Espírito Santo, entre os quais o deputado federal Gilvan da Federal e o ex-deputado federal Carlos Manato. Armandinho prontamente vestiu a camisa e incorporou o discurso de defesa da “liberdade” e da “democracia”. Em sua primeira fala pública após ter passado pouco mais de um ano preso por decisão muito controversa do ministro Alexandre de Moraes, de dezembro de 2022 a dezembro de 2023, o vereador afastado chegou a exibir no telão um vídeo em que, logo após a soltura, conversou por telefone com o próprio Bolsonaro, com a mediação de Gilvan. Discursando à plateia, um engasgado Armandinho se disse vítima de um “estado de exceção” e da “violação de direitos humanos”… ao mesmo tempo em que abraça Bolsonaro.

O “discurso da volta” de Armandinho foi marcado por algumas incoerências flagrantes, mas tão flagrantes, que não podem deixar de ser sublinhadas.

Luta contra a ditadura (1964-1985)

Destoando dos demais, por não fazer parte desse campo ideológico, também subiu ao palanque o ex-vice-governador César Colnago (MDB). Ele compareceu por ter uma relação pessoal com Armandinho, que chegou a ser seu assessor parlamentar na Assembleia, quando Colnago ainda era deputado estadual. Em suas origens políticas, no movimento estudantil da Ufes, o então estudante de Medicina compôs o grupo liderado por Paulo Hartung em 1979 e participou da luta contra o estado de exceção representado pela ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985. Tem uma (autêntica) história de luta pela democracia.

“César, vocês que lutaram contra um regime autoritário”, chegou a lembrar Armandinho em dado momento do discurso, referindo-se precisamente à ditadura militar (a mesma celebrada em prosa e verso por Jair Bolsonaro). Observe-se: Armandinho cumprimenta Colnago por sua luta contra o regime militar… donde se deduz que ele considera que esse regime não foi bom para o país. Ao mesmo tempo, celebra Bolsonaro, fruto político desse mesmo regime.

E essa não foi a única contradição do discurso e do novo posicionamento de Armandinho.

Direitos humanos

“O que ocorreu comigo e com outras pessoas é sintoma do retrocesso civilizatório e da fragilidade das instituições capixabas, que serviram a uma agenda de violação dos direitos humanos, tudo por conta dos interesses pessoais e políticos de pessoas à frente do sistema estadual de poder, pessoas que colocaram o Estado Democrático de Direito a reboque dos seus desejos e obsessões doentias”, discursou o novo filiado ao PL.

De fato, qualquer violação de direitos humanos é intolerável, mais ainda quando praticada por autoridades políticas ou judiciais com o poder de decisão sobre a vida de terceiros. Mas como é que alguém pode condenar a “violação de direitos humanos” ao mesmo tempo em que agora se declara um soldado de Bolsonaro, o homem que, durante décadas de atuação política, defendeu sistematicamente a violação de direitos humanos (“Eu sou favorável à tortura, tu sabe disso” etc.)?

Armandinho critica agora um suposto “estado de exceção”. Ora, a ditadura militar iniciada em 1964, maior regime de exceção vivido por este país em 135 anos de República, é e sempre foi louvada por Jair Bolsonaro, para quem “o erro da ditadura foi torturar e não matar”, como afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan em 2016 (o que aliás é falso, pois centenas foram mortos pelo Estado brasileiro no período). Direitos humanos?!?

Para ficarmos em só outros dois exemplos, o mesmo Bolsonaro opinou em 1998 que “Pinochet devia ter matado mais gente”. Isso numa entrevista à Veja. No ano seguinte, em entrevista à TV Bandeirantes, declarou que era preciso fazer “o trabalho que o regime militar não fez: matando uns 30 mil. Matando! Se vai morrer alguns inocentes [sic], tudo bem. Em tudo quanto é guerra, morre inocente. Eu até fico feliz se morrer, mas desde que vá 30 mil [sic]”.

Então ok, Moraes talvez tenha cometido excessos em suas canetadas como relator de inquéritos sigilosos, e Armandinho Fontoura pode ter sido vítima de um deles e tem todo o direito de protestar, mas calma aí: uma coisa não anula a outra. Desde quando o senhor Jair Messias Bolsonaro é sinônimo de “defesa da democracia e do Estado Democrático de Direito”?

Antes, durante e depois de sua caótica passagem pela Presidência, o capitão e deputado agitador sempre representou exatamente o oposto disso: a exaltação do estado de exceção (agora tão criticado pelo “bolsonarista” Armandinho) que vigorou de 1964 a 1985 e o desprezo pela democracia que vigora no país desde então.

Ato Institucional nº 5

Em dado momento do discurso, Armandinho criticou o aparato de repressão usado a partir do AI-5 para perseguir adversários! Está gravado e vou repetir: Armandinho criticou o AI-5 como exemplo negativo de perseguição política. Ora, o Ato Institucional nº 5 nada mais foi que “o golpe dentro do golpe”, o ato baixado pelo general Costa e Silva, então presidente da República, em dezembro de 1968, escancarando no Brasil a censura, a repressão, a perseguição a opositores, com direito a prisões arbitrárias, tortura, assassinatos e desaparecimento de centenas de cadáveres cujas famílias até hoje reivindicam o direito à verdade sobre a morte e a localização dos corpos. Tudo, por evidente, à margem da legalidade, sem o devido processo legal.

Armandinho se sente injustiçado? Ok. Mas por acaso está de acordo com tais práticas perpetradas pelo mesmo regime exaltado por seu agora “eterno presidente” Jair Bolsonaro?

Esse mesmo período da nossa história é enaltecido por Jair Bolsonaro, que homenageou um torturador, reconhecido e condenado como tal pela Justiça brasileira, em seu voto a favor do impeachment da então presidente Dilma em abril de 2016. Ao ser eleito presidente em 2018, Bolsonaro prometeu fazer o Brasil voltar a ser “como era 50 anos atrás”. Ou seja, como era em 1968, ano da edição do AI-5, com esse nível de repressão e perseguição política. Que “defensor da democracia” é o senhor Jair Messias Bolsonaro?

2022-2023

Uma vez autoritário, sempre autoritário. Na Presidência, Bolsonaro não fez senão flertar o tempo todo com a ideia de um golpe de Estado e, após a derrota nas urnas em outubro de 2022, realizou gestões pessoais para tirar do papel a ideia (a “minuta do golpe”), incluindo a tentativa de cooptar generais para darem suporte ao plano aloprado. Sem tirar nem pôr, era precisamente o que queriam os autoproclamados “patriotas” que passaram mais de dois meses acampados em frente a quartéis a clamar por um golpe militar, sob o véu do eufemístico conceito de “intervenção militar”.

Bolsonaro e seus seguidores queriam que os generais colocassem o aparato de guerra das Forças Armadas, que serve ao Estado brasileiro, a serviço não do Estado brasileiro, mas de um indivíduo. E para quê? Para que um candidato derrotado pudesse se manter no poder ao arrepio da Constituição e à revelia da vontade soberana da maioria dos eleitores brasileiros, revertendo, pelo emprego da força bruta estatal monopolizada pelos militares, um resultado eleitoral determinado por sufrágio universal. Nada menos democrático que isso. Que “verdadeira democracia” é essa?

No mesmo evento de Armandinho, o deputado Gilvan da Federal criticou os “generais melancias”, expressão dele, que não embarcaram no delírio golpista de Bolsonaro. Indiretamente, admitiu que a ideia era mesmo fazer Bolsonaro permanecer no poder com a ajuda das Forças Armadas. Errados, por essa perspectiva, estariam os generais que preferiram jogar dentro das quatro linhas da legalidade, da institucionalidade e da constitucionalidade. Mas é aquilo, né? “Eu sou realmente a Constituição”, declarou Bolsonaro, em seu delírio absolutista, em 2021.

A esta altura do campeonato, quem ainda não entendeu que Bolsonaro queria dar um golpe, mesmo exposto a tamanhas evidências, me desculpe, ainda não entendeu nada…

Como pode um político “bolsonarista”, defensor de Jair Bolsonaro – um expoente do autoritarismo, da defesa do arbítrio e do desprezo pela democracia –, querer de repente se arvorar em “defensor do Estado Democrático de Direito”? Não dá. As duas coisas são incompatíveis. Mutuamente excludentes.

Ou você apoia Bolsonaro ou é um defensor intransigente do Estado Democrático de Direito. O primeiro opõe-se ao segundo, é a própria negação do segundo. São dois opostos que se repelem.

Então vamos nós de novo: será que realmente não percebem o tamanho da incoerência?

Se não percebem, é caso de fanatismo político mesmo, de um fanatismo tão grande que beira o fundamentalismo político, qual uma seita, e gera uma incapacidade crônica de interpretar fatos e compreender a realidade objetiva. Nesse caso, não adianta argumentar de maneira lógica para expor as incoerências. O fanatismo parece provocar uma disfunção cognitiva.

Agora, se percebem a incoerência, e mesmo assim a praticam, é puro jogo político: estão surfando na onda bolsonarista.

Armandinho não é um fanático.

Em tempo (1)

Como vice-governador, César Colnago foi protagonista da criação da Secretaria Estadual dos Direitos Humanos, no último governo Paulo Hartung (2015-2018). Este sempre alertou para o autoritarismo de Bolsonaro.

Em tempo (2)

A ausência mais sentida no evento de filiação de Armandinho foi a do deputado estadual Capitão Assumção, que será o candidato do PL a prefeito de Vitória, com o apoio do próprio Armandinho. Assumção, ironicamente, não pôde comparecer ao evento justamente em razão de uma das cautelares decretadas por Moraes contra Armandinho ao soltá-lo da prisão, em 18 de dezembro de 2023: o vereador afastado não pode se comunicar com pessoas investigadas no mesmo inquérito em tramitação no STF, e Assumção é uma delas… o que nos leva à pergunta: como será, então, durante a campanha eleitoral???

Em tempo (3)

Independentemente das considerações acima, o colunista prevê que Armandinho será um fenômeno eleitoral, com votação recorde para a Câmara Municipal de Vitória. É possível que dispute com a vereadora Karla Coser (PT) o posto de candidato mais votado, numa eleição que ainda deve ser regida pela polarização ideológica, como foram as últimas eleições parlamentares no país, em 2022.


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