Coluna Vitor Vogas
Análise: União Brasil virou gigante no país, mas ficou pequeno no ES
Inegavelmente, sob a presidência de Felipe Rigoni, o União Brasil é hoje, no Espírito Santo, um partido muito menor do que é em âmbito nacional

Felipe Rigoni (ao centro) em evento de lançamento de pré-candidato a vereador pelo União Brasil. Foto: reprodução Facebook
As movimentações do presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (ainda no Podemos), visando assumir a presidência do União Brasil no Espírito Santo, dão ensejo a um questionamento: qual é o real tamanho do poderoso partido, especificamente, no Espírito Santo?
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Como noticiamos aqui nessa sexta-feira (24), Marcelo tem se articulado diretamente com dirigentes nacionais da legenda, com a intenção de substituir na presidência estadual o secretário estadual do Meio Ambiente, Felipe Rigoni. A ideia da troca de guarda também seria de interesse da direção nacional do partido, ou pelo menos parte dela, por pragmatismo e por algo que pode ser resumido em três palavras: análise de desempenho. O de Rigoni como dirigente regional não viria agradando à cúpula nacional do União.
Se a substituição no comando estadual, por força de decisão nacional, vai ou não se concretizar, ainda não se pode afirmar. Rigoni preside um Diretório Estadual eleito, com mandato previsto até abril de 2027. Há aí questões de democracia interna e de cumprimento de estatuto a serem consideradas. Tampouco se podem ignorar a ação de vetores externos que também têm interesse direto em influir no desfecho dessa queda de braço no União.
Uma dessas forças responde pelo governador Renato Casagrande, que não vê com simpatia a ideia de um “cavalo de pau” (expressão dele) na direção estadual do partido aliado a menos de três meses da deflagração oficial do período de campanha eleitoral.
De igual modo, não cabe aqui nenhum questionamento nem juízo de valor quanto à capacidade e aos méritos de Rigoni seja como gestor público, seja como deputado federal que ele foi entre 2019 e 2022.
Dito isso, a análise que passamos a fazer diz respeito exclusivamente à performance de Rigoni como líder do União Brasil no Estado e ao “tamanho” a que o partido foi reduzido no Espírito Santo ao longo de seus 26 meses no cargo de presidente estadual.
O próprio Rigoni, desde sua exitosa campanha a deputado federal em 2018, sempre destacou (corretamente) a importância de se levar em conta evidências científicas e empíricas na tomada de qualquer decisão.
Ora, os dados concretos neste caso (números e resultados eleitorais) não dão lugar a dúvida: incontestavelmente, o União Brasil é hoje, no Espírito Santo, um partido muito menor do que é em âmbito nacional. Neste Estado, é forçoso admitir, o União é no momento um partido pequeno, com baixa expressão política, ao passo que, nacionalmente, firmou-se como uma potência. Em domínios capixabas, o União está muito aquém da dimensão adquirida no país.
É preciso, pois, reconhecer que, em sua primeira experiência como dirigente partidário, Rigoni acumula resultados ruins à frente do União em território capixaba. Com o partido sob sua direção desde março de 2022, a promessa de reoxigenação e de “reconstrução do União sobre novas bases no Espírito Santo” jamais se cumpriu de fato. No que concerne ao número de mandatários – aquilo que realmente mais importa para toda agremiação política –, é inegável que o União encolheu no Espírito Santo, passando por um significativo esvaziamento. Os números não mentem. A retrospectiva não engana.
Mas, antes mesmo de passarmos aos números e à retomada do histórico recente, propomos ao leitor um teste simples: você por acaso é capaz de citar um político capixaba proeminente com mandato e atualmente filiado ao União Brasil?
Resgate da Era Rigoni
Quando Rigoni assumiu a presidência estadual da sigla, em março de 2022, o União somava quatro deputados estaduais e dois deputados federais no Espírito Santo (Norma Ayub e o próprio Rigoni), além de ser àquela altura o partido do hoje vice-governador Ricardo Ferraço (então sem mandato). Hoje, a legenda não tem nenhum deputado federal e apenas dois estaduais (Bruno Resende e Denninho Silva), mas o segundo já tem carta de anuência e está de saída do partido.
O União Brasil nasceu no fim de 2021, a partir da fusão de duas siglas de direita: o PSL e o DEM. Após sair do PSB, Rigoni, então deputado federal, decidiu se filiar à nova sigla resultante da fusão, sob as bênçãos da direção nacional do partido e, como informou à época, com todas as garantias de que poderia ser candidato a governador do Espírito Santo – oferecidas a ele por Luciano Bivar e Antonio de Rueda, então presidente e vice-presidente nacional, respectivamente.
Inicialmente, tudo caminhava para que a presidência do partido no Espírito Santo fosse entregue a Ricardo Ferraço, aliado e apoiador da reeleição de Renato Casagrande. Mas Rigoni tinha outros planos: queria ser ele próprio candidato a governador. E, para isso, articulando-se diretamente com os caciques nacionais do União, garantiu para si a presidência estadual.
Em fevereiro de 2022, Ricardo e Rigoni tiveram uma divergência em torno, precisamente, do projeto de candidatura própria ao governo, obviamente defendido por Rigoni, mas não encampado pelo ex-senador. Ricardo argumentava que uma candidatura majoritária dificultaria muito a construção das chapas proporcionais do partido (as de candidatos a deputado estadual e federal). Spoiler: essa preocupação se confirmou.
A consequência imediata foi um esvaziamento das chapas de deputados do União no Espírito Santo, com uma verdadeira debandada dos parlamentares com mandato.
Efeito manada
Insatisfeitos com o lançamento da candidatura de Rigoni ao Palácio Anchieta e com a forma como a decisão foi tomada, os deputados estaduais da legenda (Theodorico Ferraço, Alexandre Quintino, Zé Esmeraldo e Torino Marques) aproveitaram a janela partidária, em março de 2022, e migraram em bloco para outros partidos em busca de melhores chapas para disputar a eleição parlamentar meses depois.
O desembarque ainda incluiu a então deputada federal Norma Ayub, que foi para o PP para tentar renovar o mandato. Já Ricardo Ferraço, preterido pela direção nacional do União, voltou para o PSDB, ajudando a levar o partido para a coligação de Casagrande e virando o candidato dele a vice-governador.
Criou-se, assim, uma situação anômala em que os deputados do partido de Rigoni que disputariam a eleição parlamentar não queriam apoiar o próprio Rigoni ao Governo do Estado. Torino era parceiro de Manato (PL) e foi para o PTB. Os demais eram aliados de Casagrande e se espalharam por siglas governistas, como o PP e o PDT. Em abril de 2022, com mandato de deputado, só restou o próprio Rigoni no União Brasil do Espírito Santo.
Para o próprio Rigoni, o lado positivo desse esvaziamento total do União foi que isso permitiu a ele apertar o botão reset e tentar remodelar o partido no Espírito Santo à sua imagem e semelhança, montando as chapas de deputados estaduais e federais com aliados e pessoas mais próximas. Seria ele, a partir daí, o treinador que convocaria e montaria o novo time de candidatos da sigla, com plenos poderes para isso. O tempo, porém, jogava contra ele. Entre sua ascensão à presidência e o encerramento do prazo para filiações de candidatos, Rigoni teve menos de um mês. As chapas acabaram ficando fracas, principalmente para federal.
Desvio de rota
Para piorar, a campanha eleitoral de Rigoni em 2022 foi marcada por um movimento errático. Sem mostrar nenhum poder de crescimento nas pesquisas para governador, ele alterou radicalmente seu destino no meio do percurso: em julho, quatro meses após anunciar “o fim do ciclo de 20 anos de revezamento de Casagrande e Paulo Hartung no poder”, desistiu de concorrer ao governo e anunciou que buscaria a reeleição na Câmara Federal.
Para isso, teve de se acomodar na chapa que ele mesmo havia montado (o que não fazia parte do acordo inicial com os outros candidatos a federal). Na eleição ao Governo do Estado, o União não apoiou ninguém. Mas Rigoni apoiou a candidatura de Erick Musso (Republicanos) ao Senado e levou o União para a coligação do então presidente da Assembleia.
Durante a campanha eleitoral, houve combustão interna. Candidato a federal na mesma chapa, o médico Gustavo Peixoto acusou Rigoni de privilegiar a si mesmo na divisão do tempo de TV entre os candidatos do União. Chegou a entrar com ação contra ele na Justiça Eleitoral.
No dia do encontro com as urnas, Rigoni foi até bem votado individualmente, ficando entre os dez candidatos a federal mais sufragados no Estado. Mas a chapa do União não atingiu o quociente eleitoral e não fez nenhum federal. Para a Assembleia, o partido elegeu Bruno Resende e Denninho Silva (agora de saída). Foi um resultado muito aquém do esperado, aquém do tamanho que tinha o partido quando da fusão e da chegada de Rigoni à presidência, do porte da bancada do União na Câmara dos Deputados e da dimensão adquirida pela sigla nacionalmente.
Nas eleições gerais de 2022, com 58 eleitos país afora, o União fez nada menos que a terceira maior bancada na Câmara Federal, atrás somente do bolsonarista PL e da Federação Brasil da Esperança (PT/PV/PCdoB), de Lula. No Senado, das 27 cadeiras em disputa, elegeu cinco senadores, incluindo Sergio Moro (pelo Paraná). Tornou-se, assim, em 2023, a terceira maior bancada da Casa Revisora, com 10 senadores. Ainda elegeu quatro governadores (todos nas regiões Norte e Centro-Oeste), incluindo o de Goiás, Ronaldo Caiado, agora cotado para disputar a Presidência da República em 2026.
Reaproximação com Casagrande
Logo no começo do 2º turno em outubro de 2022, em evidente reaproximação com Casagrande, Rigoni assumiu o cumprimento de um papel decisivo: em vídeo publicado por ele nas redes sociais, foi o primeiro político de expressão a jogar no ventilador as ligações pregressas de Manato com o grupo de extermínio Scuderie Le Cocq e as suspeitas de que o adversário eleitoral de Casagrande teria sido um dos mentores da greve da PMES em fevereiro de 2017, por intermédio de assessores e aliados políticos. Foi praticamente o lançamento da estratégia, a pedra fundamental da ofensiva que a campanha de Casagrande manteria contra Manato durante todo o 2º turno.
Casagrande conquistou a reeleição. No fim de dezembro, últimos dias da montagem da equipe do novo governo, Rigoni foi escolhido e anunciado para chefiar a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, após ter recusado o comando da Secretaria de Ciência e Tecnologia.
Passou, assim, a compor o alto escalão do governo Casagrande 3, prorrogação do “ciclo no poder” cujo fim ele mesmo “decretara” meses antes. É legítimo e a política é assim, feita de idas e vindas… Mas a guinada, neste caso, com o retorno aos braços de Casagrande, deixou a inevitável sensação de que:
1) sua pré-candidatura ao governo, com posterior recuo, foi um passo maior que as pernas que, efetivamente, não fez bem ao União Brasil no Espírito Santo;
2) entrar na campanha anunciando o “fim do ciclo de Casagrande no poder” foi, no mínimo, precipitado;
3) ingressar no mesmo governo cujo fim ele havia antecipado pareceu não guardar coerência com o discurso com o qual ele mesmo havia entrado no processo eleitoral.
A última janela partidária
A vida seguiu, Rigoni segue colaborando com o governo Casagrande como seu secretário do Meio Ambiente… Mas as coisas não melhoraram para o União Brasil no Estado. Hoje, o partido só tem o prefeito de três dos 78 municípios capixabas: Guarapari, Itapemirim e Jaguaré (os dois últimos vão para a reeleição). Governa 193.419 habitantes, 5% da população capixaba. Tinha o prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio, eleito em 2020 pelo DEM. Não o tem mais: em outubro passado, Euclério foi para o MDB. Em 2020, DEM e PSL juntos haviam elegido quatro prefeitos.
Na última janela partidária, válida para vereadores, o partido também perdeu espaço em cidades importantes. Na Câmara de Vitória, tinha o líder do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), Duda Brasil, eleito pelo PSL em 2020. Agora, não tem mais nenhum dos 15 atuais vereadores. Leal a Pazolini, Duda migrou para o PRD, exatamente uma das siglas ora sob o guarda-chuva de Marcelo Santos, em articulação conduzida pelo próprio presidente da Assembleia.
Na Câmara de Cariacica, a legenda entrou na janela de março com cinco dos 19 vereadores. Saiu com apenas três: Edgar do Esporte, Lei e Sérgio Camilo. No rastro de Euclério, o presidente da Câmara, Lelo Couto, foi para o MDB, enquanto Renato Machado migrou para o PSD.
Imbróglio jurídico
No ano passado, assim como em âmbito nacional – mas sem o mesmo grau de belicosidade –, o União no Espírito Santo viveu dias turbulentos. Rigoni precisou apertar bem o cinto para se segurar na direção do partido. Após convenção estadual realizada no fim de abril de 2023 e permeada de controvérsias, integrantes do partido entraram na Justiça contra ele, requerendo a anulação dos efeitos da convenção.
Em primeiro grau, Rigoni chegou mesmo a ser afastado liminarmente do cargo, decisão que lançou o União em um vácuo de poder no Espírito Santo, por algumas semanas. O principal autor dessas ações foi ninguém menos que Amarildo Lovato, aliado do prefeito de Cariacica, Euclério Sampaio, por sua vez muito próximo a Marcelo Santos.
Portanto, se bem que muito indiretamente, a presença de Marcelo já se fez sentir naquele movimento.
Rigoni, porém, sobreviveu a todas as investidas jurídicas e políticas, conseguindo se sustentar no cargo. Como o próprio ex-deputado já me contou certa vez, ele é (ou era) praticante de jiu-jitsu. “Por isso, pra me derrubar é difícil.”
Ao que tudo indica, terá agora novamente de plantar bem os pés no chão para resistir a mais essa tentativa de queda.
