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Coluna Vitor Vogas

Análise: caminho livre para a Assembleia votar se livra Assumção da prisão

Bola agora está nos pés dos deputados. Como juiz que é, Moraes deu o apito inicial “que autoriza o jogo na Assembleia”, permitindo que os deputados realizem a votação para manter ou revogar a prisão do colega. Aliás, não apenas “permitindo”, mas determinando que a Assembleia decida se mantém bolsonarista na cadeia

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Deputados estaduais comemoram a eleição de Marcelo Santos para a presidência da Assembleia (01/02/2023). Crédito: Lucas S. Costa/Ales

Confirmando um movimento antecipado aqui nessa quinta-feira (29), a Assembleia Legislativa votará em sessão plenária, possivelmente já na próxima semana, se revoga a prisão do deputado estadual Capitão Assumção (PL), determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes em decisão de 20 de fevereiro e cumprida na noite da última quarta-feira (28). A bola agora está com os deputados.

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Do ponto de vista legal, o caminho está desobstruído para isso. Na manhã da próxima segunda-feira (4), o presidente da Assembleia, Marcelo Santos (Podemos), realizará reunião com os outros 28 deputados que não estão presos e com a Procuradoria-Geral da Casa. Eles decidirão em conjunto como procederão para realizar essa inédita votação que terá o poder de reverter a decisão de Moraes e retirar da cadeia o capitão da reserva e principal representante da extrema direita bolsonarista no Legislativo Estadual desde 2019.

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A nota enviada pela assessoria da Assembleia na manhã desta sexta-feira (1º) e assinada por Marcelo Santos contém uma informação crucial logo no início, pois é justamente o que “destrava o jogo” e “abre o caminho” para isso: o fato de que o STF notificou o Poder Legislativo Estadual oficialmente sobre o cumprimento do mandado de prisão do deputado e o horário dessa comunicação oficial:

“O presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, deputado estadual Marcelo Santos, informa que, na noite de ontem (29.02), tomou conhecimento às 20h35, por meio de sua assessoria, que o STF enviou por e-mail às 19h28: i) despacho do ministro-relator; e ii) cópia da decisão que determinou a prisão preventiva” (grifo nosso).

Isso pode parecer um detalhe de menor relevância, mas é muito mais que isso: se o STF não tivesse comunicado oficialmente a Assembleia em tempo hábil, Assumção permaneceria preso preventivamente, por tempo indefinido, e não haveria nada, absolutamente nada, que os deputados estaduais pudessem fazer a respeito. A partir desta sexta, o único com o poder de libertá-lo, quando (e se) o quisesse, seria o próprio Moraes.

Como explicamos aqui, com base no artigo 53, § 2º, da Constituição Federal, espelhado pelo artigo 51, §2º, da Constituição Estadual, caso um parlamentar seja preso em flagrante por crime inafiançável, a casa legislativa à qual ele pertence (no caso concreto, a Assembleia) precisa decidir, em votação plenária, se mantém ou se revoga a prisão.

Mas atenção: para que essa votação possa ser realizada, é necessário que a autoridade responsável pela prisão remeta os autos à casa legislativa em questão em um prazo de até 24 horas. Do contrário, nada feito.

Eis o dispositivo constitucional, com grifo nosso:

Art. 53, § 2º – Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

O artigo 51, § 2º, da Constituição Estadual diz exatamente o mesmo em relação aos deputados estaduais.

Portanto, no caso concreto, se Moraes não tivesse dado esse primeiro e imprescindível passo, a Assembleia ficaria de mãos atadas, sem poder apreciar a situação – muito menos cogitar reverter a prisão de Assumção em plenário.

Agora tudo muda de figura.

Oficiando a Assembleia, Moraes fez a bola sair de seus pés e rolar para os de Marcelo Santos, que, como presidente da Casa, é quem pode marcar a votação sobre o colega preso e incluí-la na ordem do dia.

Vale dizer que o ministro tem sido muito criticado justamente por concentrar superpoderes na condição de relator de inquéritos sigilosos como o das fake news, o dos atos antidemocráticos e o do 8 de janeiro, tomando uma série de decisões monocráticas no curso dessas investigações como mandados de busca e apreensão e de prisão preventiva, como é o caso de Assumção.

Desta vez, embora seja “o dono da bola”, ele deu o pontapé inicial que possibilita aos deputados entrar em campo para reverter o placar a favor de Assumção; ou melhor, como juiz que é, deu o apito que “autoriza o início do jogo na Assembleia”, permitindo que os deputados realizem a votação para manter ou revogar a prisão do colega. Aliás, não apenas “permitindo”, mas determinando isso.

A nota da Assembleia traz outra informação essencial: no despacho do STF para Marcelo Santos, o próprio Supremo instou a Casa de Leis a se posicionar sobre a prisão, em observância do artigo 53 da Constituição Federal (transcrito acima):

“Nos termos do próprio despacho do ministro-relator, a decisão foi encaminhada para os ‘fins do art. 53, § 2º da Constituição Federal, repetido no art. 51, § 2º da Constituição do Estadual do Espírito Santo’, que disciplina a competência da Assembleia Legislativa para que ‘pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão’”.

Assembleia vive momento inédito

Agora, Marcelo Santos vai se reunir com os deputados na segunda-feira de manhã para deliberar sobre a questão. A rigor, ele nem precisaria fazê-lo.

Aparentemente, o presidente deseja compartilhar com os demais a responsabilidade por uma decisão tão importante em um momento tão delicado, para que o agendamento da votação sobre o caso de Assumção seja uma decisão colegiada dos deputados, e não unilateral do presidente. Até porque a Assembleia passando por um momento nunca antes vivido. E o ineditismo de tudo vem a ser outro fator preponderante na extrema cautela com que o presidente quer tratar a questão.

Nunca antes os deputados estaduais do Espírito Santo precisaram decidir em plenário sobre a manutenção ou não da prisão de um dos seus pares detido por “ordem federal”, isto é, por determinação de um ministro da Suprema Corte. A História está sendo escrita, neste momento, pelos deputados e procuradores da Casa. Não há nem previsão regimental quanto aos procedimentos a serem adotados em um caso como este.

Tudo terá de ser feito pela primeira vez, mas não se pode e não se quer errar nos procedimentos. É preciso dar cada próximo passo dentro da legalidade e da maneira mais correta possível do ponto de vista jurídico, até para não dar brecha a futuras contestações judiciais. E esse extremo zelo salta dos termos da nota assinada por Marcelo:

“Considerando tratar-se de procedimento incomum na Ales, e por não constar qualquer disciplinamento em nosso Regimento Interno, determinei em caráter de urgência que a nossa Procuradoria-Geral dedique-se a analisar e orientar o procedimento que deve ser adotado e que será levado para o conhecimento dos demais deputados em reunião que ocorrerá na manhã da segunda-feira (04.03).”

Na prática, como funciona?

No entanto, a votação propriamente dita é singela. Dispensa convocação de sessão especial. O presidente simplesmente inclui na ordem do dia a votação sobre o caso de Assumção. O item pode ser incluído na pauta de uma sessão ordinária qualquer.

Os deputados devem votar de maneira aberta e nominal, pois não há, neste caso, nem previsão constitucional nem no Regimento Interno para que a votação seja secreta, tampouco determinação judicial nesse sentido.

A prisão será mantida por maioria absoluta dos votos no plenário da Assembleia, ou seja, se esse for o entendimento da “maioria de seus membros” (Art. 53, § 2º da CF). No caso concreto, se pelo menos 16 dos 30 deputados votarem assim.

> “Escárnio flagrante”, “discursos criminosos” e “subversão da ordem”: o que diz Moraes sobre a conduta de Assumção

Por que existe essa norma constitucional?

O “controle de prisão” exercido pelo Parlamento quando o preso em questão é um dos seus membros consiste em uma “regra de ouro” incluída pelos constituintes na Carta Magna de 1988 – ainda sob os ecos do arbítrio da ditadura militar (1964-1985) – e replicada pelos legisladores capixabas na Constituição Estadual de 1989, justamente a fim de garantir o equilíbrio entre os Poderes e conter eventuais excessos e decisões arbitrárias de um Poder sobre outro – neste caso, do Judiciário sobre o Legislativo.

Faz parte do sistema de freios e contrapesos vital ao Estado Democrático de Direito em que vivemos, consagrado no preâmbulo e no artigo 1º da Constituição Federal de 1988.

Prisão de Assumção atravessa eleição do próximo conselheiro do TCES

O inesperado momento da prisão de Assumção – de maneira extemporânea, mais de um ano após o MPES ter pedido a Moraes essa medida – acabou “atravessando” e se sobrepondo a outro processo importantíssimo que chega à reta final na Assembleia: a escolha do próximo conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCES), sucessor do recém-aposentado Sérgio Borges.

Conforme já “proclamamos” aqui, a vaga ficará com o secretário-chefe da Casa Civil, Davi Diniz (sem partido). A esta altura, nada a tira dele, que tende a ser inclusive o único candidato inscrito, com o apoio da esmagadora maioria do plenário.

Ocorre que o tema Assumção pode interferir no calendário da escolha do conselheiro e adiar um pouco a “consagração” de Davi.

Na noite de quarta-feira (28), Assumção foi preso. Na tarde de quinta-feira (29), Marcelo Santos inscreveu a candidatura de Davi, com a assinatura de outros 24 deputados.

Conforme o edital publicado por Marcelo na quarta (28) no Diário do Poder Legislativo, o prazo para inscrições termina às 10 horas da manhã da próxima segunda-feira (4), coincidindo agora com a reunião convocada por Marcelo com todos os deputados. Na reunião, eles tratarão do caso Assumção, mas também da eleição para o TCES.

O desejo inicial de Marcelo é realizar a eleição do TCES na sessão plenária de segunda-feira mesmo, às 15 horas. Nos termos do edital, baseado no Regimento Interno, a votação secreta para a escolha do conselheiro precisa ser realizada pelo plenário “no prazo de até três sessões ordinárias”, ou seja, até a sessão plenária marcada para as 9 horas da manhã de quarta-feira (6).

O martelo será batido na reunião dos deputados da manhã de segunda-feira. Pode ser que eles prefiram “inverter a pauta”: resolver a situação de Assumção antes de escolher o conselheiro do TCES. Nesse caso, se esse entendimento prevalecer, os deputados poderão votar a situação de Assumção em plenário na tarde de segunda mesmo ou na tarde de terça, durante sessão ordinária ou extraordinária, deixando a votação do TCES para o limite do prazo, na sessão de quarta de manhã.

Outra hipótese é a presidência da Casa decidir prorrogar o prazo para a inscrição de candidatos à vaga do TCES, se Marcelo precisar ganhar tempo. Tecnicamente, ele pode fazer isso. Mas, politicamente, seria um movimento bastante arriscado, pois assim poderia desandar tudo o que foi construído até agora em favor da eleição de Davi.

Se esse tema começar a ficar “contaminado” por pressões relacionadas à situação de Assumção, uma vaga que hoje está no colo do candidato do governo Casagrande corre o risco de começar a escorregar de suas mãos, então é bom não dar sopa ao azar.

Errata

No texto original desta publicação, escrevemos que, em primeira interpretação do texto constitucional, seriam necessários os votos da maioria absoluta dos deputados (no caso concreto, 16) para reformar a decisão judicial, portanto para sustar a prisão decretada pelo ministro do STF. É o contrário, no entanto, de acordo com o procurador-geral da Assembleia Legislativa, Anderson Sant’Ana Pedra.

Segundo ele, serão necessários 16 votos em plenário para se manter a prisão de Assumção decretada pela autoridade judicial. A Procuradoria-Geral da Assembleia, afirma, seguiu a doutrina jurídica e os entendimentos aplicados pela Câmara dos Deputados em casos análogos.

Nossa informação inicial foi corrigida no texto acima.


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