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CADE, concorrência e liberdade de mercado: o que o caso Nestlé-Garoto ensina
20 anos de incerteza no caso Nestlé-Garoto reacendem o questionamento sobre até que ponto a regulação concorrencial fortalece o mercado ou se torna um entrave à efetiva liberdade econômica e à segurança jurídica necessárias para o desenvolvimento

Por trás de um chocolate, uma batalha de décadas sobre concentração de mercado e os limites da liberdade econômica. Foto: Reprodução/Internet
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O Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o CADE, tem a missão de garantir um mercado competitivo e equilibrado. Seu papel é analisar fusões, aquisições e condutas empresariais que possam prejudicar a concorrência e, por consequência, os consumidores. Na teoria, trata-se de um órgão que atua para impedir monopólios, cartéis e práticas desleais. Na prática, porém, suas decisões podem gerar insegurança e dividir opiniões.
O caso da tentativa de aquisição da Garoto pela Nestlé é um exemplo marcante dessa dualidade. A operação, notificada ao CADE em 2002, foi rejeitada em 2004. O motivo: a nova empresa teria mais de 58% do mercado nacional de chocolates, o que, segundo o CADE, poderia limitar a concorrência e prejudicar o consumidor. A decisão gerou um impasse jurídico que durou quase vinte anos. A Nestlé contestou a medida, alegando falhas no processo e excesso de rigor por parte do órgão regulador.
Enquanto a disputa seguia, o mercado mudou. Novos concorrentes entraram, hábitos de consumo evoluíram e a realidade de 2023 já era bem diferente daquela de 2004. Só então o CADE aprovou a fusão, condicionando-a ao cumprimento de compromissos para preservar a concorrência. A mudança de posição acendeu uma pergunta legítima: por que tanto tempo? Mais importante: qual é o impacto desse atraso para o setor, para os consumidores e para a própria confiança nas instituições?
Críticos da atuação do CADE levantam pontos relevantes. Para a Escola Austríaca de Economia, por exemplo, a concorrência não precisa de tutela estatal. Ela seria um processo natural, que premia empresas mais eficientes e inovadoras. Impedir que uma empresa cresça, segundo essa visão, seria punir o sucesso e beneficiar quem não conseguiu competir. Para esses teóricos, a única intervenção necessária seria contra barreiras artificiais, como regulações excessivas ou favores estatais que impedem a entrada de novos competidores.
Além disso, há quem questione se as decisões do CADE são sempre técnicas. Em alguns casos, a divergência entre conselheiros e o próprio Judiciário sugere que interpretações políticas ou ideológicas também entram em jogo. E quando o órgão decide de um jeito, mas a Justiça caminha em outro, quem paga a conta é a empresa, que precisa lidar com incertezas, custos processuais e estratégias engessadas.
Tudo isso leva a uma conclusão clara: as decisões do CADE têm peso. Elas moldam mercados, afetam investimentos e influenciam a liberdade de atuação das empresas. Por isso, é essencial discutir até que ponto essa intervenção é necessária, útil e proporcional. O equilíbrio entre proteger a concorrência e respeitar a liberdade econômica é difícil, mas fundamental.
O caso Nestlé-Garoto, ao final, deixa uma lição: o papel do Estado na economia precisa ser exercido com responsabilidade, previsibilidade e visão de longo prazo, ou nem deveria ser exercido. Do contrário, a intenção de proteger o mercado pode acabar sufocando sua própria vitalidade.
*Este texto expressa a opinião do autor e não traduz, necessariamente, a opinião do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Espírito Santo.
*Gabriel de Souza Schaydegger é Graduando em Direito na FDV, Estagiário no escritório Alexandre Dalla Bernardina e Advogados Associados, integrante do Comitê IBEF Agro e membro do IBEF Academy.
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