fbpx

Coluna João Gualberto

A polarização afetiva

Polarização se dá sobretudo no campo ideológico. Agora ela ocupa espaços que antes nunca foram divididos, e nem havia competição por ideias

Publicado

em

Rivalidade e polarização parece ser algo comum atualmente. Foto: Reprodução

Um dos fenômenos sociais mais importantes do mundo em que vivemos é a polarização. Ela se dá sobretudo no campo ideológico. Como a polarização é muito ligada às redes sociais, torna-se um fato global. Não está restrita à sociedade brasileira. A persistência da polarização depois da eleição de 2022, já foi objeto de um outro artigo meu. Quem esperava que nesse ano de 2023, ela fosse diminuir errou. Eu mesmo estou entre os que erraram. O que vemos, ao contrário, é a sua força em muitas instâncias da vida cotidiana. Agora ela ocupa espaços que antes nunca foram divididos, e nem havia competição por ideias.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

O tema é bem tratado no livro que acaba de chegar às livrarias: Biografia do Abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil, Thomas Truman e Felipe Nunes, deram interessante entrevista ao jornal O Globo em sua edição do dia 02 de dezembro. Nela, eles definem as eleições de 2022 como a consolidação de um processo competição de identidades, que se expressam e se espremem em bolhas.  No decorrer do processo, cada bolha foi ficando mais parecida internamente e, ao mesmo tempo, mais diferente da outra.

Receba as notícias da coluna no grupo de Whatsapp do João Gualberto.

Foi sendo consolidada, na visão dos autores, uma grande Polarização Afetiva. Nela, cada um tem sempre razão e cada bolha quer ter direito a representar o Brasil. Cada um, só se sente confortável quando se relaciona com quem compartilha das mesmas paixões. Quem reenvia uma mensagem recebida não precisa nem acreditar nela, é muito mais sobre lealdade e participação dentro de um grupo. Parece mais torcida de times de futebol.

Os autores chamam a atenção para o fato de que o que está agora em jogo não são mais decisões sobre economia, mas como cada um quer criar o seu filho, que música ouvir e que artistas quer acompanhar. Esse processo vai tornando-se de tal forma forte, que a chamada Polarização Afetiva vai calcificando as preferências políticas. Cada voto contém assim uma visão de mundo e o que cada um acha que é o certo. Esse processo será forte em 2024.

Muito bem analisado, pelos autores, todos nós estamos vivendo esse processo. Os grupos de WhatsApp, as mesas dos bares e de muitas casas, antes divididas de forma natural, agora não comportam mais gente dos dois lados da polarização. A tolerância e foco na amizade e na alegria foram embora. O que temos visto são discussões, agressões verbais e afastamentos.

Eu mesmo tenho notado que não consigo mais frequentar muitos grupos de amigos de longa data, por diferenças de opinião. Diferenças que, diga-se de passagem, sempre existiram. Não estamos mudando nossa visão de mundo. Sempre foram essas. O mundo ficou intolerante, mais difícil e dominado pela polarização. E mais, cada um quer lacrar em cima do outro. Sacanear como nas torcidas de futebol. Como se fôssemos todos e o tempo todo flamenguistas e vascaínos.

Quanto mais intensa for a relação afetiva, mais a polarização se faz presente. É cada vez mais difícil, por exemplo, começar um namoro ou um relacionamento entre Lulistas e Bolsonaristas. Também não é fácil, para a maioria dos brasileiros, suportar suas próprias famílias ou a de amigos com visão política muito diferente da sua.

Podemos até admitir que sempre houve isso. Não nessa intensidade e nem na proporção que a intolerância está tomando entre nós, tornando a vida mais chata, os amigos mais escassos e a sociedade bem pior.


Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.