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Coluna João Gualberto

A origem social dos neopentecostais

O professor João Gualberto faz uma análise sobre o

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Em artigos anteriores, trabalhei a ideia de que os evangélicos no Brasil têm uma origem muito popular. Mesmo que tenha havido a presença dos reformados na nossa longa fase colonial, foi no fim do império, com a expansão, sobretudo, do cultivo de café que foram chegando entre nós os chamados, na época, protestantes.

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Se por um lado, o catolicismo era religião de estado e totalmente vinculada à lógica do poder e do sistema econômico, por outro, as igrejas batistas, metodistas e outras que chegaram no fim do século XIX começaram a agregar fieis dos setores mais populares. O que se passou no Rio de Janeiro, capital do império, é prova disso.

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O ingresso dos pentecostais, inicialmente, através das Assembleias de Deus, já nas primeiras décadas do século XX, ofereceu à prática religiosa cristã, um caráter ainda mais popular. O catolicismo continuou sustentando práticas muito populares em seus ritos e cultos; mas não é disso que estou falando. É de um envolvimento emocional com o culto e o templo. É um acolhimento que não havia nas práticas da igreja mais tradicional.

A explosão das atuais igrejas neopentecostais tem uma outra explicação. O que ocasionou esse fenômeno tem razões sociais facilmente reconhecíveis. No caso capixaba, estão na forma desumana como foi realizada a erradicação dos cafezais, em grande parte na segunda metade dos anos 1960. Nessa época, o Espírito Santo produzia cafés de baixa qualidade, que estavam comprometendo a qualidade e os preços internacionais dos nossos produtos. [Equivocadamente], o governo nacional financiou, então, a retirada dos pés de café e o Banco do Brasil estipulou um valor por cada pé arrancado do chão. Assim, a grande força econômica do Espírito Santo foi extraída sem pena.

Na década de 1960, o café representava mais de 80% de nossas cadeias produtivas. Quase tudo girava em sua volta. O efeito social foi catastrófico. As cidades do interior encolheram. Bancos, cinemas, escolas, comércios, tudo foi gravemente atingido. Os trabalhadores rurais viram-se abandonados e migraram para as cidades onde poderiam sobreviver de alguma atividade. Foi assim que explodiram as maiores cidades capixabas. O maior exemplo está na Grande Vitória. Cidades como Serra e Cariacica receberam esses desempregados do campo, em sua maior parte, despreparados para o trabalho urbano.

Assim surgiram nossas periferias. Sem qualquer estrutura e planejamento urbano, nossas cidades foram recebendo essas populações. Na prática, foram brotando loteamentos sem água, luz e saneamento. Amontoados de casas precárias, barracos. A lógica social foi totalmente modificada. A estrutura de poder paterno tradicional não mais dava conta de manter a velha ordem. As famílias foram crescendo em um ambiente totalmente diferente daquele rural de sua origem.

Toda essa massa empobrecida e com o seu cotidiano radicalmente reajustado, era cristã. Nossa colonização era de padrão católico e os que viviam no campo, foram criados na ética cristã. As igrejas católicas e sua lógica mais tradicional não deram conta dessa nova demanda. Os padres ficavam distantes do dia a dia dessa gente pobre e desassistida pelo estado. Não houve empenho significativo de qualquer grupo ou instituição para pensar nessa tragédia social quando, de forma tão radical, foi ordenado o fim do ciclo do café.

Sem políticas públicas, sem bons serviços do estado, essa massa recorreu ao acolhimento que as centenas de pequenas igrejas ofereciam. Acolhimento, essa é a palavra-chave. Acolhimento e afeto. Pastores que vivem na mesma comunidade e que dão apoio emocional e material aos seus fiéis. Desde cestas básicas, em momentos de carência, até visitas domiciliares e solução de conflitos familiares. Uma nova organização da fé, que, até então, não conhecíamos. Não nessa escala. As igrejas foram fundamentais na sobrevivência dessas famílias. Sem elas, não sei ao certo o que aconteceria. Só imagino que seria uma fragmentação sem precedentes no Brasil.

Setores majoritários da classe média, e mesmo os intelectuais, desconhecem, em grande parte, essa trajetória social. A produção desse novo cristianismo; de uma igreja que é parte da vida cotidiana, com seus cultos quase diários. Por isso, acham que essas igrejas são compostas de pessoas tolas e pastores ávidos por dinheiro. Isso pode haver. Não é, entretanto, o motor social dos neopentencostais, na sociedade brasileira e capixaba. Categoricamente, esse motor está numa necessidade de acolhimento muito bem compreendida.


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Daniela Paiva Künsch

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