Coluna João Gualberto
A trajetória social dos evangélicos no Brasil
O professor João Gualberto faz uma análise sobre o processo de fortalecimento das denominações evangélicas no país
Desde o início do período colonial até a proclamação da república, no fim século XIX, os portugueses impuseram o catolicismo como religião de Estado no Brasil. Não era permitido professar nenhuma outra fé. Mesmo depois da independência, a situação continuou a mesma.
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No período monárquico, fomos igualmente sujeitos a mesma limitação no exercício religioso. Assim, nossos antepassados ficaram compulsoriamente vinculados a uma única religião, por vários séculos. A Santa inquisição aplicou sentença de suplícios horríveis a muitos que ousaram manifestar outras crenças, mantendo-se, assim, o controle sobre todos. Medo e fé na mesma medida.
Para conseguir construir uma nação católica nas Américas, o esforço para catequizar os indígenas foi imenso. A despeito da estrutura cultural que havia nos habitantes do território colonizado, tornar-se cristão, nessa lógica perversa era uma imposição a todos. A mesma fé compulsória era destinada aos povos vindos da África. Os escravizados – tanto indígenas quanto negros – eram batizados em uma igreja totalmente fora de seu universo cultural.
O resultado desse processo social foi, entre muitos outros, um enorme sincretismo religioso. Os rituais e crenças dos não europeus sobreviveram, através de vários mecanismos, entre os quais, estão as religiões de matriz africana, sobretudo a Umbanda, tão forte entre nós, assim também os elementos do chamado folclore, de origem indígena. Muitos deles ainda estão presentes, sobretudo nas populações não urbanas.
Somente no fim da monarquia houve certa aceitação de outras religiões cristãs. Afinal, o império fomentava a imigração europeia, e começaram a chegar os povos de cultura germânica, que eram em grande parte protestantes luteranos, como eram conhecidos na época. As práticas desses povos eram toleradas, embora seus templos não fossem bem aceitos. Nessa mesma época começaram a chegar também os missionários americanos. Foram, inicialmente, presbiterianos, metodistas, congregacionais, anglicanos, batistas a aqui chegar em maior número.
Como não podiam, logo no início, edificar templos, era comum que alugassem as salas mais amplas e de menor valor de mercado. Grandes salas no Rio de Janeiro tinham cadeiras onde todos podiam sentar-se em seus bancos confortáveis, ao contrário dos templos católicos. Além disso, os primeiros espaços dos cultos eram mais democráticos. Os mais ricos não tinham prioridade nos assentos. Tão mais popular eram os fiéis, que os seus críticos aristocráticos os chamavam de alfaiates letrados.
Estou atraindo a atenção dos leitores para esses pontos, porque as várias denominações evangélicas, no caso brasileiro, foram mais populares desde a sua chegada ao Brasil. Quando a Assembleia de Deus chegou, nos primeiros anos do século XX, aprofundou-se essa tendência. As chamadas igrejas tradicionais acabaram captando setores ascendentes da classe média, e os amplos setores populares foram encontrar abrigo nas chamadas denominações pentecostais.
Isso mostra, de forma breve, o movimento social dos evangélicos. Não por acaso, na urbanização acelerada dos anos 1960 e 1970, foram esses setores religiosos que mais cresceram. Tinham já suas raízes bem fincadas na realidade brasileira. No campo sociológico, nada acontece por acaso, assim como, as trajetórias têm suas bases em longos períodos de tempo.
Ao avaliarem as posturas políticas dos evangélicos, muitos analistas críticos, às vezes se esquecem desses fenômenos de sociedade, e os atribuem à falta de informação dos setores populares ou a manipulação dos pastores. Elementos que estão em outro plano de compreensão. Certamente não é a ignorância das massas que explica a dimensão social e política dos evangélicos no Brasil.
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