Alexandre Brito
O que revela sobre nós quando a traição vira espetáculo
Reações a casos de traição expostos nas redes revelam projeções do ego, julgamentos morais e medos profundos sobre confiança e abandono

Da kiss cam ao chá revelação- cenas de traições que viralizaram nas redes e reacenderam o debate sobre exposição, confiança e julgamento público. Foto: Reprodução
Atualmente, temos visto diversos compartilhamentos na internet e nas redes sociais de casos de traição que são descobertos e revelados publicamente. Essas situações chamam a atenção de todos os olhares e opiniões, pois tocam em algo precioso para cada um de nós: a necessidade de confiança. Mas por que nos interessamos tanto por casos de traição?
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A palavra “traição” vem do latim traditio, derivada de tradere, que significa entregar, passar adiante. Curiosamente, a palavra “tradição” também surge da mesma raiz, mas, no caso da traição, trata-se de uma entrega que fere os costumes. Ela só é possível quando há um vínculo e um acordo a serem sustentados, o que inclui a responsabilidade com o outro.
Quando um caso de traição se torna público, cada um de nós reage de forma diferente — e esse ponto merece atenção, pois pode traduzir nossa avaliação moral das coisas da vida. Diante disso, nossa desconfiança logo se manifesta: “E se isso acontecesse comigo? O que eu faria? Será que posso confiar no outro?”
Em geral, nosso ego se coloca como plenamente confiável e, ao mesmo tempo, desconfiado do outro. Quando descobrimos uma mentira ou traição, sentimos certa satisfação, como se fosse uma pedra retirada do sapato. Nessas horas, o ego projeta no traidor todo tipo de julgamento moral — e isso não é isento de consequências sociais.
O ego acusa, se identifica, se esconde e se defende. No que diz respeito a acusar e se identificar, esse movimento é mais comum em quem assiste à traição alheia: acusa e condena, mesmo sem conhecer toda a história. Ao mesmo tempo, identifica-se com quem foi traído, e é isso que nos faz envolver e interessar tanto pela vida dos outros. Nessa identificação, podemos sentir empatia pela pessoa traída e temer viver algo semelhante, formando opiniões que, talvez, mudassem se vivêssemos pessoalmente essa amarga experiência.
Já o esconder e o se defender são comuns em quem trai. A pessoa tenta evitar o confronto com suas próprias mentiras e contradições, buscando argumentos para justificar suas escolhas como forma de autopreservação. Afinal, ela se torna alvo de todo tipo de opinião e condenação, já que, quando o caso se torna público, o julgamento social pode ser implacável.
Há ainda quem sofre a traição — e admitir já ter sido traído pode significar assumir uma sensação de impotência, ainda que imaginária: impotência diante dos desejos do outro, por não ser a única pessoa no mundo para ele, ou por ter oferecido um amor que não foi bem cuidado. Mais difícil ainda é quando há o perdão, o que muitas vezes desperta a ira dos amigos e dos “especialistas em vida alheia”, sempre online de plantão, que ainda acreditam na ilusão do relacionamento perfeito.
Seja como for, uma traição revelada e amplamente divulgada pode afetar profundamente a vida de quem a cometeu — podendo inclusive ser “cancelado” — e também a saúde mental da pessoa traída. Além de lidar com as consequências emocionais da situação, com o luto de uma vida que jamais será como antes, essa pessoa ainda enfrenta o olhar social, seja em forma de apoio ou de pressão moral.
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