fbpx

Plural

A presunção da inocência é inegociável numa democracia

As advogadas Lara Ferreira Lorenzoni e Ligia K. Mafra a maneira como o processo penal funciona em relação a presunção de inocência

Publicado

em

Leilão. Foto: FreePik

Há ocasiões em que decisões são tomadas com base no desejo de punir, em vez de pautar em evidências. Foto: FreePik

Em tempos de debates intensos e polarização, observamos um fenômeno preocupante. O princípio da presunção de inocência, que compõe a base de nosso sistema jurídico, parece estar sob escrutínio. Essa ideia, profundamente enraizada em nossa tradição legal, é clara: todo cidadão é inocente até que sua culpa seja comprovada em juízo. É uma expressão que transcende a simples formalidade legal; é a manifestação de um acordo civilizacional que visa a garantir igualdade e respeito inabalável às liberdades individuais.

> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!

A presunção de inocência pode ser entendida sob duas óticas: a regra de tratamento e a regra de juízo. A primeira diz respeito à forma como o acusado deve ser tratado durante todo o processo, até a decisão final. Essa regra assegura direitos fundamentais do acusado, como sua integridade física e moral. A regra de juízo, por outro lado, está ligada à convicção do juiz. O magistrado só deve condenar quando houver provas cabais, incontestáveis. Não há espaço, portanto, para qualquer tipo de relativização.

No entanto, é evidente que a sociedade, muitas vezes, não observa a regra de tratamento com a devida cautela. Pessoas são julgadas publicamente antes de terem seus casos finalizados no tribunal. Simultaneamente, a regra de juízo também está sob ameaça. Há ocasiões em que decisões judiciais são tomadas com base no desejo de punir, em vez de se pautar em evidências sólidas.

Acontece que, num regime democrático, há que se contar com dispositivos de limitação do poder, sob pena de se recair num Estado policial. Na democracia, o papel do direito e do processo penal não é simplesmente manter a “ordem” e encarcerar pessoas, mas garantir que cidadãos não sejam injustamente acossados pelo Estado, conferindo-lhes uma defesa adequada contra possíveis abusos de poder.

Além disso, o processo penal não é apenas um instrumento de perseguição: é um reduto de amparo aos direitos individuais. Não se pode permitir que ele se torne uma ferramenta de encarceramento arbitrário, ignorando direitos e garantias constitucionais. Parece uma constatação óbvia, mas a realidade mostra que precisa ser constantemente reiterada.

A presunção de inocência é mais do que uma regra; é um símbolo de nosso compromisso com a dignidade humana. No mundo hiperacelerado, regido pelo inexorável mercado de likes, visualizações, matches, follows e performatividade máxima, há uma compulsão por respostas imediatas que não se coaduna com a institucionalidade do Estado Democrático de Direito. É essencial, nessa quadra, valorizar corolários de justiça e equidade consentâneos ao devido processo legal, sob pena de uma abertura perigosa à barbárie. Essa é uma responsabilidade de todos nós.

Para concluir, vale lembrar: em uma democracia, a liberdade deve ser a norma, jamais a exceção. A contenção, e não a expansão do poder, deve predominar. A democracia é inegociável. O estado de inocência também.


* Lara Ferreira Lorenzoni (esquerda) é doutoranda em Direito pela FDV, professora e advogada. Ligia K. Mafra (direita) é mestranda em Direito pela FDV, professora e advogada.

 

 

 

 


Plural. Foto: Freepik

Este texto é autoral, não reflete a opinião do ES360.

O Portal ES 360 possui o Plural, um espaço democrático, tanto nos temas debatidos quanto nas visões expostas a respeito desses temas. Queremos receber textos sobre os mais variados assuntos, da política ao esporte, da economia à cultura, da administração pública aos costumes sociais. Queremos trazer para nossos leitores olhares múltiplos sobre múltiplos temas. E formar uma ágora digital, tão democrática e aberta quanto a de Atenas, berço histórico de ideias livres.

Clique aqui para preencher seu dados e enviar o seu texto


Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui