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Coluna Vitor Vogas

Luciana de Andrade 2: “Protegi a democracia. Faria de novo? Faria!”

Encerrando nesta quinta (2) seu quadriênio à frente do MPES, ela não nega ter cometido alguns equívocos e guardar arrependimentos, mas é enfática em afirmar: sua defesa intransigente da democracia no momento mais delicado desde o fim da ditadura militar foi um dos seus grandes acertos

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Luciana Andrade. Foto: MPES

Após quatro anos à frente do Ministério Público Estadual (MPES) – iniciados bem no auge da pandemia –, a procuradora-geral de Justiça passa o bastão, nesta quinta-feira (2), para seu sucessor no cargo, o promotor de Justiça Francisco Berdeal, candidato apoiado por ela e escolhido pelo governador Renato Casagrande (PSB). Em seu derradeiro dia nas funções, ela deu esta importante entrevista à coluna, na qual faz um balanço abrangente da própria gestão, apontando erros, acertos e conquistas. Não nega ter cometido alguns equívocos e guardar arrependimentos, mas é enfática em afirmar: sua defesa intransigente da democracia no momento mais delicado desde o fim da ditadura militar foi um dos seus maiores acertos.

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“Qual é o seu partido, Luciana? É o Ministério Público. Qual é o regulamento do seu partido? É a Constituição Federal. E o que é que ela diz? Diz: ‘proteja o regime democrático’. E foi o que fiz. Faria de novo? Faria!”

A procuradora-geral de Justiça diz ter sido muito criticada, até por colegas de MPES, por seus posicionamentos firmes em face de manifestações que clamavam por um golpe de Estado para reverter o resultado das urnas em outubro de 2022 – sendo a maior expressão, no Espírito Santo, o acampamento montado em frente ao 38º BI, no Parque da Prainha, em Vila Velha. “Mas jamais recuei.”

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Luciana afirma não ter dúvida de que, naquelas semanas delicadas, que culminaram com o 8 de janeiro, estivemos diante da ameaça real de “uma iminente ruptura” e diz ter agido dessa forma “porque a Constituição o impõe”: “É um dever do Ministério Público. Não são as crenças da Luciana. Cada um de nós tem crenças pessoais, naturalmente, mas não foram as minhas crenças que me moveram, e sim meu dever institucional”.

O mesmo momento foi marcado pela famosa Petição 10590, levada pela Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) são ministro do STF Alexandre de Moraes. Assinada pela subprocuradora-geral de Justiça Administrativa, Elda Spedo, essa petição foi a base das prisões preventivas decretadas por Moraes, em dezembro de 2022, contra o vereador afastado Armandinho Fontoura e outros supostos integrantes de uma “milícia digital privada”, e das medidas cautelares impostas pelo ministro contra o então deputado Carlos Von e o deputado Capitão Assumção.

“O MPES tomou as providências conforme a atual jurisprudência da Corte Suprema e nos estritos contornos da legalidade. Isso é indiscutível”, afirma Luciana, rebatendo críticas sobre supostas motivações pessoais e revanchismo político.

Nesta segunda parte da entrevista (a primeira você pode ler aqui), Luciana também avalia que o MPES saiu da pandemia mais forte e unido, avalia qual será os eu legado para o órgão e a sociedade e especifica seu maior acerto: “As decisões tomadas na defesa do regime democrático e durante a pandemia”.

Leia tudo abaixo:

Quais as principais conquistas alcançadas pela sua gestão e qual é o legado que a senhora deixa para o MPES, para a categoria e para a sociedade capixaba?

Resiliência. Sobreviver a uma pandemia. Apoiar que a sociedade e o Estado sobrevivessem a esse período muito duro da humanidade e, nessa crise, extrair o melhor que podíamos. O MPES saiu mais forte e naturalmente foi criticado por determinados posicionamentos, mas eram posicionamentos que estavam alinhados à ciência. O MPES saiu da pandemia mais forte e unido. Na área digital, a transformação integral da administração aconteceu nesse período, com o apoio de todos os nossos colaboradores. Todos levaram o MPES para as suas casas, e isso não afastou o MPES da sociedade capixaba. Então já começamos numa crise. E, em todas as crises que passamos, até esta última, das chuvas no sul do Estado, a marca foi a da intensa aproximação do MPES com a sociedade. Essa é a nossa razão de existir, e é para ela que devemos trabalhar. Não é o MPES que a Doutora Luciana pensa, mas o que a sociedade precisa. Penso que o grande legado da minha administração foi olhar mais para as pessoas do que para as coisas.

Qual foi o momento mais difícil dessa quadra?

Foram três momentos mais difíceis para mim. O primeiro foi o início da gestão com a pandemia. Depois, a crise democrática no país e no Estado. E o terceiro foi o nosso período eleitoral sucessório. Cada um deles foi o mais desafiador para mim.

Gostaria de me deter no segundo ponto. Logo após as eleições gerais de 2022, com a onda de manifestantes bloqueando estradas e acampando diante de quartéis para clamar, com outras palavras, por um golpe de Estado, ficou muito evidente o seguinte para qualquer um que tenha real apreço pela democracia e consciência do que ela significa: naquele momento, a democracia brasileira estava verdadeiramente ameaçada…

Sim, a ameaça era real.

Exato. E, naquele momento decisivo, a senhora se destacou por manter posicionamentos muito firmes em defesa do regime democrático, inclusive em entrevistas e na tomada de ações em nome do MPES, contrastando com a inércia, a indiferença e a naturalização por parte de outras autoridades, inclusive estaduais, que – até o 8 de janeiro – buscavam amenizar a gravidade daquela mobilização, tratando-a como “algo normal, próprio da democracia, manifestações naturais”. Ora, a mim parecia tão óbvio, mas, num tempo de reafirmar obviedades, a senhora veio a público dizer com veemência: “Não, isso está errado. Essas manifestações ameaçam a própria democracia”. Por que a senhora agiu dessa maneira naquele momento crítico?

Porque a Constituição o impõe. É um dever do Ministério Público. Não são as crenças da Luciana. Cada um de nós tem crenças pessoais, naturalmente, mas não foram as minhas crenças que me moveram, e sim meu dever institucional. Antes de garantir direitos fundamentais, como saúde e educação, o MP deve proteger o regime democrático e a ordem jurídica. É o texto constitucional que nos modula enquanto uma instituição permanente. Naquele momento de iminente ruptura, porque era um momento de iminente ruptura, não havia outra maneira de agir. A liberdade de expressão não permite você ser agredida na rua, até fisicamente, ser xingada e ser aviltada, como o foi a então vice-governadora [Jacqueline Moraes] de uma forma violenta. E eu também fui. Então a gente começa a perceber que, por conta de alguns interesses obscuros e vis, “vale tudo”. E, naquele momento, começou a haver um “vale tudo” sob a ideia de que se estavam preservando valores do Brasil, como símbolos pátrios. Não, espera aí, também sou brasileira, também amo meu país e esses símbolos pátrios, mas tem um limite: o limite de respeitar os direitos e garantias dos outros. Então, naquele momento, começamos a ter uma crise muito violenta que eclodiu com o 8 de janeiro. Independentemente de a gente concordar ou não com as decisões de líderes políticos, nada justifica agredir adversários, destruir patrimônio público e restringir a liberdade de ir e vir das pessoas, como vimos com o bloqueio de estradas. Então, naquele momento, era preciso que instituições democráticas como o MPES, por dever institucional, se posicionassem fortemente, o que gerou críticas até internamente.

Críticas de quem?

De quem pensava diferentemente de mim. Ouvi burburinhos de críticas sobre a intensidade da minha atuação. Mas eu não recuei em nenhum momento. E veja bem: naquele momento, não tinha manual. Não tinha receita de bolo: “faça assim”. Eu me norteei pelo que diz a Constituição Federal. Qual é o seu partido, Luciana? É o Ministério Público. Qual é o regulamento do seu partido? É a Constituição Federal. E o que é que ela diz? Diz: “proteja o regime democrático”. E foi o que fiz. Faria de novo? Faria!

A senhora guarda algum arrependimento desses quatro anos à frente do MPES?

Talvez eu fizesse algumas forma de forma diferente… mas é muito difícil! Você está numa temperatura, numa pressão, e você tem que decidir. Depois é fácil ser criticado. Tem muito engenheiro de obra pronta por aí, mas você tem de tomar algumas providências e, naquela pressão, não tem como não se equivocar. Talvez eu faria algumas coisas de forma diferente, mas, naquele momento, era o meu melhor possível. Sempre me movi com muita doação e muita intensidade para fazer melhor e mais. Talvez eu teria me aproximado mais de alguns segmentos, teria ido mais às promotorias… Mas, quando olho para trás, eu quase trabalhava 24 horas… Então talvez eu teria tido mais compaixão até de mim mesma e das pessoas da minha família.

Qual foi o seu maior acerto?

O maior acerto foram as decisões tomadas na defesa do regime democrático e durante a pandemia. Manter-me próxima da sociedade e apoiar os colegas mesmo nas matérias mais polêmicas e contraditórias.

E o maior erro?

A gente não ter conseguido atender a todos os clamores de todos os segmentos da sociedade e da própria instituição na intensidade e na plenitude esperada. Não ter conseguido alcançar essa eficiência. E, eventualmente, ter chateado, ainda que sem o desejo de fazê-lo, algum colega ou alguma pessoa da sociedade.

Quero lhe perguntar sobre a polêmica Petição 10590, dirigida pela Procuradoria-Geral de Justiça do MPES ao ministro Alexandre de Moraes, em novembro de 2022, logo após aquelas eleições gerais. Na peça, apontando a atuação de uma “milícia digital privada” no Espírito Santo, o MPES representou contra Armandinho Fontoura, Jackson Rangel, Max Pitangui, o Pastor Oliveira, Carlos Von e Capitão Assumção. Em dezembro, a partir dessa provocação, o ministro do STF decretou a prisão preventiva dos quatro primeiros e uma série de medidas cautelares em face dos dois deputados. Quando ouvimos os próprios representados, ou seus apoiadores e advogados, são duas as principais alegações: a primeira é a de que a petição seria fruto de perseguição política, ou até vingança política, por parte da senhora. A segunda é a de que faltaria competência ao MPES, isto é, a instituição estadual não poderia ter representado diretamente ao STF, pois tal atribuição seria exclusivamente da Procuradoria-Geral da República, na esfera federal. Como a senhora responde a isso?

A Procuradoria-Geral de Justiça não pode se manifestar a respeito desses casos concretos, pois estão sob sigilo. Mas é importante destacar que o MPES tomou as providências conforme a atual jurisprudência da Corte Suprema e nos estritos contornos da legalidade. E isso é indiscutível.

Quais as suas palavras finais para a sociedade capixaba, como procuradora-geral de Justiça?

Quero desejar sucesso ao Francisco no início da sua jornada, a toda a sua equipe e a toda a instituição, porque somos um só corpo unido em prol da sociedade. E, aos capixabas, quero dizer que encerro meu ciclo, agradecendo a confiança e o apoio de todos, e que continuo, enquanto membra da instituição, promotora de Justiça que sou, à disposição e com muita vontade de contribuir para o desenvolvimento do nosso Estado e a concretização dos direitos humanos.

> PARTE 1 DA ENTREVISTA – Luciana Andrade: “Jamais houve rompimento entre mim e Eder”


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