ES360
O maior desafio de Ricardo Ferraço para ser candidato a governador
Em diálogo com outro senador, Graco ensina sabiamente ao colega: “Roma é o povo. […] O coração de Roma não é o mármore do Senado, mas a areia do Coliseu”
No filme “Gladiador” (2000), há um personagem pequeno, mas interessante. É o senador Graco, um dos mais íntegros líderes do Senado naquele contexto da Roma Antiga em que a história é ambientada. Graco não é um típico “homem do povo”. Não vem do povo, mas serve ao povo. Representa-o no Senado com diligência e sincera devoção. Porém tem plena consciência de que a plebe não tem o menor interesse pelas discussões ali travadas. Em diálogo com outro senador, ensina sabiamente ao colega: “Roma é o povo. […] O coração de Roma não é o mármore do Senado, mas a areia do Coliseu”.
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Ao rever recentemente o laureado épico de Ridley Scott, fui levado a pensar no vice-governador Ricardo Ferraço (MDB) – aliás, ex-senador da República –, não só pelas características de Graco, que remetem um pouco a Ricardo, mas pelas palavras do personagem, as quais, de certa forma, traduzem o seu maior desafio na trajetória declaradamente iniciada por ele rumo às eleições de 2026: chegar ao povo; tornar-se mais popular. Passando da Roma Antiga ficcional à mitologia grega, podemos dizer: esse é o calcanhar de Aquiles de Ricardo Ferraço. Para se viabilizar como candidato a governador, pelo grupo de Renato Casagrande (PSB), ele precisa se popularizar.
Menos mármore (aliás, produto de sua terra) dos palácios governamentais e empresariais; mais asfalto e areia de ruas descalçadas da periferia e do interior.
Ao longo dos últimos anos, como repórter e colunista de política, incontáveis vezes ouvi: Ricardo é um cara altamente preparado tecnicamente, workaholic, conhece o Espírito Santo como poucos, entende a fundo os meandros dos Poderes Executivo e Legislativo, tem experiência de gestão pública, começou cedo na vida pública, vereador antes dos 20, deputado estadual antes dos 30, deputado federal aos 35, presidente da Assembleia, senador, vice-governador duas vezes, chefe de várias secretarias no Governo do Estado, é talhado, é tarimbado, massssss… não é o sujeito mais carismático do mundo. Não é sinônimo de leveza e espontaneidade. E não é exatamente um campeão de popularidade, sobretudo entre as classes de menor poder aquisitivo.
Além disso, como todos os políticos de sua idade, Ricardo vem de uma outra escola de comunicação com o público, desvantagem natural frente a políticos da geração seguinte, como Arnaldinho Borgo e Lorenzo Pazolini, que já “surgiram” politicamente dentro desse universo das redes sociais e que nadam nessas águas com desenvoltura. É a geração política do Instagram, nascida politicamente nesse às vezes não tão admirável mundo novo em que tudo se torna instagramável. A geração 60+ está precisando correr atrás. Ricardo tem 61.
Como reverter isso? Em primeiro lugar, do ponto de vista do marketing político, parece imperioso um trabalho de mudança de imagem. O esforço nesse sentido, nitidamente, já começou.
É sentido no dia a dia, com a presença física de Ricardo muito mais constante e mais intensa ao lado de Casagrande em praticamente todas as “pautas positivas” do Governo do Estado (os dois viraram quase siameses).
Mas se faz sentir, principalmente, nas redes sociais de Ricardo, as quais nas últimas semanas passaram por uma grande virada, com o claro propósito de torná-lo mais leve, acessível, espontâneo e, digamos, mais “gente como a gente”. Num post recente, Ricardo se deixa filmar dando papinha na boca do netinho. Arremata o vídeo dizendo que o pimpolho será flamenguista como o avô (o Flamengo realmente é o time do coração de Ricardo e é, estatisticamente, o time mais popular do país, em número de torcedores).
Em outra publicação, Ricardo visita o pai, Theodorico, e interage com o cãozinho dele, Buiú. Em outras, vai “capixabear”, percorrendo praias do litoral sul no auge do verão.
[Que ninguém espere ver, daqui a um tempo, Ricardo cozinhando mocotó antes das 6h para seu café da manhã, descendo ladeira loucamente num carrinho de rolimã ou entrando em qualquer botequim para saborear uma gordurosa “barra de cereal” (como Casagrande chama as peças de torresmo que tanto aprecia)… Que ninguém espere o vice-governador passar a ser chamado em suas redes de Ferrão, ou Cadão, como Casagrande virou Casão nas suas… São ações voltadas para as redes sociais que até passam como “naturais” no caso do governador, por sua personalidade e seu estilo genuinamente brincalhão e (auto)gozador. Mas o personagem que aparece nas redes de Ricardo já é outro.]
Mantive o parágrafo acima, em vez de deletá-lo, apenas para provar como eu mesmo fui surpreendido enquanto produzia esta coluna. Chequei de novo o perfil do vice-governador no Instagram. Lá está um post dele ao lado de Casagrande, em um típico “boteco copo sujo”. O governador afirma: “Ensinei ao Ricardo o caminho da barrinha de cereal”. Ricardo, então, pede ao vendedor que o torresmo dele venha num saquinho do Flamengo.
É isso.
“O Espírito Santo é o Brasil que dá certo”
A equipe de Ricardo também cunhou para ele um slogan, com o qual ele tem finalizado suas falas em muitos vídeos curtos postados após entregas e anúncios do governo: “O Espírito Santo é o Brasil que dá certo”. E aqui certamente estamos diante de outra parte importante da estratégia em execução, que tem a ver com a colagem, inclusive física, de Ricardo e Casagrande: torná-lo, ao lado do governador, a segunda cara do atual governo e sinônimo instantâneo de suas realizações.
Para ser competitivo na campanha ao Palácio Anchieta – ainda mais, se já for governador –, Ricardo não terá de chegar, necessariamente, como o cara mais popular do mundo. Aumentar sua popularidade é importante e, como dito, estão trabalhando nisso… mas, se ele for mesmo o candidato do governo, sua campanha não poderá se fiar apenas no carisma e nos atributos pessoais do candidato.
Com R$ 5 bilhões de investimentos previstos só este ano e uma cartela de entregas em múltiplas áreas a exibir, o governo aposta que Ricardo pode chegar competitivo e aumentar muito suas chances de vitória se ele se apresentar ao eleitor em 2026 não só como o Ricardo, mas como o corresponsável por tais realizações e representante da continuidade não só de um governo, mas de um “Espírito Santo que dá certo”. Isso tende a ser mais fácil, obviamente, se ele de fato assumir o cargo de governador no lugar de Casagrande em abril do ano que vem e se o governo chegar o fim do mandato bem avaliado como hoje está.
A relação com o empresariado
O empresariado capixaba incensa Ricardo. E tem boas razões para isso. Do ponto de vista do empresário, isso faz bastante sentido.
Muito além da sua presente atuação à frente da Secretaria de Desenvolvimento (Sedes) – pasta que fomenta o desenvolvimento de negócios interessantes para o Estado –, essa conexão remonta principalmente aos oito anos de atuação de Ricardo no Senado, de fevereiro de 2011 a janeiro de 2019.
Como representante do Espírito Santo na casa dos cabelos brancos antes de os possuir, o filho de Theodorico não só teve protagonismo em pautas importantes para o empresariado brasileiro em geral (como a relatoria da reforma trabalhista) como cumpriu devotadamente um papel que hoje, por exemplo, não se vê nenhum dos nossos três senadores assumindo: o de representar a agenda do crescimento capixaba e defender os interesses econômicos do Estado nos debates federativos.
Assim, como diria Elio Gaspari, Ricardo é adorado pelo andar de cima da sociedade capixaba. Mas empresariados e ricos têm poucos votos (one man, one vote). Como romper com essa imagem e chegar às massas, passar de “candidato das elites” a “candidato do povo”? Eis o desafio.
As especificidades da Sedes
Não por acaso, neste mês de fevereiro, Ricardo deixará o comando da Sedes e dará lugar ao ex-prefeito da Serra Sérgio Vidigal (PDT), conforme anunciado em janeiro.
Não se trata só de ficar mais livre para circular com Casagrande, fazer política, construir sua pré-candidatura. Tem a ver também com o escopo da Sedes, secretaria focada no crescimento econômico do Espírito Santo.
Crescimento econômico é bom para todos. Gera prosperidade, mais renda, mais empregos. De forma mais ou menos direta, mais cedo ou mais tarde, todos se beneficiam em algum nível, do empresário à dona de casa. Mas este é um raciocínio com alto grau de abstração.
A Sedes não tem uma agenda que chegue ao cidadão comum, na ponta, de maneira tão direta como tem, por exemplo, uma Secretaria de Saúde, uma Secretaria de Mobilidade, uma Secretaria de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social. Ricardo passará a transitar por essas e outras áreas do governo.
Cachorro picado por cobra…
Ninguém que viveu, muito menos Ricardo, esquece abril de 2010. Na ocasião, favoritíssimo para ser o candidato de Paulo Hartung à sucessão, ele perdeu a primazia para Casagrande.
Como ensina a sabedoria popular, cachorro picado por cobra tem medo até de linguiça.
Ricardo fará sua parte, com empenho, para se viabilizar. Mas não vai se considerar candidato antes do tempo ou favorito para ser o candidato do Palácio Anchieta, muito menos se sentar na cadeira de governador antes da hora.
O aumento do poder de investimento
Só para registro:
De 2009 para 2010, Ricardo se preparou – e foi preparado por Hartung – para ser o candidato à sucessão. Para isso, assumiu o título de coordenador do programa de R$ 1 bilhão de investimentos daquele governo. Era grana então. É grana hoje em dia.
Mas, como mencionado acima, só este ano, o governo prevê R$ 5 bilhões em investimentos.
Claro, há a inflação acumulada no período, mas… veja-se como o Espírito Santo evoluiu nesse aspecto.
Antecipação atípica
Já deveríamos estar acostumados, mas o processo eleitoral dessa vez está parecendo ainda mais antecipado que o normal. O próprio Casagrande o deflagrou com sua série de entrevistas de fim de ano, em dezembro.
Agora, quebrando o paradigma de esconder os planos até o limite do prazo, Ricardo abriu o jogo e admitiu que trabalha para se viabilizar. Até pelo ponto em que estamos no calendário eleitoral, ele falou com uma franqueza inesperada. Em geral, o candidato mais “natural” é o último a admitir o óbvio.
A explicação para tamanha antecipação pode ser o que está em jogo em 2026. Não é “só” uma sucessão de governo, mas o fim de um ciclo de um quarto de século com a alternância de Hartung e Casagrande no Palácio Anchieta. A oportunidade de um século. O portal que só se abre uma vez e rapidamente se fecha. Todo mundo está querendo entrar.