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Coluna João Gualberto

Crônica do amor desperdiçado

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Tenho insistido, nos meus artigos, que se faz no Espírito Santo literatura da mais alta qualidade. Volto sempre ao mesmo argumento, porque sinto, entre nossos formadores de opinião, certo afastamento da produção literária capixaba. Creio mesmo que tal fato ocorra pelo distanciamento dessas pessoas da linguagem artística literária como um todo, e não apenas da que se produz em nosso estado. Seguramente, leem pouco os grandes autores nacionais e internacionais, sejam romancistas, poetas ou cronistas. É um distanciamento amplo, produto de uma visão muito técnica da vida, que acaba por acarretar certo desconhecimento dos valores culturais e humanistas mais abrangentes. 

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Some-se a isso o preconceito com aquilo que é produzido em nosso estado, que vai de  uma camisa a um romance, de um filme a uma peça de teatro. Fomos socializados com baixíssimo sentido de pertencimento a esta nossa terra, com um capixabismo ainda fraco e tardio. Assim, por uma série de razões, os ficcionistas locais atingem um público muito menor do que merecem. Temos autores de porte nacional pouco lidos, como Renato Pacheco, Luiz Guilherme Santos Neves, Reinaldo Santos Neves, Getúlio Neves, Adilson Vilaça, Francisco Aurélio Ribeiro e Rubem Braga, para ficar apenas nos autores sobre os quais tenho escrito mais recentemente. De fato, há dezenas de outras e outros tão importantes quanto estes.

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Fiz essa pequena introdução para chegar ao meu tema de hoje: o livro Crônica do Amor Desperdiçado, de Pedro J. Nunes – escrito assim mesmo, com esse “J.” que deve ser de José, mas ele gosta de usar somente o jota; então, nem José e nem sem jota – coisas do Pedro. É um texto não muito longo que descreve um amor complicado, desperdiçado, como ele deixa claro no título. Além de desperdiçado é um amor interessado, interesseiro e manipulado até o limite da quase exaustão. Ele conduz o leitor maravilhosamente por esse labirinto apaixonado, desde o dia em que o narrador conhece o objeto de sua paixão até o desfecho, desde a tensão amorosa máxima até o desperdício de tanto sentimento. 

O título me fez lembrar um pequeno e extraordinário trabalho de Reinaldo Santos Neves, Muito Soneto Para Nada, que também trata de uma paixão, digamos, desperdiçada e descrita por outro grande autor capixaba. Aliás, alguns outros elementos me levam a crer que Reinaldo tenha sido uma referência muito presente neste texto de Pedro J. Nunes.

Para começar, como muitos personagens centrais em toda a obra de Reinaldo, o narrador de Crônica do Amor Desperdiçado é professor da Universidade Federal do Espírito Santo, no curso de Letras, ou seja, um intelectual ligado ao mundo da literatura. É esse lugar que lhe permite teorizar sobre autores de uma forma geral, dando ao texto elegância e profundidade, além de ambientar muitas ações no Campus da Ufes, como Reinaldo. Há mesmo um anexo sobre os amores de Dostoiévski, no fim do livro, que dialoga magistralmente com a história.

Li um comentário sobre o livro do qual estou tratando feito por outro craque, Francisco Aurélio Ribeiro, o qual, embora feito em grupo de amigos da literatura, tomo a liberdade de transcrever: “Li o livro do Pedro, obra cheia de intertextos e de metalinguagem. Uma delícia para os amantes da literatura e uma aula de como escrever um romance”. Cito porque concordo com Francisco Aurélio e julgo que ele tem mais autoridade do que eu para fazer um elogio dessa ordem. 

Pedro faz claramente, como já citado, homenagens a dois grandes autores: Reinaldo Santos Neves e Dostoiévski, leituras favoritas do autor, intelectuais que ele muito respeita. Tanto é assim que, além do campus da Ufes, sempre presente na obra de Reinaldo, há também a vila de Manguinhos, tão festejada em A Ceia Dominicana: Romance Neolatino, obra em que existe um (des)encontro entre o narrador e sua musa, ela também uma personagem típica das mulheres de Reinaldo.  

Por tudo isso e muito mais, o livro de Pedro J. Nunes é leitura recomendada para quem deseja conhecer a boa literatura brasileira, com um olhar denso e complexo sobre o universo feminino.

João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.