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Coluna André Andrès

Degustação: aprenda a identificar a uva, a safra e o país do vinho

Para muitas pessoas, identificar aromas, uvas e safras numa degustação é afetação ou invencionice. Mas para quem gosta, é um bom exercício mental ou uma brincadeira gostosa

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Vinho na Vila desembarca pela primeira vez no ES. Foto: Divulgação

Taça de vinho pode revelar muitas pistas durante uma degustação. Foto: Divulgação

Dias atrás, estava em um evento, e me foi servido um vinho. Num gesto automático, levei a taça ao nariz e girei-a um pouco antes de provar o tinto. Às vezes, esse ato provoca curiosidade. Isso ocorreu naquela noite. A pessoa ao meu lado perguntou: “Você consegue identificar tudo na taça?” Bem, não era essa a intenção,. O gesto foi mecânico, instintivo e, até certo ponto, inapropriado de minha parte. Eventos, reuniões, festas não são momentos para “degustar” um vinho. A função da bebida, nesses casos, é apenas estimular a socialização. Analisar um vinho numa situação assim é deselegante (tudo bem, tem cerimonial de luxo se aproveitando disso e servindo tintos intragáveis, mas essa é outra história…). A degustação no momento devido, numa mesa onde o vinho é uma das atrações, por exemplo, é curiosa porque provoca desconfianças entre algumas pessoas e muito prazer para outras. Para quem gosta, é um exercício mental delicioso ou uma brincadeira leve, embora posso provocar discussões acaloradas.

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Os desconfiados acham impossível alguém identificar a uva ou a safra apenas provando um pouco do vinho. Acredite: com um pouco de atenção, memória e um mínimo de dedicação, isso é bastante possível. Alguma uvas podem até ser consideradas didáticas. É quase impossível confundir a Sauvignon Blanc com outras castas brancas, porque seus aromas de frutas ácidas são muito típicos. Da mesma forma, a cor clara é uma excelente pista para identificar um Pinot Noir. E o sabor pronunciado de coco e baunilha em um tinto é sinal de passagem por barrica de carvalho americano. Essas informações vão formando um painel de sensações capaz de lhe dar as pistas necessárias para definir qual a uva, a safra, o país etc.

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Lógico, essas informações vão sendo assimiladas com tempo, com paciência, com atenção, mas também com muito prazer. Para tentar ajudar quem quer começar a brincar de degustação, segue uma série de pistas para formar esse painel de sensações. São muitas pistas? Sim, principalmente porque a equação para a produção de um vinho é infinita. E o interessante é justamente o fato de ele esse cenário estar em constante expansão.

Degustação às cegas: o aroma

É a parte inicial de qualquer prova. Bons vinhos exalam aromas marcantes. A partir deles, é possível identificar as uvas usadas na produção. Alguns exemplos clássicos:

Maracujá, limão, abacaxi e outras frutas ácidas → Sauvignon Blanc, especialmente da Nova Zelândia ou Chile. Exemplo: Toro de Piedra Edición Costeira (Chile), Cloud Bay (Nova Zelândia)

A uva Pinot Noir

A Pinot Noir: casta delicada e usada na produção de alguns dos vinhos mais caros do mundo. Foto: divulgação

Rosas, pêssego, floral intenso → Torrontés. Crios de Susana Balbo (Argentina)

Maçã verde, limão, frescor cítrico → Chardonnay sem passagem por madeira. (Cono Sur Bicicleta)

Manteiga, baunilha, pão tostado → Chardonnay com passagem por barris de carvalho (geralmente do Novo Mundo). Amelia (Chile), Columbia Crest (Estados Unidos)

Frutas tropicais doces, melão, damasco seco → Viognier. Conde de Ervideira Escolha do Enólogo (Portugal)

Framboesa, morango, cereja, terra úmida → Pinot Noir, principalmente da Borgonha. Salton Intenso (Brasil, vinho muito acessível), Dominique Laurent Gevrey Chambertin (França)

Amora, cassis, grafite, pimentão verde → Cabernet Sauvignon. Morandé Terrarum Selected Block (Chile)

Ameixa madura, violeta, baunilha → Malbec, especialmente da Argentina. Saint Felicien (Argentina)

Cereja ácida, ervas secas, tomate seco → Sangiovese, como os Chiantis italianos.

Frutas vermelhas, couro, baunilha → Tempranillo, especialmente os espanhóis de Rioja ou Ribera. Beronia (Espanha), Zuccardi Q (Argentina)

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A base de todo vinho

Antes de usar o paladar para tentar descobrir com qual uva o vinho é feito, é preciso saber como identificar acidez, tanino e álcool, componentes fundamentais da bebida.

Acidez – Sabe quando você prova um vinho e os cantos de sua boca, perto do maxilar, ficam “cheios de água”? Isso é provocado pela acidez. Se for muita água, a acidez é alta, se a sensação for de frescor, é equilibrada, e se não provocar salivação, a acidez é baixa. Lembre-se: a acidez é fundamental para a formação da estrutura do vinho. Sem ela, o vinho fica “chato”, insosso, como uma Coca-cola sem gás.

Tanino – O tanino, presente nos vinhos tintos, é um composto natural da casca, sementes e engaços da uva. Ele também pode ter origem nas barricas de madeira. Proporciona estrutura e provoca sensação de secura na boca. Mas como saber se o vinho tem muito tanino ou se está equilibrado? Vai depender de onde ele for percebido e a sensação causada no paladar. Se ao tomar o vinho você sentir a boca “se fechando”, como se tivesse mordido uma banana verde, o tanino está exagerado. Se o céu da boca ficar muito seco, o tanino está desequilibrado. Se a secura for no meio da língua, o tanino indica um vinho jovem. E se ele for percebido nas bochechas, é um vinho equilibrado. Agora, se não houver presença de tanino, o vinho pode estar “cansado”, possivelmente prejudicado por ter sido guardado de forma equivocada.

Álcool – O terceiro elemento fundamental na composição do vinho provoca uma sensação de aquecimento no paladar. É percebido na parte posterior da língua e na garganta. Quando essas sensações forem incômodas, quando o vinho desce “arranhando”, a presença do álcool está exagerada. O álcool também é responsável pelo toque de doçura: quanto mais alto o volume alcoólico, mais doce o vinho.

Degustação às cegas: o paladar

Acidez, tanino e álcool formam a estrutura, o corpo do vinho e são importantíssimos para indicar o seu tempo de vida. A percepção sobre a uva, no entanto, é dada mesmo pelo sabor, pelo paladar. Algumas notas são muito evidentes e indicam facilmente a uva. É o caso das notas de manteiga e amêndoas no vinho branco: quase certamente se trata de uma Chardonnay com passagem por madeira. O toque de pimentão pode ser indicativo de uma Carménère e assim por diante. Confira a seguir uma pequena lista de notas presentes em brancos e tintos. Os países estão indicados como probabilidade. Mesmo porque no mundo do vinho as certezas absolutas não são muitas.

Brancos

Maçã verde + corpo leve + acidez alta → Chardonnay jovem sem passagem por madeira (Chablis, França, ou Chile)

Maracujá + acidez marcante + corpo leve → Sauvignon Blanc (Nova Zelândia)

Amêndoa + mel + manteiga + acidez equilibrada → Chardonnay com passagem por madeira (Chile, Argentina, Estados Unidos)

Notas florais + dulçor leve → Torrontés (Argentina)

Pêssego + casca de laranja + textura macia → Viognier (Vale do Rhône ou Califórnia)

Chá mate + Casca de laranja cristalizada + mel + acidez moderada → Moscatel de Setúbal (Portugal)

Tintos

Fruta preta madura + taninos redondos + álcool alto → Malbec (Argentina)

Cereja preta + ameixa, morango + baunilha
→ Merlot com passagem por madeira (Chile)

Fruta preta madura (ameixa, amora) + toque vegetal + pimentão → Carménère (Chile)

Ameixa seca + couro + tanino macio → Tempranillo envelhecido (Rioja, Espanha)

Framboesa + morango + tanino leve → Pinot Noir (Borgonha ou Oregon)

Fruta negra + pimenta-preta + estrutura encorpada
→ Syrah/Shiraz (Austrália ou França)

Pimentão verde + fruta negra + taninos firmes → Cabernet Sauvignon (Chile ou Bordeaux)

Degustação às cegas

Conforme o tempo passa, o tinto muda de cor, ajudando a definir a idade do vinho

São apenas alguns exemplos. Como disse acima, a lista não tem fim. Esta é só uma amostra de como os apaixonados por vinho podem seguir pistas para identificar a uva sem ler o rótulo.

E a safra?

Quem não está habituado deve achar estranho o fato de alguém ao seu lado tombar levemente a taça sobre um fundo branco e logo em seguida falar: “Esteve vinho deve ter uns 10 anos pelo menos. A safra deve ser 2015.” Adivinhação? Não. Isso, aliás, é muito comum em uma degustação. Ao tombar um vinho tinto sobre um guardanapo branco, é possível observar se ocorre ou não o surgimento de um núcleo mais escuro com bordas mais claras. Quanto menos houver essa diferenciação, mais novo é o vinho. Quanto mais destacado o núcleo, mais idade ele tem. E se a isso se acrescentar uma cor mais atijolada, você está diante de um tinto de muitos anos. Já no caso dos brancos é mais simples: se ele estiver muito amarelado, com uma certa perda de transparência, trata-se de um branco envelhecido. Eu, particularmente, gosto muito.

Ainda existem muitos variáveis nessa trilha da degustação. É possível descobrir qual carvalho das barricas usadas para envelhecer o vinho. Tem a complexidade oferecida pela mistura das uvas, muito comum em Portugal. E sempre existe a dificuldade de identificar uvas pouco conhecidas. Há, enfim, um mundo, um vasto mundo a ser descoberto. E a vastidão desse mundo só não é maior do que o prazer por ele proporcionado…

André Andrès

Há mais de 10 anos escrevo sobre vinhos. Não sou crítico. Sou um repórter. Além do conteúdo da garrafa, me interessa sua história e as histórias existentes em torno dela. Tento trazer para quem me dá o prazer da sua leitura o prazer encontrado nas taças de brancos, tintos e rosés. E acredite: esse prazer é tão inesgotável quanto o tema tratado neste espaço.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.