Coluna Vitor Vogas
Troca-troca: por que até caciques partidários abandonam partidos?
Com o fim das coligações nas eleições para deputados, dirigentes de siglas nanicas não conseguem montar uma chapa e buscam a própria sobrevivência eleitoral

Plenário da Assembleia Legislativa. Foto: Ales
Publicamos nesta segunda-feira (21) a informação de que a deputada estadual Janete de Sá vai sair do seu partido, o PMN, para se filiar, muito provavelmente, ao PSB do governador Renato Casagrande. Tudo até certo ponto “normal”, não fosse por um “detalhe” que chama bastante a atenção: a deputada é simplesmente a presidente do PMN no Espírito Santo. Como muitos colegas de plenário, Janete vai mesmo trocar de partido por um motivo estritamente prático: se permanecer no PMN, mesmo controlando a legenda, ela praticamente não tem chances de se reeleger. Questão de pragmatismo.
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O caso da deputada é emblemático e simboliza um fenômeno maior, causado pelo fim das coligações partidárias nas eleições de deputados estaduais e federais: até dirigentes partidários estão abandonando o próprio partido, como capitães abandonando o navio, tamanha a dificuldade enfrentada em montar uma chapa completa e competitiva sem o reforço de nenhum outro partido.
A dificuldade resulta de uma mudança substancial (e positiva) na legislação eleitoral, aplicada neste ano pela primeira vez em uma eleição para deputados.
Entenda a mudança
Até a última eleição para deputados estaduais e federais, em 2018, os partidos políticos podiam formar coligações. Na prática, as duas ou mais siglas que formassem uma coligação funcionavam durante o período eleitoral como se fossem um só partido. E os candidatos das siglas coligadas se uniam em uma mesma chapa. A soma dos votos de todos perfazia a votação total da chapa.
Se essa votação total atingisse o quociente eleitoral, a chapa elegia um deputado (aquele, dentre todos os candidatos da chapa, que tivesse obtido a maior votação individual). E assim sucessivamente, de acordo com o sistema de distribuição proporcional das cadeiras em disputa. Na prática, um mesmo partido não precisava montar e concorrer, sozinho, com uma chapa completa.
No entanto, a reforma eleitoral aprovada pelo Congresso Nacional em 2017 proibiu as coligações nas disputas para vereadores nos municípios e para deputados (estaduais e federais) nos estados. A coligação continua valendo, mas somente nas disputas para cargos majoritários (prefeito, governador, senador e presidente da República), aquelas em que, basicamente, vence quem recebe mais votos.
Em 2018, numa espécie de período de carência, os partidos ainda puderam se coligar para disputar as eleições de deputados. Nas eleições municipais de 2020, isso já não pôde ocorrer na disputa para vereadores. Agora, pela primeira vez, cada partido precisa apresentar uma chapa inteira de candidatos a deputado federal (até 11 nomes no Espírito Santo) e a deputado estadual (até 31 nomes no ES), respeitando-se a cota de gênero de 30% na composição das chapas.
Muitos partidos, principalmente os chamados “nanicos”, enfrentam sérias dificuldades para conseguir fechar uma chapa por conta própria, o que coloca em risco a eleição dos respectivos caciques. Voltando ao exemplo de Janete de Sá, é o caso do PMN, um partido minúsculo em nível nacional e também muito pequeno no Espírito Santo – onde é, basicamente, o partido de Janete.
Mas, se o PMN é tão pequeno, como é que Janete conseguiu se eleger deputada estadual por essa sigla nas eleições passadas (2014 e 2018)? Resposta: com a ajuda das coligações. Conseguindo encaixar o PMN em uma boa coligação, a dirigente potencializava as próprias chances de eleição, sem precisar se preocupar em montar uma chapa forte do próprio PMN. Ela podia até não ser uma grande campeã de votos. Mas, com seus cerca de 20 mil sufrágios, em média, conseguia preencher uma das vagas alcançadas pela coligação.
Mas agora, sem poder se coligar, o PMN, para fazer um deputado estadual, terá que atingir sozinho o quociente eleitoral – estimado em cerca de 60 mil votos neste ano, segundo as contas de dirigentes partidários. Significa que Janete, para conseguir se reeleger, terá que somar seus presumíveis 20 mil votos a outros 40 mil, pelo menos, obtidos por outros candidatos a deputado na chapa do PMN.
Mas o PMN simplesmente não tem candidatos a deputado suficientes para isso. Mesmo que Janete aumente a própria votação, ela ainda assim corre o risco de ficar de fora, se a chapa do PMN não superar por si mesma o quociente eleitoral.
Por isso, permanecendo na própria sigla, a eleição da experiente deputada fica ameaçada. E por isso ela já está de malas prontas, como muitos outros dirigentes partidários que são candidatos a deputado.
A consequência é que, com essa nova regra, partidos muito pequenos e muito fracos tendem a ser riscados do mapa político-eleitoral do país.
Reforçando: o caso concreto de Janete de Sá foi tomado aqui como exemplo (real e para fins didáticos). Mas é só mais um entre muitos, como sintoma de um fenômeno maior.
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