Coluna Vitor Vogas
Entrevista: articulador político de Casagrande diz onde o próximo governo precisa mudar
Fazendo uma autocrítica em relação à atual gestão, secretário Davi Diniz opina que é preciso entender o recado das urnas e mudar de postura: “Precisamos melhorar o diálogo com empresários e evangélicos”

Davi Diniz é secretário-chefe da Casa Civil. Foto: assessoria da Casa Civil
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Não muito dado a dar entrevistas, o secretário-chefe da Casa Civil, Davi Diniz, é um cara discretão, mas sua influência nos bastidores políticos não é proporcional a seu destaque: ele pode ser considerado o principal articulador político do governo Casagrande.
Durante o processo eleitoral, compôs o núcleo estratégico da campanha do governador pela reeleição, concentrando-se na busca de apoios de prefeitos, vereadores e líderes políticos municipais. No dia a dia, é ele quem responde pessoalmente pelas negociações com os deputados na Assembleia – a eleição da próxima Mesa Diretora, por exemplo, já está passando diariamente pelo gabinete dele.
Nesta entrevista exclusiva, concedida à coluna na última terça-feira (29) no mesmo gabinete no Palácio da Fonte Grande, Diniz aponta mudanças que considera necessárias no próximo governo.
Fazendo um balanço crítico do processo eleitoral, o secretário pontua os principais recados transmitidos ao governo pelas urnas e as lições mais importantes que Casagrande, Ricardo Ferraço e companhia não poderão se dar ao luxo de ignorar no próximo mandato, com início em 1º de janeiro. Entre elas, a necessidade de mudança não de nomes, mas de postura, melhorando e intensificando o diálogo com alguns setores da sociedade capixaba, como empresários e evangélicos:
“Acho que temos que ficar atentos aos recados que as urnas nos trouxeram. Melhorar e ampliar o diálogo com os diversos grupos, sejam os liberais, sejam os evangélicos mais conservadores. Você tem ali, dentro da direita, uma série de grupos com quem a gente precisa de repente estar dialogando um pouco melhor”, opina Diniz.
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“A gente de repente tem que fazer uma reflexão se a gente não precisa mudar um pouco de postura, […] no sentido de estar mais próximo da Federação das Indústrias, mostrando para o grande empresariado, conservador na sua grande maioria, que, apesar de ser um governo de centro ou de centro-esquerda, as nossas pautas são condizentes com as deles. Também no sentido de a gente estar mais próximo do grupo evangélico.”
Diniz avalia que a atual administração fez muito para estimular o crescimento das indústrias e atendeu a pautas prioritárias para os segmentos evangélicos, mas que tais informações e “entregas” talvez não estejam “descendo” para as pessoas:
“[Precisamos] conseguir fazer as pessoas enxergarem e acreditarem que, mesmo não sendo um governo de relação direta com o bolsonarismo, nosso governo, sim, valoriza todas as religiões, e é um governo que busca a todo tempo valorizar e incentivar as indústrias, assim como o governo Bolsonaro pode ter proposto. Precisamos mostrar que não estamos deslocados, por termos uma ideologia de centro-esquerda, das ideias de desenvolvimento ou das ideias religiosas.”
Por outro lado, o secretário acredita que o próximo governo será o mesmo, no sentido de continuar buscando atender a todos, e não apenas a esse ou àquele grupo:
“Eu acho que o nosso governo vai se manter o mesmo: um governo com bons resultados, com muitas entregas à sociedade, fazendo as questões desenvolvimentistas e liberais, que é o que a direita espera, e fazendo o atendimento à população que precisa do Estado presente. O nosso governo é um governo que consegue enxergar para os dois lados. Nós não deixaremos de atender aos necessitados que precisam do apoio do Governo do Estado. Mas também manteremos o nosso atendimento aos empresários e àqueles que querem desenvolver o Espírito Santo.”
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Leia abaixo a entrevista completa do chefe da Casa Civil:
Quais foram, na sua avaliação, os principais recados das urnas e lições deixadas por essa campanha para o governo Casagrande?
Foi uma eleição muito nacionalizada. Entramos numa polarização de direita e esquerda que as pessoas muitas vezes não entendem. As pessoas acabam fazendo essa briga ideológica sem saber do que realmente estão falando. Temos um governo bem avaliado, um governo com muitas entregas, mas isso não foi suficiente para que tivéssemos uma eleição um pouco mais tranquila, com número de votos mais alargado. É um governo que fez bastante entrega, em torno de R$ 6 bilhões em investimentos nos últimos quatro anos. Mas essa entrega para a sociedade não significou um retorno no processo eleitoral. Antigamente, tinha-se uma expectativa de que aquele governante que fizesse muitas entregas para a sociedade e que fizesse principalmente muitas obras, as pessoas iriam retribuir ou iriam entender que aquela pessoa seria a melhor para estar à frente do Executivo. Essa eleição foi um pouco diferente porque entrou uma questão ideológica muito forte. Apesar de o PSB ser um partido de centro-esquerda, as características do nosso governo são muitas vezes de direita, são características liberais. Quando a gente fala de Fundo Soberano, quando a gente fala de privatizações, são pautas muito mais ligadas à direita que à esquerda, mas que a gente entende que é o melhor para o Estado. Acho que temos que ficar atentos aos recados que as urnas nos trouxeram. Melhorar e ampliar o diálogo com os diversos grupos, sejam os liberais, sejam os evangélicos mais conservadores. Você tem ali, dentro da direita, uma série de grupos com quem a gente precisa de repente estar dialogando um pouco melhor.
O senhor acredita que essas “muitas entregas” talvez não tenham sido devidamente comunicadas e não tenham chegado à população, justificando esse não reconhecimento?
Não. A gente entrou numa polarização de debate nacional na campanha que as pessoas não procuraram saber quais eram as entregas, o que tinha melhorado… O importante era votar tudo num número, de cima embaixo… A polarização ideológica se sobrepôs a qualquer outra lógica. As pessoas não queriam debater realizações, capacidade de gestão, entregas. Era muito mais uma questão ideológica de quem está com o presidente A e quem está com o presidente B do que qualquer outra avaliação. O pleito ficou dividido na questão nacional, quem é Lula e quem é Bolsonaro, ponto, independentemente da forma que o governo trabalhasse.
O senhor disse considerar o PSB um partido de centro-esquerda, e de fato não cabe muita discussão aqui. Mas e quanto ao governo Casagrande? Como o senhor define o atual governo ideologicamente?
Acho que a gente faz um governo com bases sólidas que representam a esquerda nas questões de políticas públicas e sociais, mas também com a boa parte da direita, da gestão fiscal eficiente, do equilíbrio de contas, das privatizações, do Fundo Soberano. Então acho que hoje temos um governo de centro, que consegue fazer uma gestão eficiente, mas que não acabe ali na gestão eficiente, que você consiga também fazer a política pública para quem precisa e quem realmente quer. Então a gente consegue dar, principalmente à iniciativa privada, a liberdade que ela precisa e gostaria que o governo desse, mas o governo está sempre presente para atuar e atender àqueles que precisam e têm necessidade do apoio do governo.
O senhor cita algumas políticas do governo mais associadas à direita. O próprio governador não poderia ter tentado mostrar, de uma maneira mais enfática, “olha aqui, também tem direita no meu governo, o meu governo também é de direita”?
Acho que até se tentou fazer isso, mas temos que respeitar a estratégia estabelecida pelo grupo de marketing da campanha, que entendeu que aquele formato era o melhor para aquele momento. Hoje, passada a eleição, pode ser que a gente entenda um pouquinho diferente. Mas, naquele momento, sem saber o resultado das urnas, entendia-se e tinha-se pesquisa tanto quantitativa quanto qualitativa que apontava para um cenário de que não era necessário fazer qualquer tipo de mudança no que foi proposto pela equipe.
No entanto, no 2º turno da campanha, ficou evidente uma mudança de estratégia de modo a dar um espaço maior para atores mais identificados com a direita, como o próprio Ricardo Ferraço…
Sim. Num segundo momento, a gente entendeu que era importante a gente melhorar essa comunicação, essa interlocução, principalmente com setores da economia e do desenvolvimento, e aí o Ricardo assume esse papel de fazer esse diálogo. Então, no 2º turno, a coordenação, junto com a equipe de marketing, adota uma postura diferente, que foi vitoriosa. Foi isso.
Projetando o próximo governo, quais são as mudanças de visão e de comportamento que o senhor entende necessárias justamente a partir desses problemas identificados no decorrer da campanha?
Eu acho que o governador, junto com o Ricardo Ferraço, deve estar buscando entender o processo eleitoral, para ver quais as melhores mudanças que têm que ser feitas. Quando falo de mudança aqui, não estou falando de A, B, de secretarias nem nada disso. A gente de repente tem que fazer uma reflexão se a gente não precisa mudar um pouco de postura.
Como assim?
Postura no sentido de estar mais próximo da Federação das Indústrias [Findes], mostrando para o grande empresariado, conservador na sua grande maioria – pelo menos assim as pesquisas mostram –, que, apesar de ser um governo de centro ou de centro-esquerda, as nossas pautas são condizentes com as deles. Também no sentido de a gente estar mais próximo do grupo evangélico. Foi um governo que fez a Lei de Essencialidade das Igrejas, a pedido dos evangélicos. É um governo que sancionou uma Lei de Liberdade Religiosa, a pedido dos evangélicos. As igrejas em momento algum foram fechadas, pelo contrário. Então, é um governo que teve entrega, que produziu, mas que de repente faltou estar mais próximo. Se a gente não tentar expandir a comunicação para atingir mais membros dos grupos A, B ou C, a gente acaba falando com poucas pessoas e, na hora de um debate mais plural como no processo eleitoral, essas pessoas não têm essa informação.
A campanha evidenciou um muro entre esses segmentos e o governo?
Acho que a palavra não é muro. Com os dois segmentos que dei como exemplo, sempre tivemos uma interlocução muito boa, tanto com a presidente da Findes [Cris Samorini] quanto com as associações de pastores, as lideranças religiosas das igrejas. Mas pode ser que não tenha sido suficiente para atingir todos os empresários ou todos os membros das igrejas. De repente não foi suficiente para descer.
Esses dois segmentos que o senhor destaca, empresários e evangélicos, são predominantemente de direita e votaram em peso em Bolsonaro, inclusive no Espírito Santo. Dentro dessa mudança de postura que o senhor considera necessária no próximo governo, acredita que será preciso abrir espaço para uma participação maior de representantes de setores da direita, inclusive na formação da equipe de governo?
Não. Acho que o governo já contempla boa parte da direita, com o Progressistas e com outros partidos. Não sei se esse é o problema. Acho que o problema é a gente conseguir fazer a informação descer. É a gente conseguir fazer as pessoas enxergarem e acreditarem que, mesmo não sendo um governo de relação direta com o bolsonarismo, nosso governo, sim, valoriza todas as religiões, e é um governo que busca a todo tempo valorizar e incentivar as indústrias, assim como o governo Bolsonaro pode ter proposto. Precisamos mostrar que não estamos deslocados, por termos uma ideologia de centro-esquerda, das ideias de desenvolvimento ou das ideias religiosas.
O senhor disse que o atual governo é de centro. O próximo, a seu ver, fará uma inflexão um pouco maior para a centro-direita e, insistindo neste ponto, abrirá um espaço maior para abrigar forças de direita e centro-direita nos primeiros escalões?
Eu acho que o nosso governo vai se manter o mesmo: um governo com bons resultados, com muitas entregas à sociedade, fazendo as questões desenvolvimentistas e liberais, que é o que a direita espera, e fazendo o atendimento à população que precisa do Estado presente. O nosso governo é um governo que consegue enxergar para os dois lados. Nós não deixaremos de atender aos necessitados que precisam do apoio do Governo do Estado. Mas também manteremos o nosso atendimento aos empresários e àqueles que querem desenvolver o Espírito Santo, gerando melhoria, gerando riqueza, trabalho e renda. Não sei se necessariamente ocupando espaços no governo. Não sei se precisa estar no governo para enxergar isso. Cabe ao governador montar a equipe que ele entende que é a melhor. Mas, em termos de atitude, acho que está posta: é a gente conversar, melhorar, ampliar e intensificar o diálogo.
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