Coluna Vitor Vogas
Análise: o que permitiu a Casagrande derrotar o bolsonarismo no ES?
Líder do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e político de centro-esquerda, governador conseguiu vencer o representante do bolsonarismo em um colégio eleitoral bolsonarista. Coluna analisa esse “case” eleitoral e as estratégias que tornaram isso possível
Foi a vitória mais importante e, de longe, a mais difícil da história política de Renato Casagrande (PSB), incluindo suas duas eleições anteriores para governador, em 2010 e 2018. Reeleito em 2º turno contra Manato neste domingo (30), por vontade da maior parte dos eleitores capixabas, o socialista protagonizou uma façanha política: derrotar o adversário bolsonarista em um estado que é formado, majoritariamente, por eleitores de Jair Bolsonaro – como ficou mais uma vez comprovado no resultado da eleição para presidente neste domingo entre os capixabas.
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Em outras palavras, Casagrande, um governante de centro-esquerda, venceu o representante do bolsonarismo em um colégio eleitoral bolsonarista. O que ele acaba de fazer é algo muito, muito raro – como provam os resultados das eleições em 1º e 2º turno nos outros estados do país.
O feito ganha ainda mais relevo porque, além de ter se provado um oponente duríssimo, Manato foi não somente o maior expoente do bolsonarismo no Espírito Santo nos últimos quatro anos; não apenas o candidato a governador mais visceralmente ligado ao atual presidente neste pleito estadual; foi também o candidato do partido de Bolsonaro (o PL), o “governador do Bolsonaro” – como repetido à exaustão em seu slogan de campanha – e, em um acirradíssimo 2º turno, apostou tudo no atrelamento da sua campanha à imagem do candidato à Presidência, de um modo que nenhum candidato a governador havia feito neste século no Espírito Santo.
Para cumprir essa estratégia, além dos mínimos detalhes visuais (o verde e amarelo e a foto de Bolsonaro ao seu lado em todas as peças de propaganda), a campanha de Manato usou declarações de apoio do próprio presidente, da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e do deputado federal Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do Jair: “Quem vota em Bolsonaro vota em Manato”, disse esse último, no horário eleitoral. E fez de tudo para convencer o eleitor capixaba a digitar o mesmo número na urna, aliás, a mesma tecla: 22 para governador e também para presidente.
Foi a campanha mais “casada” de que se tem notícia no Espírito Santo (pelo menos que eu já tenha visto). E fazia sentido? Fazia! Basta ver, repito, os números alcançados por Bolsonaro entre os eleitores do Estado. Tal como em 2018, o capitão reformado do Exército teria sido eleito no 1º turno pelos capixabas, desta vez com 52% dos votos válidos. Neste domingo, em nosso colégio eleitoral, obteve cerca de 58% dos votos válidos contra cerca de 42% de Lula (PT).
No total, Bolsonaro obteve perto de 1,3 milhão de votos no Espírito Santo. Se todos esses votos confiados ao presidente tivessem sido depositados em Manato para governador, o ex-deputado estaria eleito. Casagrande e seus estrategistas sabiam perfeitamente disso.
Com essa certeza em mente, sabiam que, para vencer o pleito, não poderiam depender tão somente dos votos dos eleitores de centro e de esquerda (como o próprio Casagrande), muito menos tão somente dos eleitores de Lula (de novo: como o próprio Casagrande). Urgia ampliar o palanque, o leque de apoios e o espectro ideológico da coalização liderada pelo governador.
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Ele precisava ganhar votos, e não poucos votos, de eleitores bolsonaristas. Como registrei aqui uma vez, era preciso “quebrar o átomo”, que Manato queria indivisível, para persuadir o eleitor capixaba a separar o voto em Bolsonaro do voto para governador.
E agora, como provam os números e o resultado da eleição, podemos afirmar que sua estratégia foi bem-sucedida. No ES, enquanto Bolsonaro teve perto de 1,3 milhão de votos, Manato teve pouco mais de 1 milhão. Casagrande, pouco menos de 1,2 milhão.
O que o governador fez para isso?
A campanha de Casagrande no 2º turno, desde o primeiro momento, sofreu mudanças cruciais, que se provaram determinantes para a vitória.
Em primeiro lugar, o QG do Palácio Anchieta tomou a medida mais óbvia: “tirou do vestiário” Ricardo Ferraço (PSDB), uma arma subaproveitada, praticamente “escondida” até então. Mantido longe do horário eleitoral durante todo o 1º turno, Ricardo ganhou protagonismo na propaganda do 2º turno, em atividades eleitorais de Casagrande e, principalmente, na interlocução com os empresários.
Bolsonarista, conservador, com bom trânsito no interior (é ex-secretário estadual de Agricultura) e também ele um empresário, Ricardo ajudou muito a quebrar eventual resistência a Casagrande por parte de setores da classe produtiva e de eleitores mais conservadores… segmentos bolsonaristas.
Em contrapartida, alguns aliados mais diretamente associados à esquerda foram tirados de cena estrategicamente ou perderam espaço, caso do secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes (PCdoB) – convidado pelo governador a tirar férias e mergulhar durante o 2º turno – e também do secretário estadual de Educação, Vitor de Angelo. Este foi o coordenador da campanha de Casagrande no 1º turno, mas precisou dividir esse espaço com outros estrategistas políticos mais calejados no 2º.
Na verdade, porém, quem Casagrande mais lutou para “esconder” no 2º turno foi o ex-presidente Lula, mantido bem distante não só de sua propaganda, mas do próprio território capixaba. A presença de Lula na campanha do governador teria colocado a perder toda a estratégia traçada acima.
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Dirigentes do PT me confirmaram que tinham total consciência disso, concordaram com a estratégia de Casagrande e trataram de nem esboçar trazer Lula para o Espírito Santo, de modo a não criar qualquer embaraço para o aliado socialista. Enquanto isso, os dirigentes e as bases petistas não deixaram de se engajar na campanha do governador, pedindo votos para ele e para Lula nas ruas.
À frente de um palanque multifacetado, que agrega gregos e troianos, de petistas a partidos que apoiam Boslonaro (como o PP), Casagrande aceitou de muito bom grado as manifestações, encorajadas veladamente, de vários aliados que declararam o voto Casanaro (Casagrande + Bolsonaro). Recebia-os com uma mão, enquanto com a outra tratava de colher o voto Casula (Casagrande + Lula).
Em seu horário eleitoral, de uma maneira completamente insólita, o espectador podia ver um desfile de apoiadores que você jamais imaginaria encontrar em um mesmo palanque. Para dar só dois exemplos reais, o mesmo programa exibiu um depoimento do senador bolsonarista Marcos do Val (Podemos) e da vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol). O da véspera havia exibido declarações do coronel bolsonarista Alexandre Ramalho (Podemos) e da vereadora de Vitória Karla Coser (PT).
Da direita à esquerda, a campanha “não teve o menor preconceito”, a fim de derrotar Manato.
Por fim, o governador tratou de reiterar ao longo de toda a campanha um mantra que, agora reeleito, ele precisará provar na prática: a sua “capacidade de dialogar com todos, incluindo quem pensa diferentemente dele”, e de “governar com qualquer presidente, seja ele de direita ou de esquerda”.
Politicamente, a sua estratégia deu certo. Provou-se a mais acertada. Aliás, virou um case nacional.
Administrativamente, a sociedade capixaba espera que ele cumpra o prometido, para o bem da nossa população e para o nosso desenvolvimento como estado.
A coluna parabeniza o governador reeleito, desejando-lhe sucesso no próximo mandato.
Estaremos aqui, vigilantes.
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