Coluna Vitor Vogas
Alerta: perda de recursos de Vitória pode ser ainda maior que o esperado
Não se tem dado a devida atenção nem a devida dimensão à questão, mas ela é mais preocupante do que parece. Entenda aqui por que, nos próximos anos, a arrecadação da capital do ES pode sofrer um duro baque, para o qual é preciso se preparar. Winter is coming
O alerta foi feito aqui no último dia 13: o município de Vitória receberá, em 2025, do Governo do Estado, um repasse de ICMS bem menor do que o recebido no ano passado. Pelos cálculos da coluna, a queda de um ano para o outro ultrapassa R$ 100 milhões. Estamos falando de mais de R$ 100 milhões a menos no caixa municipal, de um ano para o outro. Isso por conta da redução do IPM de Vitória.
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O Índice de Participação dos Municípios (IPM) é calculado anualmente pela Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz). É com base nele que o Governo do Estado determina o tamanho da quota-parte do ICMS que será destinada a cada um dos 78 municípios, na partilha daquele pedaço repassado às cidades capixabas (25% da arrecadação total de ICMS).
Em 2024, no rateio do ICMS, o Governo do Estado repassou um total de R$ 5,2 bilhões aos municípios. Com um IPM de 13,8%, Vitória recebeu cerca de R$ 723 milhões. Já em 2025, o IPM de Vitória caiu abruptamente para 10,8%. Já em 2025, a Sefaz estima que o Estado repassará um total de R$ 5,5 bilhões aos municípios. Se a projeção estiver correta, Vitória receberá, no máximo, R$ 606 milhões este ano, na partilha do ICMS. É um quadro que certamente merece atenção dos munícipes e dos gestores públicos.
Mas, se o quadro imediato já inspira atenção e cuidado, a situação no curto prazo é ainda mais preocupante. Nos próximos anos, a queda do repasse para Vitória pode ser ainda maior. Isso porque o IPM da capital tende a cair ainda mais, ficando, pela primeira vez na história, abaixo de 10%.
Quem faz o alerta é o economista e ex-secretário da Fazenda de Vitória, Alberto Borges, hoje editor dos anuários Finanças dos Municípios Capixabas e Multi Cidades – Finanças dos Municípios do Brasil.
“No ano que vem, muito provavelmente o IPM de Vitória vai ficar abaixo de 10%. Vitória vai romper a barreira dos dois dígitos pela primeira vez na história.”
Para compreendermos essa curva decrescente, é preciso abrirmos um parêntese para explicar, sucintamente, como é calculado o IPM de cada município.
Para se chegar ao índice, a Sefaz leva em conta uma combinação de fatores, como a população de cada cidade, sua área territorial, sua receita própria e, desde 2024, o Índice de Qualidade Educacional (IQE), indicador da qualidade dos anos iniciais do ensino fundamental da rede municipal.
Mas o fator mais importante da equação é o chamado VAF, sigla de Valor Agregado Fiscal. Simplificadamente, o VAF é o valor econômico resultante das atividades de todas as empresas instaladas em um município. O índice é calculado a partir das mercadorias que saem e dos serviços prestados no município, subtraindo-se o valor das mercadorias que entram.
Estamos tratando então, basicamente, da atividade econômica local. Dizendo-o do modo mais simples, quanto mais intensa for a atividade das empresas que operam em determinado município, maior será seu VAF; por conseguinte, maior será seu IPM e sua participação na partilha do ICMS pelo Governo do Estado.
Se a atividade econômica de determinada cidade cresce acima da média das demais, é natural que seu IPM cresça, ficando ela com um percentual maior na divisão do bolo; se sua atividade econômica cai, é natural que seu IPM fique menor, e assim também a sua fatia do bolo.
O VAF sempre é calculado em determinado ano para o ano seguinte, levando-se em conta uma média dos dois anos anteriores. Assim, por exemplo, o VAF de Vitória que determinou seu IPM de 13,8% em 2024 foi calculado pela Sefaz em 2023, levando-se em conta a atividade das empresas na cidade em 2021 e 2022.
Já o VAF de Vitória que determina seu IPM de apenas 10,8% em 2025 foi calculado pela Sefaz no ano passado, considerando-se a atividade econômica na cidade em 2022 e 2023. É assim que funciona.
Podemos dizer que o IPM tem sempre um delay de dois anos. Então, o IPM aplicado em 2025 tem por ano-base 2023.
Por que o cenário para os próximos anos preocupa?
É aí que está a explicação que leva Alberto Borges a projetar um IPM ainda menor para Vitória em 2026, possivelmente abaixo de 10%.
O VAF de Vitória, principal item do cálculo do IPM, vem caindo ano após ano:
2021: R$ 36,65 bilhões
2022: R$ 31,53 bilhões
2023: R$ 27,71 bilhões
Para chegar a um IPM de 10,8% para Vitória em 2025, a Sefaz considerou o VAF de R$ 31,5 bilhões em 2022 e o de R$ 27,7 bilhões em 2023.
Já para calcular, neste ano, o IPM de Vitória em 2026, a Sefaz vai levar em conta o VAF de R$ 27,7 bilhões de 2023 e o VAF de 2024. Este ainda não foi calculado, mas este é o xis da questão: para Vitória conseguir ao menos repetir o IPM de 10,8%, seu VAF de 2024 teria de vir muito melhor que o de 2023. Não há, segundo Alberto Borges, a menor expectativa de que isso aconteça.
A explicação para isso está no mesmo fator que explica a queda gradual do VAF (logo, do IPM) de Vitória nos últimos anos: o desaquecimento do mercado do minério de ferro.
Como se sabe, uma das maiores empresas instaladas no município de Vitória é a Vale. Logicamente, a gigante do setor de mineração responde por um percentual muito importante na composição do VAF da capital do Espírito Santo. Só que, em 2023, o ano não foi dos melhores para o segmento de minério de ferro. Tampouco 2024. Por pura lógica, o impacto no VAF da capital é inevitável.
“Para Vitória pelo menos repetir no ano que vem o IPM de 10,8%, teria que pular de um VAF de R$ 27 bilhões em 2023 para um VAF próximo a R$ 40 bilhões em 2024. Isso não vai acontecer”, antecipa Borges.
O economista projetou quatro cenários. Em todos, o IPM de Vitória cai ainda mais nos próximos anos.
“O ano de 2023 não foi um ano muito bom para o minério de ferro. O cenário também não foi positivo para o setor de mineração em 2024 e não é promissor para 2025. Os preços não foram bons em 2024, e este ano também não vão ser. Então a perda é muito significativa. Fiz quatro cenários, projetando o conjunto do VAF de Vitória e o conjunto do VAF do Espírito Santo. Todos os cenários apontam que Vitória vai ficar com IPM abaixo de 10% para os próximos anos, a menos que haja uma reviravolta nesse negócio da Vale, que não é o que está posto agora. Para os próximos anos, a projeção para o IPM de Vitória é de algo entre 7% e 8%”, explica Borges.
O economista ainda destaca que a tendência de queda de Vitória, nos últimos anos, está seguindo na contramão de uma tendência de crescimento dos demais municípios capixabas: de 2024 (ano-base 2022) para 2025 (ano-base 2023), o VAF de Vitória caiu 12%, enquanto o do conjunto das cidades capixabas cresceu 11%.
O maior IPM do Espírito Santo é o do município da Serra, que ultrapassou Vitória há poucos anos e não deixou mais a liderança. A Capital ainda detém o segundo lugar. O terceiro é de Cariacica. Mas Borges projeta: “Não me surpreenderá se, nos próximos anos, o VAF de Cariacica superar o de Vitória”.
Agravante: os efeitos da reforma tributária
O quadro imediato de queda de ICMS para Vitória preocupa, mas esse nem é o maior problema. Mais preocupante ainda são os efeitos deletérios que isso pode gerar para o caixa da cidade no longo prazo. Sem exagero, se Vitória acumular um ICMS ruim até 2026, isso poderá prejudicar a arrecadação da cidade pelas cinco décadas seguintes, até 2077.
Isso por conta da reforma tributária sancionada pelo governo Lula, ou melhor, de algumas regras estabelecidas pela reforma.
Como se sabe, um dos pontos fundamentais da reforma é a simplificação do sistema tributário brasileiro, com a unificação de impostos cobrados sobre o consumo nos três níveis federativos. Nos níveis estadual e municipal, o ICMS (imposto estadual) e o ISS (recolhido pelos municípios), após um período de transição de 2029 a 2032, serão unificados em um tributo: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
A partir de 2033, o IBS será recolhido e dividido pelos estados e municípios brasileiros.
Ora, e como será calculada a fatia do IBS a que cada município terá direito? Aí é que está.
Nos termos da reforma sancionada, a fatia do IBS que irá para cada município a partir de 2033 será definida em 2027, pelo Comitê Gestor do IBS, com base no cálculo de um coeficiente que levará em conta a média do ISS recolhido e do ICMS recebido por cada município no período de 2019 a 2026.
Desse modo, as cidades que tiverem baixa quota de participação na partilha do ICMS durante esse intervalo serão, de certa forma, penalizadas pelas décadas seguintes.
Daí decorre a preocupação maior, pois esse intervalo vital, de 2019 a 2026, coincide com um período em que a quota-parte de Vitória na distribuição do ICMS tem caído muito.
Aviso: “Cidade precisa se preparar”
Alberto Borges evita discurso fatalista. Segundo ele, a capital do Espírito Santo não tem, necessariamente, uma “crise contratada”. Mas precisa se preparar para o baque nas suas receitas e tomar medidas para amortizar esse impacto provável, praticamente certo, nos cofres municipais.
“Não é uma crise contratada. Mas Vitória tem de se preparar para esse cenário. Em 2015, com o fim do Fundap, a gestão de Luciano Rezende sofreu uma crise pesada de arrecadação. Agora isso reapareceu, aparentemente, com uma força bem expressiva. De alguma forma, a cidade tem de se preparar para esse cenário de queda no seu IPM.”
“As boas práticas fiscais dizem que é melhor você se preparar para o que vem de pior. Ou seja, é melhor se preparar para um índice bem ruim nos próximos anos, porque, se ele não vier, você está no lucro. A cidade tem um tempo para se preparar para isso. É um novo momento que vai requerer um ajuste relativamente forte.”
O economista assinala que, nos anos de pandemia do novo coronavírus (2020-2023), os municípios brasileiros (e podemos acrescentar: os estados) plainaram em céu de brigadeiro. Em uma ponta, o Governo Federal repassou muitos recursos, o que turbinou as receitas. Na outra, os gastos correntes caíram vertiginosamente, o que permitiu às prefeituras fazer poupança.
Isso não só por conta da trava imposta pelo Ministério da Economia, sob Paulo Guedes, para ajudar os entes subnacionais (proibindo-os, por exemplo, de dar aumento ao funcionalismo público), mas por conta da própria pandemia. Com grande parte da população em isolamento social, servidores em home-office, escolas e outros equipamentos públicos fechados, demanda drasticamente menor por serviços públicos, atividades culturais e festivas suspensas, os gastos com custeio despencaram.
“O período da pandemia foi um período muito suave, muito positivo para os municípios em geral, o que permitiu aos governos municipais fazer caixa. Esse foi o fator determinante para a alta taxa de reeleição que tivemos no Brasil nas eleições de 2024. Isso pesou muito mais que eventual posicionamento conservador ou algo do tipo. Foi dinheiro. As prefeituras tinham dinheiro em caixa, um caixa robusto. Agora, o cenário é outro. Vitória precisa se preparar”, reforça o editor da Finanças dos Municípios Capixabas.
Para um município com área pequena como Vitória, ampliar o parque industrial não é uma opção. É preciso encontrar saídas para diversificar suas fontes de receita e melhorar a qualidade do gasto público, completa Borges.
Ao tomar posse no dia 1º de janeiro, o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) anunciou medidas de contenção de gastos. Talvez seja um começo.
Questão suprapartidária
Alberto Borges foi secretário municipal da Fazenda de Vitória durante o primeiro governo de Luciano Rezende (Cidadania), de 2013 a 2016, e teve de lidar pessoalmente com as consequências financeiras do fim do Fundap. Luciano é aliado do governador Renato Casagrande (PSB) e pertence a um grupo político diferente do prefeito Lorenzo Pazolini.
O economista ressalva, porém: “Não é uma questão político-partidária. Diz respeito à cidade. Vitória precisa se preparar”.
Winter is coming
Nosso objetivo aqui não é praticar alarmismo, mas propor um debate que se mostra necessário e urgente. Aparentemente, as pessoas não estão se dando conta, ou prestando a devida atenção, a uma realidade que se impõe, pois afeta a arrecadação de Vitória e, portanto, a municipalidade.
A queda do ICMS de Vitória é real. A questão é muito séria. Lançar luz sobre ela nos parece fundamental.
Winter is coming.
Or might be coming…
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