Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | A reação às mudanças
Na dança entre progresso e resistência, a reação às mudanças ainda escreve os capítulos mais turbulentos da nossa história
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A reação às mudanças, ontem como hoje, é sempre um espelho das contradições humanas. Foto: Reprodução
O início do século XX foi um período de muitas transições sociais em todas as sociedades ocidentais. Relatos sobre essas mudanças estão presentes no excelente livro de crônicas de João do Rio A Alma Encantadora das Ruas, que reúne seus textos publicados imprensa carioca no início do século XX. Ele que foi o cronista por excelência do Rio de Janeiro da Belle Epoque. Fica claro, na leitura, o impacto das transformações pelas quais o mundo ocidental passava. Não deve ter sido essa a intenção mais forte do autor, provavelmente foi fazer denúncias do desprezo das elites da época pela população pobre, e sem direito a cidadania. Também trata da força dessas pessoas que viviam longe das elites, abandonadas. As crônicas são de uma elegância que fazem sua leitura muito agradável, apesar do conteúdo forte.
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Entretanto, quando buscamos uma compreensão mais sociológica do que escreveu João do Rio, observamos o impacto enorme que trouxeram as mudanças das novas invenções no cotidiano das pessoas comuns. São a energia elétrica, o telegrafo, as locomotivas a vapor, o automóvel, o cinema e tantas outras. Ele aborda personagens de um mundo que ia morrendo como os veículos de tração animal e seus condutores, por exemplo.
Deixando o Rio de Janeiro, e indo para o cenário europeu, podemos imaginar uma Paris com metrôs e os primeiros aviões experimentais, dos balões dirigíveis e dos aviões de Santos Dumont. O cotidiano das maiores cidades mudou enormemente e, tempos depois, veio o rádio que modernizou a comunicação e criou aquela música que chegava às multidões, como o samba de Noel Rosa no Brasil.
Penso nisso para fazer um paralelo entre as modernidades do começo do século XX e as brutal reação que representou o nazismo nesse mundo em transformação. Não sei exatamente o peso do confronto entre modernização e atraso na construção dos enfrentamentos políticos nas diferentes sociedades europeias. Muitas viveram o crescimento e a ascensão da extrema direita: Alemanha, Itália, Espanha ou Portugal. Enfim, o fato concreto é que essas diferenças de comportamentos e expectativas dentro das nações acabou levando a Segunda Guerra Mundial, conflito que matou milhões de pessoas, em praticamente todos os continentes. Não ouso afirmar que essas foram as principais razões da guerra, mas ela não existiria sem o ingrediente beligerante que já estava colocado.
Hoje as mudanças são outras, mas temos que reconhecer que a complexidade das inovações trouxe também transformação nos nossos cotidianos. Para ficarmos em um exemplo forte, pensemos no movimento identitário, que já tem longa jornada em muitas e diferentes sociedades. Nos Estados Unidos, começou com as lutas do fim dos anos 1960 como o movimento negro ou a libertação das mulheres à submissão ao mundo masculino, dentre outros. Produziu heróis como Martin Luther King e foi muito absorvido pela ala mais à esquerda do Partido Democrata, e atualizou muito sua pauta de lutas. A gestão Obama, por razões raciais óbvias acirrou os conflitos. A reação republicana deu-se com a eleição de Donald Trump em 2016.
O presidente Trump conduziu, em seu primeiro mandato, forte reação às essas políticas identitárias, mas também agregou a isso forte desilusão com o sonho dos cidadãos estadunidenses, vindo do pós-guerra, como a nação mais potente do mundo. Ela era capaz de distribuir bem-estar a maioria de seus habitantes. A reação brutal organizada pelo novo presidente articula pelo menos essas duas instâncias. É muito enraizada no imaginário daquele povo.
Todo processo de mudanças produz desconforto a quem estava bem instalado antes dele, como é o caso das nos Estados Unidos das elites ricas e brancas, sobretudo os homens e os de espírito mais conservador. É um sentimento até natural, mas que tende a se transformar em lutas internas importantes. Há um século, foram anos entre o nascimento da reação ao novo, o embate da Primeira Grande Guerra Mundial e a ascensão do nazismo e do fascismo. No mundo atual tudo é muito mais rápido, a dimensão digital também acentuará a velocidade os problemas advindos do surgimento de um movimento estruturado na reação às mudanças, hoje já instaladas também no terreno da economia como estamos vendo nas super taxações do governo Trump.
Explodirão grandes conflitos entre nações do mundo, seus nacionalismos recém trazidos à tona, seus espíritos de reação às mudanças de comportamento e de valores morais, tendem a ser estopins poderosos a desentendimentos que podem se espalhar por muitos países, a começar pelo mundo árabe. Muito vai acontecer ainda este ano.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
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