Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | A democracia brasileira
Escrevi recentemente, neste mesmo espaço, artigo sobre a compreensão que teve Alexis de Tocqueville a respeito da construção política estadunidense quando escreveu Da Democracia na América, publicado pela primeira vez na França, em 1836. Seu grande achado ao analisar o regime social que nascia no mundo contemporâneo foi a interligação entre os elementos que compõem a estrutura de uma sociedade. Assim, para que haja uma sociedade mais justa e equilibrada, patamares democráticos devem estar presentes no conjunto das instituições sociais.
Quando pensamos na construção da sociedade brasileira, nas várias etapas do seu processo histórico, devemos considerar que tipo de instituições imaginárias deram sustentação a esse mesmo processo. Para começar, o mundo colonial português se organizava como o mundo pré-revolucionário francês. Havia, porém, uma mistura ainda mais danosa, devido à existência da escravidão, tanto dos africanos quanto dos nossos povos originários, estes últimos protagonistas do trabalho cativo nos primeiros séculos de colonização. Esse arcaísmo organizou as práticas da nossa vida social. Nesse mundo, o conceito de aristocracia tomava as instituições sociais, nas quais tudo se orientava para garantir privilégios. Não havia a noção ampla de cidadão e de cidadania.
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Nossa independência se fez com a manutenção das estruturas estabelecidas no Brasil Colônia, como a escravidão, o latifúndio, o ethos aristocrático, que foram as bases mais densas da nova nação. Algumas alterações foram feitas no início do século XIX, como a criação de partidos políticos, governos e parlamentos provinciais e parlamento nacional. Contudo, como as estruturas sociais pouco mudaram, o regime permaneceu fincado no arcaísmo, na sociedade desigual e na aristocracia monárquica. Atravessamos o século XIX presos a modelos que o mundo ocidental vinha sepultando, como é o caso notório dos Estados Unidos, tratado por Tocqueville.
Mesmo a passagem para a República pouco mudou as bases autoritárias brasileiras: permaneceram o racismo estrutural, a pouca educação popular, o regime agrário e a justiça marcada pelo viés elitista. A primeira República manteve quase intocadas as bases imaginárias da sociedade.
Somente o fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota aparente dos ideais mais autoritários encarnados pelo nazismo e pelo fascismo, fez nascer entre nós um desejo democrático mais claro. Esse princípio de democracia construiu um regime que foi logo sufocado pelos setores mais autoritários, encarnados pelos militares, em 1964. Dessa longa noite autoritária iríamos acordar apenas nos anos 1980.
A constituição de 1988 representa, sobretudo, o marco da criação de mecanismos para garantir uma sociedade mais democrática no Brasil. Foi fundamental a criação de dispositivos de sustentação dessa nova arquitetura institucional capaz de dar vida à construção permanente de novas instituições imaginárias sociais. É nesse contexto que eu entendo a criação de instâncias como, por exemplo, o Ministério Público, com a função de garantir a permanência desses novos tempos, intervindo em vários aspectos da ordem jurídica do regime democrático.
Quero salientar, de modo especial, a questão da construção de novos patamares, no caso brasileiro, de sustentação da democracia, dos direitos individuais, da ordem jurídica. Não é pouco se levarmos em conta a trajetória da nossa sociedade brasileira e percebermos como o autoritarismo, o elitismo e a centralização de poder se constituem no alicerce imaginário de tudo o que vivemos até hoje.
Tratava-se, em 1988, de criar novos mecanismos democráticos por princípio e ao mesmo tempo capazes de sustentar a vida social mais livre e igualitária a longo prazo. As instituições como o Ministério Público fazem parte, portanto, de um sistema que funciona como suporte a um país que precisa encontrar seu caminho para incluir as massas nas decisões, como outras sociedades já conseguiram.
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