Coluna Vitor Vogas
Candidatura Contarato por um fio: uma certeza e 3 perguntas sobre o PT no ES
138 delegados do PT se reúnem na tarde deste sábado, no Encontro Estadual de Tática Eleitoral, para reafirmar resolução que na certa será “melada” pela direção nacional do partido

Renato Casagrande, Márcio França e Fabiano Contarato
Cento e trinta e oito petistas do Espírito Santo se reúnem na tarde deste sábado para “fazer a sua parte” perante a militância e aprovar, ao menos formalmente, uma estratégia eleitoral que na prática já está condenada: a manutenção da candidatura do senador Fabiano Contarato (PT) ao Palácio Anchieta. Esse é o número de delegados que terão direito a voz e voto no Encontro Estadual de Tática Eleitoral, marcado para as 14 horas, em formato virtual.
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No encontro, os delegados vão aprovar uma resolução, colocando no papel a tática que tem a preferência do PT do Espírito Santo para a eleição estadual. Pelo que a coluna apurou, tudo indica que o texto dessa resolução confirmará a pré-candidatura de Contarato ao governo do Estado como desejo manifestado pelos representantes locais (o que não quer dizer que ela será mantida). Aprovando um documento como esse, os dirigentes capixabas darão a resposta desejada a uma militância que anseia pelo efetivo lançamento da candidatura de Contarato contra o atual governador, Renato Casagrande (PSB).
O recado poderá ser lido assim: “Vejam, fomos até onde pudemos. Fizemos o que estava ao nosso alcance. No que depender de nós, a candidatura será mantida”. Ou melhor, no que dependesse deles, seria mantida.
Não depende.
Até as pedras da ladeira Graciano Neves, que leva à sede do PT-ES, no Centro de Vitória, sabem que essa palavra final não está aqui, mas em São Paulo e em Brasília. Em última instância, as definições sobre os rumos do PT na eleição ao Palácio Anchieta (bem como ao governo de qualquer estado) serão tomadas pela direção nacional do partido – como consta, aliás, no item 16 da resolução baixada pelo Diretório Nacional no dia 24 de março: “A chapa final e a definição sobre coligações estaduais somente poderão ser concluídas após a aprovação da Direção Nacional”. É isso.
E, na avaliação da coluna, amparada pela opinião de petistas ouvidos nos últimos dias sob condição de anonimato – incluindo gente próxima a Contarato –, a decisão do comando nacional já foi tomada, e esse sonho da candidatura própria ao governo já subiu há algum tempo no telhado, ou “no meio-fio”, como argumentamos aqui no dia 8 de junho.
Por mais que as bases do PT no Espírito Santo sonhem com o lançamento de um candidato próprio competitivo (algo que não têm desde Vitor Buaiz, em 1994), a tese de aliança com o PSB e consequente apoio à reeleição de Casagrande tem a preferência da cúpula nacional, é o desejo da nacional, é a orientação da nacional, e os dirigentes locais bem o sabem.
Não por outro motivo, plenárias de mobilização da campanha de Contarato previstas para maio foram canceladas; o “lançamento da candidatura de Contarato” marcado para o dia 11 de junho virou mais uma assembleia do PT; dirigentes estaduais submergiram e pararam de criticar publicamente o governo Casagrande (dando munição para adversários em comum), após entrevistas bombásticas concedidas em meados de abril pela presidente estadual da legenda, Jackeline Rocha.
“Hold your horses”, dir-se-ia em inglês: “Segurem seus cavalos”. O pedido para a direção local “segurar” as críticas e pôr o “Plano Contarato” em ponto-morto partiu diretamente de interlocutores no comando nacional, como o deputado federal José Guimarães (PT-CE), um dos articuladores da campanha de Lula à Presidência e das estratégias eleitorais nos estados, sempre priorizando o que é melhor para o projeto máximo do partido, o qual, como todos sabem, é a volta do ex-presidente para o Palácio do Planalto.
Em terras capixabas, o mais conveniente para a direção nacional, pensando no projeto central de eleição de Lula, é não bater de frente (nem de lado) com o PSB em um estado já governado pelo parceiro estratégico e que, por sua pequena dimensão e importância política, pode até não ser prioritário para o PT, mas é altamente relevante para o PSB, até por já governá-lo.
Realisticamente, petistas ouvidos pela coluna admitem isso, mesmo sendo pessoalmente defensores da candidatura Contarato. Agora, trata-se de negociar os termos da rendição com Casagrande e com o PSB nacional.
Além dessa convicção, propomos e respondemos a três perguntas sobre o PT nas eleições do Espírito Santo:
1) Por que a base do PT capixaba tanto anseia pela candidatura de Contarato?
2) Por que, para o PT nacional, convém remover Contarato e apoiar a reeleição de Casagrande? Qual é o último detalhe pendente para que se confirme tal determinação?
3) Por que os delegados petistas devem aprovar neste sábado a manutenção da candidatura Contarato mesmo conscientes da imensa probabilidade de o PT nacional reverter essa resolução local?
Pela ordem:
1) Por que a base do PT capixaba tanto anseia pela candidatura de Contarato?
Se você nasceu em 1990, já é um adulto com mais de 30 anos, mas nunca viu o PT lançar um candidato competitivo a governador do Espírito Santo. Em 1998, o partido apoiou Casagrande (vice de Vitor); em 2002, em sua maior parte, foi com Max Mauro; em 2006, apoiou a reeleição de Paulo Hartung; em 2010, ficou com Casagrande e emplacou seu vice, Givaldo Vieira; em 2014, lançou no improviso Roberto Carlos e, em 2018, Jackeline Rocha. Ambos tiveram baixa votação.
O primeiro ponto é este: não é de hoje que a militância petista está carente de protagonismo eleitoral no Espírito Santo. Nesse ponto, há um desejo acumulado.
Além disso, petistas se ressentem por terem sido esnobados por Casagrande em 2018: no auge do antipetismo, o atual governador preferiu disputar sua campanha de retorno ao Anchieta sem o PT, que não participou da atual administração. “Quanto estávamos na pior, ele não nos quis. Agora que Lula bomba nas pesquisas, decidiu que nos quer de volta?”, questiona um petista de alguns mandatos.
Também pesa a desconfiança quanto ao grau de extensão do “abraço” que Casagrande dará em Lula. Muitos petistas acreditam que, no auge da campanha, quando for mais importante, Casagrande ficará cheio de dedos em abraçar Lula por inteiro (até para não melindrar outros aliados, no campo da direita inclusive). O PT pode ficar escondidinho, apagadinho, no fundo do palanque do governador, em clima de constrangimento mútuo.
Preocupa, ainda, que Casagrande já tenha dito e reafirmado que pretende dar palanque não só para Lula, mas também para Simone Tebet (MDB) e para Ciro Gomes (PDT), virulento crítico de Lula e do PT, o que naturalmente desagrada a petistas.
Para esses, não basta o governador dizer, como disse em 13 de junho, que vai votar em Lula no dia 2 de outubro. Eles querem que, durante a campanha, o governador peça votos para o ex-presidente.
2) Por que, para o PT nacional, convém remover Contarato e apoiar a reeleição de Casagrande? Qual é o último detalhe pendente para que se confirme tal determinação?
Afirma um parlamentar petista: “Hoje, no país, o PT é o único partido nacional e com projeto nacional. Nem o PSDB e o MDB podem dizer isso atualmente”. Nesse “projeto nacional”, o regresso de Lula ao Planalto tem centralidade.
Talvez dessa vez eles não façam “o diabo” para ganhar a eleição, mas com certeza farão “tudo para isso”, afirma a mesma fonte… mesmo que isso signifique fazer concessões em alguns estados para agradar ao PSB, parceiro mais que estratégico. Se eleger Lula presidente é a prioridade nº 1 para o PT nacional, a nº 2 é fazer de Fernando Haddad o governador de São Paulo.
Para isso, o partido está investindo tudo no convencimento do ex-governador Márcio França (PSB): se ele topar desistir de disputar a corrida ao Palácio dos Bandeirantes para se lançar ao Senado, selando a aliança PT-PSB também em São Paulo, Haddad terá uma Avenida Paulista desobstruída para vencer a eleição no maior estado do país, como prova pesquisa Datafolha publicada na última quinta-feira (30): sem o socialista na cédula, Haddad sobra na estimulada com 34% das intenções de voto, ante 13% do 2º colocado.
França tem feito gestos ambíguos. Na última quinta-feira (30), gravou vídeo comemorando resultado da mesma pesquisa fresquinha, que o trouxe em 2º lugar para o governo, com 16% das intenções estimuladas, atrás de Haddad, com 28%: “Esse Márcio França não é fácil!”
Ao mesmo tempo, em reunião com caciques de seu partido, Casagrande incluído, na última segunda-feira (27), em Brasília, França admitiu a possibilidade de recuar. Na quinta-feira, além do Datafolha, o fato relevante foi a desistência anunciada pelo apresentador Datena em concorrer ao Senado, o que escancara uma Marginal Tietê para França nessa corrida alternativa.
Ao que parece, sabendo o quanto sua retirada estratégica beneficiará Haddad e o PT, França está esticando a corda para vender esse movimento o mais caro possível – ou seja, com o maior lucro eleitoral para o seu PSB. Falando à Folha de S. Paulo, ele mesmo já disse que a definição sobre São Paulo será feita “em bloco”, envolvendo outros estados. Noutras palavras, o PSB terá que ser pago (e bem pago) pelo PT em outros colégios eleitorais, o que inclui o Espírito Santo.
Convenhamos: retirar a candidatura Contarato (o “bode na sala”) para favorecer Casagrande não será lá um sacrifício muito grande para dirigentes nacionais do PT, dada a pequenez do nosso estado. Hoje, para o cacique do PT em Brasília, o Espírito Santo não tem o mesmo peso político que tem para o cacique do PSB. E Casagrande, é bom lembrar, É um dos caciques do PSB: ele é “só” o secretário-geral do partido no país, número 2 na hierarquia de comando. “O Espírito Santo é pequeno, mas Renato é grande no PSB”, resume um petista.
De acordo com o site da Veja, França fixou este domingo (3) como prazo final para tomar uma decisão, após conversa com Lula. Deve apresentar-lhe a fatura.
Assim, ainda que empurrado goela abaixo aos petistas capixabas, o recuo de Contarato será efeito colateral de uma articulação maior que, ao que tudo indica, já está pactuada, muito longe dos desejos e esperanças de militantes locais.
3) Por que os delegados petistas devem aprovar hoje a manutenção da candidatura Contarato mesmo conscientes da imensa probabilidade de o PT nacional reverter essa resolução local?
O PT é subdividido em vários campos e tendências. No Espírito Santo, existem:
. Construindo um Novo Brasil (CNB): grupo da presidente estadual, Jackeline Rocha, e do ex-deputado estadual José Carlos Nunes;
. Alternativa Socialista (AS): grupo do ex-prefeito de Vitória João Coser;
. Ruas e Redes: grupo do vereador de Cariacica André Lopes;
. Resistência Socialista: grupo do deputado federal Helder Salomão;
. Articulação de Esquerda (AE): grupo da deputada estadual Iriny Lopes;
. CNB-Depar: grupo do ex-secretário estadual de Direitos Humanos Perly Cipriano;
. Democracia Socialista (DS): grupo do ex-vereador de Vitória Marcelão;
Os quatro últimos grupos (do de Helder para baixo) se uniram para formar o campo Para Voltar a Sonhar.
Para o Encontro Estadual de Tática Eleitoral deste sábado, os 138 assentos de delegados foram distribuídos de acordo com a proporção dos votos obtidos por cada grupo no último Processo de Eleições Diretas (PED) do PT do Espírito Santo, congresso em que foi escolhida a atual direção estadual, em 2019. Na ocasião, em disputa apertadíssima, a CNB de Jackeline e a AS de Coser se uniram e, contando com a adesão do grupo do vereador André Lopes, Jackeline derrotou Helder Salomão na eleição interna pela presidência por margem mínima, com 51% dos votos dos 250 delegados do congresso.
De todo modo, segundo relatos internos, todos os grupos hoje são formalmente favoráveis à manutenção da candidatura de Contarato. Com maior ou menor entusiasmo, todos externam apoio à ideia nos debates internos e assim devem se manifestar no encontro deste sábado. Ou seja, ao menos perante os demais dirigentes (e, sobretudo, perante a militância), ninguém se diz contra a ideia… o que não quer dizer que não existam resistências veladas.
Sob anonimato, muitos dizem que Coser, por exemplo, por sua histórica proximidade com Casagrande, é pessoalmente adepto da tese de que o melhor a fazer é apoiar a reeleição do socialista. Em todo caso a corrente do ex-prefeito, pelo menos formalmente, deve se posicionar a favor da manutenção da candidatura de Contarato.
Dentro do PT-ES, Coser seria representante dos chamados “pragmáticos”. São aqueles que, apesar das esperanças dos militantes, reconhecem que estrategicamente é melhor para o PT (e para Lula, para a esquerda, para a derrota do bolsonarismo…) ajudar Casagrande a se manter no Palácio Anchieta, porque
1) o PSB é parceiro nacional estratégico para o PT, sendo Alckmin o vice de Lula;
2) Casagrande é um governador de centro-esquerda, é um candidato competitivo e disputa a reeleição;
3) A candidatura Contarato na verdade pode atrapalhar a reeleição de Casagrande (consequentemente, a própria esquerda), ajudando a provocar um 2º turno do socialista contra um oponente de direita, o que não faz sentido algum se o objetivo central é derrotar o bolsonarismo no país inteiro. Pode se provar um tiro no pé…;
4) “Quem chega primeiro bebe água limpa”: fechando apoio a Casagrande logo no 1º turno, o PT se cacifa para negociar espaço privilegiado no próximo governo estadual, em caso de vitória do socialista; se Lula voltar à Presidência, então, o PT terá bala na agulha para pleitear, no mínimo, duas secretarias de Estado; já se chegar para apoiar Casagrande só no 2º turno, o partido terá que entrar no fim da fila, atrás das várias outras siglas posicionadas com o governador desde o início;
Assim, mesmo Coser, sua corrente e outros dirigentes que no fundo prefiram a adesão ao palanque de Casagrande tendem a subscrever uma resolução que reafirme a candidatura Contarato como projeto estratégico defendido pelo PT do Espírito Santo.
Devem fazer isso porque sabem que essa resolução, no fim, é quase simbólica, podendo ser revertida a qualquer tempo pela direção nacional – no encontro nacional de julho ou por uma simples resolução vertical. “Se precisar, a Nacional faz até intervenção no Estado”, afirma um petista à coluna, sem acreditar em movimento de insurgência contra a direção nacional, mas de manutenção de aparências em face das bases locais.
Devem fazer isso, enfim, porque não querem se indispor perante a militância sedenta por um candidato próprio. O próprio Coser já passou por isso e com certeza não há de querer viver de novo a experiência de receber uma sonora vaia pública dos próprios militantes, como a que recebeu ao lado de Lula, em palanque na Praça Costa Pereira, durante ato de pré-campanha do ex-presidente no fim de 2017 – antes de ele ser condenado em 2ª instância na Lava Jato, preso em abril de 2018 e impedido de concorrer à eleição daquele ano.
Àquela altura, Coser era secretário estadual de Desenvolvimento Urbano no governo Paulo Hartung, então no MDB, partido liderado nacionalmente pelo então presidente Michel Temer. E Dilma Rousseff sofrera o impeachment pouco mais de um ano antes.
Melhor é atender aos reclames da plateia local e depois deixar a direção nacional falar mais alto. Poderão assim dizer que tentaram…
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