Coluna Vitor Vogas
Análise: como foi o debate final da TV Gazeta entre os candidatos ao governo do ES?
As estratégias dos candidatos, os choques frontais entre Guerino e Casagrande, e as quatro críticas capitais de todos os desafiantes do atual governador

Candidatos a governador do ES
Tinha um alvo na testa de Casagrande (PSB), e todos os adversários miraram no mesmo alvo. No debate final da TV Gazeta, realizado na noite desta terça-feira (27), Manato (PL), Audifax (Rede), Guerino Zanon (PSD) e Aridelmo (Novo) usaram a oportunidade para centrar fogo no atual governador, líder das pesquisas de intenção de voto na eleição ao Palácio Anchieta.
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Em quase duas horas no ar, os oponentes de Casagrande não fizeram nem uma crítica sequer entre si, e o debate virou um grande jogo de “todos contra Casagrande”. Um bom indício disso foi a enorme quantidade de pedidos de direito de resposta feitos pelo socialista. Três deles foram concedidos pela direção do debate (os únicos três do certame).
Casagrande jogou na defesa, para sair dali com o empate, evitando correr grandes riscos – estratégia típica de quem está muito na frente em pesquisas de intenção de voto. Chegou a fazer, logo no início, uma “fala preventiva”, digamos assim, para alertar o público de que, por ser o atual governador, sofreria ataques dos demais. Já no meio do debate, afirmou que estava claro “o jogo combinado entre alguns candidatos”, “o jogo de interesses em destruir reputações”.
De fato, denotando combinações prévias, houve muitas tabelinhas entre os desafiantes – o que é legítimo e faz parte do jogo. Em algumas perguntas, não houve propriamente um questionamento ao adversário, mas um pedido de concordância. “[Casagrande] guardou dinheiro para usar em ano eleitoral. Governo que guarda dinheiro para usar em ano eleitoral merece um cartão vermelho, não é?”, perguntou Guerino a Aridelmo, para darmos um exemplo.
Casagrande não chegou a evitar completamente Manato – dirigiu-lhe uma pergunta, já no fim do debate –, mas nitidamente priorizou o embate direto com Guerino – terceiro colocado no último Ipec/Rede Gazeta, empatado com Audifax –, direcionando suas duas primeiras indagações ao ex-prefeito de Linhares. Possivelmente, a estratégia do socialista foi a de evitar o confronto direto com o segundo colocado nas sondagens. E assim, inesperadamente, os choques frontais mais violentos se deram entre Guerino e Casagrande.
Entre outras críticas duras, Guerino afirmou que Casagrande “privilegiou apadrinhados na distribuição dos recursos”, que “guardou dinheiro porque tinha um pacto com as elites políticas do Espírito Santo”, que é “incompetente”, que “não é humano”, que é um “governador borracha mole”, que “é mentiroso” e “gosta de mentir” e que “roubou R$ 240 milhões de Linhares, não estadualizando o [hospital] HGL”. Por vezes ficou uma coisa meio bairrista. Mais de uma vez, o ex-prefeito disse que Casagrande “não gosta do povo de Linhares”.
E, numa informação que demanda apuração – até porque Casagrande não a desmentiu no ar –, Guerino soltou esta bomba: “Quero entender por que o senhor me convidou três vezes para ser seu candidato a vice-governador”.
As declarações de Guerino renderam ao governador os seus três direitos de resposta. “O candidato Guerino não pode me medir pela régua dele. Eu não minto”, rebateu. Em alguns de seus contragolpes, Casagrande afirmou que o ex-prefeito “teve oportunidade de fazer e não fez” e citou que Linhares ocupa a 63ª posição no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Pisando num calo da gestão de Linhares, lembrou que os moradores de rua da maior cidade do norte do Espírito Santo não têm uma rodoviária na cidade para se proteger.
AS QUATRO CRÍTICAS CAPITAIS
Afora os confrontos diretos pontuais do governador com Guerino, o debate foi marcado por quatro críticas centrais a Casagrande, comuns aos seus quatro oponentes. Foram elas:
1) Guardou dinheiro demais e não gastou como deveria
É o cerne do discurso principalmente de Audifax:
“O Estado está cheio do dinheiro e não usa de forma técnica e correta, pensando em você que está desempregado, passando fome”, disse o ex-prefeito da Serra, num momento. “Sou gestor. Dinheiro tem e está sobrando. Não consigo entender como o governo guarda R$ 6 bilhões com gente passando fome, desempregada, passando necessidade”, repetiu, em outro. “Não usou o dinheiro por falta de competência, de equipe, de gestão, não foi por causa da pandemia nem das chuvas”, insistiu Audifax, que ainda chamou de lento o atual governo.
Em resposta, Casagrande valeu-se de alguma dose de ironia (e de imodéstia): “Falta competência ao governo mais bem avaliado do Brasil”.
Mas o eixo da resposta do governador para se contrapor a esse argumento foi o da responsabilidade. “A gente tem o respeito de todo o Brasil porque a gente tem um estado responsável, porque a gente não faz como o Rio de Janeiro e outros estados que rasparam o fundo do cofre, como alguns candidatos aqui queriam fazer. […] Conquistamos o respeito da população por responsabilidade.”
Ele acrescentou que a poupança financeira foi o que permitiu ao governo fazer frente a eventos como a pandemia, as chuvas de 2020, além de obras. “É uma reserva para proteger a população na hora em que ela precisa ser protegida”, alegou Casagrande, citando bons números de sua gestão em áreas como segurança alimentar, educação, transparência, mortalidade infantil e cobertura do Samu.
2) Gestão da pandemia
Guerino sublinhou que, durante a pandemia, o atual governo fechou o comércio e igrejas. Manato foi além: “Em Brasília, temos ‘o capitão do povo’. E aqui nós temos o ‘capitão do lockdown’. Quem fez o lockdown? O senhor ou Bolsonaro?”, perguntou a Casagrande.
O governador defendeu-se, aí sim, contra-atacando o candidato do PL: “Essa é a revolta dos negacionistas, dos que não dão valor à vida, dos que negam a ciência”. Segundo Casagrande, ele poderia ter tomado o caminho mais fácil, “lavado as mãos como fez Pilatos” (numa indireta ao comportamento de Bolsonaro) e transferido a responsabilidade para os municípios, mas não o fez. Ainda de acordo com ele, o que tivemos no Espírito Santo não foi nem perto de um lockdown, mas restrições a algumas atividades.
O governador também enfileirou números: R$ 250 milhões, segundo ele, para o Fundo de Proteção ao Emprego do Espírito Santo, financiamento a empresas, abertura de mais de 1 mil leitos hospitalares e pioneirismo entre os estados na aquisição própria de vacinas contra a Covid-19.
“Pedi a proteção de Deus, e Deus me deu sabedoria. Tivemos serenidade e, na hora do mar revolto, passamos com segurança. Graças ao bom Deus, conseguimos proteger o Estado dos negacionistas”, alfinetou.
3) PT e socialismo: polarização e pauta ideológica
Em uma pergunta sobre agricultura, Guerino lembrou a fala desastrada de Lula em entrevista ao Jornal Nacional: “O candidato Lula, apoiado pelo governador, disse que o agronegócio é fascista”. Tabelando com o ex-prefeito, Manato replicou: “Dói o nosso coração ouvir um negócio desses. Os nossos produtores rurais cantam o Hino Nacional, não é a ‘Internacionale’, não”. Manato pronunciou assim, mas provavelmente quis se referir à Internacional Comunista, hino mundial de partidos socialistas e comunistas (inclusive do PSB, de Casagrande).
Manato também mencionou que Casagrande é aliado do “molusco de nove dedos”, em uma alusão pejorativa a Lula.
Já Guerino, sem citar pelo nome o secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes (PCdoB), referiu-se a ele, mais de uma vez, como “secretário comunista, que se formou em Cuba”.
O auge do esforço em levar o debate para uma pauta mais ideológica se deu numa intervenção de Aridelmo. Casagrande acabara de dizer que o candidato do Novo “tortura números” (expressão, convenhamos, bem usual). Aridelmo respondeu que “torturar é a prática dos socialistas”, já emprestando à expressão conotação de tortura física.
Casagrande não mordeu essa isca. Em nenhum momento entrou na pauta ideológica, muito menos na disputa presidencial. E, conforme já prevíamos, não passou nem perto de fazer menção a Lula – que de fato o apoia e tem seu apoio –, para evitar perder votos de eleitores antipetistas, de direita e/ou mais conservadores.
A propósito, em mais de um momento, ele procurou acenar para o público cristão e conservador, como ao dizer que, no auge da pandemia, “pediu sabedoria a Deus”, e ao citar o personagem bíblico Pôncio Pilatos. Também se arvorou professor de “valores cristãos”.
4) Casos de corrupção
Adversários de Casagrande, com destaque para Manato, resgataram casos graves de corrupção, ou suspeitas de corrupção, envolvendo agentes do alto escalão do atual governo, escolhidos a dedo pelo governador. Citou, por exemplo, o caso de Vasco Cunha, preso em fevereiro de 2019, no início da atual administração, logo após tomar posse como presidente do Banestes, por conta de atos atribuídos a ele quando era presidente do BRB, em Brasília.
Manato também trouxe à tona casos mais recentes, como o de Rodrigo Vaccari (PSB), cujo endereço sofreu mandado de busca e apreensão em março, na Operação Volátil II. O então subsecretário estadual de Agricultura é suspeito de envolvimento em esquema de superfaturamento na aquisição de álcool em gel nos primeiros meses da pandemia, em 2020.
E, como não poderia faltar, foi lembrado o caso de Rogélio Pegoretti (PSB), preso em julho na Operação Decanter, sob a gravíssima suspeita de ter tido papel crucial em esquema se sonegação fiscal que pode ter desviado R$ 120 milhões dos cofres públicos estaduais.
Que fique registrado: Casagrande não respondeu satisfatoriamente sobre nenhum desses episódios. Ora ignorou as perguntas, ora as tangenciou. Adotou a estratégia de dizer que ele colocou o Espírito Santo em primeiro lugar em transparência, pelo ranking da ONG Transparência Internacional e que, por isso, os focos de corrupção em seu governo são descobertos por mecanismos da própria administração.
“Temos compromisso com a retidão, não com o erro de ninguém. […] São acusações levianas, para destruir a honra das pessoas”, defendeu-se.
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