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Coluna Vitor Vogas

Vídeo em baile funk abre crise entre deputados e a Igreja Católica

Vídeo de baile funk em São Benedito gera acusações de deputados ao padre Kelder Brandão. Arcebispo de Vitória tem reação enérgica em defesa do pároco

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No sentido da leitura: deputado Callegari (PL), Dom Dario Campos, deputado Lucas Polese (PL) e padre Kelder Brandão

Um vídeo em circulação nas redes sociais provocou um inaudito choque público entre deputados da bancada bolsonarista na Assembleia Legislativa e a autoridade máxima da Igreja Católica no Espírito Santo, o arcebispo de Vitória, Dom Dario Campos. O estopim foram acusações lançadas em plenário, na sessão de segunda-feira (11), ao padre Kelder Brandão, responsável desde 2017 pela Paróquia Santa Teresa de Calcutá, que compreende nove bairros de baixa renda na região da Grande Maruípe, em Vitória.

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Kelder foi acusado por dois deputados do PL, Lucas Polese e Callegari, de compactuar com o crime organizado na comunidade em questão. Os ataques foram firmemente repudiados por Dom Dario Campos. O arcebispo saiu em veemente defesa do pároco e da instituição, em nota oficial intitulada “Inverdades na Ales”.

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Com a legenda “Meninos do Kelder – Festa do Tráfico em Vitória”, o vídeo em questão, difundido pelas redes sociais, mostra imagens de um baile funk sendo realizado na quadra que faz parte de um imóvel utilizado pela ONG Serviço de Engajamento Comunitário (Secri), no bairro São Benedito, localizado na Grande Maruípe. O imóvel pertence à Mitra Arquidiocesana, mas, segundo a Arquidiocese, foi cedido há alguns anos em regime de comodato para uso da ONG, que realiza projetos sociais na comunidade de baixa renda.

Segundo o autor da postagem, publicada no último sábado (9), o baile ocorreu no local na véspera (8). O autor do post afirma que a festa foi promovida “no centro comunitário da Igreja Católica em São Benedito”.

São Benedito é um dos bairros pertencentes à paróquia sob responsabilidade do padre Kelder, conhecido por sua intensa atuação em causas sociais e políticas, por sua filiação à Teologia da Libertação e por suas críticas vigorosas a autoridades do poder público, principalmente por conta de ações de repressão policial em comunidades de baixa renda. Recentemente, o líder religioso envolveu-se em um atrito público com Alexandre Ramalho (Podemos), justamente por sua condenação a operações realizadas pela Polícia Militar, subordinada ao secretário estadual de Segurança Pública.

Na sessão dessa segunda-feira, o deputado Coronel Weliton (PTB) subiu à tribuna para exibir o vídeo no painel do plenário. Descreveu a cena como “um absurdo”. Mas não foi ele o autor da investida mais dura contra Kelder, aliás nem citado por esse deputado.

A exibição do vídeo foi a senha para manifestações de outros parlamentares.

As reações

O líder do governo Casagrande (PSB), Dary Pagung (PSB), condenou a realização do baile funk no local, mas fez um desagravo à Igreja:

“Como cristão, entendemos que uma quadra da igreja é para ajudar na fé, nos louvores, não para fazer baile funk. Acredito que isso que aconteceu com certeza a Diocese não estava ciente ou não estava sabendo. É um problema que não é relacionado à Igreja. Fico abismado em ver essas imagens, principalmente em um local que era para cultuar a Deus.”

Em seguida, nominando o padre Kelder, o deputado Lucas Polese acusou-o de não ser um verdadeiro cristão, mas um “pároco trabalhando a favor do crime organizado” e “que utiliza propriedade da Igreja Católica para fortalecer o crime organizado”. O parlamentar do PL afirmou que, para o padre, “essa galera é bem-vinda”.

“Fico estarrecido, assim como o deputado Dary Pagung, mas não surpreso. Isso aí é o que eu espero mesmo quando ouço o nome do padre Kelder relacionado. É um cara que, no pleito de 2022, estava usando o altar da Igreja Católica para pedir voto para o PT em toda missa.”

Em seu discurso, o deputado associou o padre (e, por extensão, a esquerda, conforme sua linha de raciocínio) a uma postura de conivência com o crime organizado. Polese ainda criticou as críticas de Kelder a operações policiais de repressão:

“É um padre que está mais preocupado em perseguir e atacar a ação policial do que em pregar a Palavra de Deus, pregar o Evangelho dele. A finalidade só pode ser essa aí mesmo. É lamentável, e ações precisam ser tomadas”, conclamou o deputado bolsonarista, secundado pelo colega de bancada Callegari. Segundo este, o padre estaria “liberando área da Igreja para a realização de baile funk com pessoas portando fuzis”.

“É estarrecedor, é um vergonha! A fé católica não condiz com isso. Um centro ligado à nossa igreja sendo utilizado de forma vergonhosa por bandidos. Mais vergonhoso é o padre Kelder, um militante que age dentro da Igreja Católica a serviço de ideias que não representam o Evangelho de Nosso Senhor.”

A contrarreação da Arquidiocese

Os ataques nominais suscitaram uma reação vigorosa por parte de Dom Dario. Na nota oficial referida no início do texto, em nome da Arquidiocese de Vitória, o arcebispo manifestou-se publicamente “sobre as inverdades lançadas no vídeo que circula nas redes sociais”, atribuindo “errônea visão a alguns membros do Poder Legislativo estadual”.

A Arquidiocese rechaça veementemente o vídeo circulado, que [sic] tomou conhecimento na data de hoje, bem como as manifestações individualizadas pelos Deputados Estaduais do Poder Legislativo Local”, escreveu Dom Dario.

Em nome da Arquidiocese de Vitória, o arcebispo ainda reforçou “seu apoio ao padre ofendido” e referendou as atividades pastorais desenvolvidas pela Paróquia Santa Teresa de Calcutá, “que estão em perfeita sintonia com as orientações e diretrizes da Igreja Universal, da CNBB – Conferência dos Bispos do Brasil e da Arquidiocese de Vitória-ES”.

Quanto ao cerne da acusação dos deputados – o de que o representante da Igreja na comunidade teria liberado o uso de espaço pertencente à paróquia para a realização de baile funk com pessoas armadas –, Dom Dario afirma que a Igreja e o padre não têm a menor responsabilidade sobre o fato, já que nem sequer utilizam o imóvel, cedido em regime de comodato para o Secri.

Portanto, embora tecnicamente seja a proprietária do imóvel, a Igreja não pode ser responsabilizada por evento realizado ali à sua revelia por membros da comunidade, tampouco se pode concluir que a festa em questão foi promovida mediante conivência ou autorização do chefe da paróquia:

“A Igreja não tem qualquer responsabilidade sobre o contexto alardeado pelas autoridades legislativas, no que concerne à invasão de possíveis criminosos e promoção de ‘festas’ com cunho ilícito e imoral. A contenção do avanço da criminalidade é de competência do Poder Público, afinal a missão precípua da Igreja é levar o evangelho a todos os povos e em qualquer lugar que eles se encontrem”, defendeu Dom Dario.

Abaixo, você pode ler na íntegra a nota assinada pelo arcebispo de Vitória:

NOTA OFICIAL

A Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo – Brasil, por meio de sua Excelência Reverendíssima, Dom Frei Dario Campos, OFM, Arcebispo Metropolitano de Vitória no Espírito Santo – Brasil, abraçando vivamente a firme e sólida palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo e a sua opção preferencial pelos pobres vem se manifestar publicamente, sobre as inverdades lançadas no vídeo que circula nas mídias sociais atribuindo à Igreja Particular de Vitória, promoção de “festinha no Centro Comunitário de São Benedito”, comunidade católica ligada à Paroquia Santa Teresa de Calcutá. O fato trouxe errônea visão a alguns membros do Poder Legislativo estadual. O vídeo e os representantes daquele Poder atribuem responsabilidades à Igreja e a associam ao tráfico de drogas e de armas, bem como ao Pároco, Padre Kelder Brandão, que atua naquela localidade desenvolvendo seu trabalho pastoral e espiritual, além de ser Vigário Episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese.

A Mitra Arquidiocesana de Vitória recebeu no ano de 1960 a doação do terreno onde está situada a Comunidade São Benedito, hoje localizado no Território do Bem. Foi edificado no local um prédio com três andares. No alinhamento da via pública funciona o SECRI – Serviço de Engajamento Comunitário (ONG fundada em setembro de 1988 e constituída em 01 de junho do ano de 2011); na parte superior uma quadra de esporte; e, na outra dimensão, a aludida Comunidade católica.

O prédio em referência foi dado em comodato ao SECRI, que desempenha sério trabalho social (com crianças, adolescentes, jovens e suas famílias que vivem em situação de risco e vulnerabilidade social, favorecendo a formação ética e social do seu publico alvo).

A Igreja não tem qualquer responsabilidade sobre o contexto alardeado pelas autoridades legislativas, no que concerne à invasão de possíveis criminosos e promoção de “festas” com cunho ilícito e imoral. A contenção do avanço da criminalidade é de competência do Poder Público, afinal a missão precípua da Igreja é levar o evangelho a todos os povos e em qualquer lugar que eles se encontrem. Significa dizer que é agir concretamente, participar ativamente auxiliando a transformar a realidade concreta de pessoas, de grupos e da sociedade. As atividades em prol da justiça social são uma consequência do anúncio da fé cristã. Missão é ação generosa, gratuita que não se coaduna com incitação de crime, violência ou coisas equivalentes.

Sendo assim, a Arquidiocese de Vitória reforça seu apoio ao padre ofendido e referenda as atividades pastorais desenvolvidas pela Paróquia Santa Teresa de Calcutá, em Itararé, que estão em perfeita sintonia com as orientações e diretrizes da Igreja Universal, da CNBB – Conferência dos Bispos do Brasil e da Arquidiocese de Vitória-ES.

Nesse contexto, a Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo rechaça veementemente o vídeo circulado, que tomou conhecimento na data de hoje, bem como as manifestações individualizadas pelos Deputados Estaduais do Poder Legislativo Local, na sessão legislativa de 11 de setembro do corrente ano, alardeando, inclusive, que se manterá firme no seu propósito e missão, conclamando as autoridades públicas que exerçam sua função institucional de garantir a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos, através dos órgãos instituídos pela União e pelos Estados.

Dom Dario Campos, ofm

Arcebispo de Vitória

Vitória, 11 de setembro de 2023


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Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 39 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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