Coluna Vitor Vogas
Mulheres na política: o tamanho do abismo da desigualdade, em números
Neste Dia Internacional da Mulher, conheça os números que provam o quão grave é o problema da sub-representação feminina nos espaços de poder político no Brasil e, mais ainda, no Espírito Santo
Conforme as projeções demográficas do IBGE para o ano da graça de 2023, mulheres representam 51,13% da população brasileira. No Espírito Santo, 50,78% dos habitantes são do sexo feminino. Segundo o TSE, nas últimas eleições, 53% do eleitorado brasileiro foi constituído por mulheres, mesmo índice averiguado no Espírito Santo.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Elas são a maioria, portanto. E, assim, também deveriam ocupar a maioria dos cargos eletivos e dos postos de poder em geral na esfera pública brasileira – ou, no mínimo, a mesma proporção correspondente aos homens. Isso por uma lógica estritamente matemática. Mas política não é matemática, muito menos as relações de poder e de gênero.
Por uma perversa lógica patriarcal que combina componentes históricos com fatores socioculturais, a realidade política atual ainda vai longe, muito longe, dessa idealizada relação de equidade. Na prática, a despeito de elas serem maioria, a política segue sendo um território dominado pelos homens. E o exercício do poder, nos Três Poderes, ainda é quase monopólio masculino.
Tanto no Executivo como no Legislativo, mulheres ainda estão longe de conseguir se eleger na mesma proporção que eles. A porcentagem de candidatas e, principalmente, de candidatas exitosas é ridiculamente desproporcional à participação feminina tanto na população total como no eleitorado do país. Todos os números reunidos por nós e apresentados a seguir provam isso.
Provam ainda outra coisa: introduzida na legislação brasileira em 2009, a cota de gênero – medida que obriga os partidos a reservar 30% de suas candidaturas e, desde 2018, dos seus recursos financeiros a mulheres – provou-se inócua ou, no mínimo, insuficiente.
Desvirtuada por dirigentes partidários e desacompanhada de outras medidas que seriam tão importantes quanto ou ainda mais, a cota, até hoje, só fez fomentar um mercado eleitoral paralelo de candidaturas laranjas. Numericamente, em termos de sucesso nas urnas, a situação não melhorou nem um pouco. Em alguns casos, piorou.
Vamos, então, ao tamanho do abismo. Pedimos especial atenção do leitor ou leitora para os percentuais que acompanham cada dado apresentado em números absolutos.
Senado (país)
O Senado é composto por 81 cadeiras – três para cada unidade federativa.
Em 2014, com 27 assentos em disputa (uma para cada unidade), foram eleitas cinco mulheres (18%).
Em 2018, foram 54 vagas em jogo (duas para cada unidade). Só sete mulheres se elegeram (13%).
Em 2022, novamente, 27 cadeiras. Só quatro delas foram preenchidas por mulheres (14%). Repare: o número piorou em relação a 2014!
Hoje, dos 81 senadores com mandato, só 11 são mulheres (13%). Nenhuma pelo Espírito Santo.
Câmara dos Deputados (país)
A Câmara é formada por 513 deputados. Todas as cadeiras são disputadas a cada quatro anos.
Em 2014, foram eleitas apenas 51 mulheres (10%).
Em 2018, foram 77 (15%).
Em 2022, foram 91 (17%), incluindo duas mulheres trans: Erika Hilton (PSol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG).
Tem havido, sim, neste caso, um aumento gradual. Mas, além de o ritmo ser lento demais, a representação feminina na Câmara – vale lembrar: a Casa que deveria espelhar a população brasileira – continua muito abaixo do tamanho da presença das mulheres na população brasileira e da participação feminina no eleitorado do país.
Congresso (ES)
Em 2014, os capixabas elegeram Rose de Freitas (MDB) para o Senado. Foi a primeira e única mulher eleita senadora pelo Espírito Santo até hoje.
Na Câmara dos Deputados, a situação só pode ser descrita como bizarra. O Espírito Santo, lembremos, ocupa dez cadeiras na Casa.
Em 2014, nenhuma mulher elegeu-se deputada federal pelo Estado.
Em 2018, os capixabas elegeram três mulheres para a Câmara: Lauriete (PSC), Norma Ayub (DEM) e Soraya Manato (PSL). O índice passou a 30%.
Embora ainda longe da paridade com os homens, pode-se até considerar que esses 30% foram um ponto fora da curva, muito acima da média histórica. Até porque, contando a então senadora Rose de Freitas, quatro dos 13 congressistas capixabas eram mulheres, entre 2019 e 2022.
Cabe, porém, uma ponderação, que nos remete a outro aspecto muito comum – e não muito positivo para a causa do “empoderamento feminino”: as três deputadas nesse caso conseguiram se eleger graças à influência dos respectivos cônjuges e/ou exerceram mandatos altamente subordinados àqueles.
No ano passado, porém, as coisas voltaram ao “normal” no Espírito Santo: somente uma mulher, Jack Rocha (PT), foi eleita deputada federal. E o índice regrediu a 10%.
Assembleia Legislativa do ES
O Espírito Santo tem 30 deputados estaduais.
Em 2014, quatro mulheres conseguiram sucesso nas urnas: Janete de Sá, Raquel Lessa, Luzia Toledo e Eliana Dadalto (13%).
Em 2018, o número caiu para três: Janete, Raquel e Iriny Lopes (10%).
Em 2022 (iei!), voltamos ao patamar de… 2014: a Janete (PSB), Raquel (PP) e Iriny (PT), somou-se Camila Valadão (PSol).
Governadoras eleitas
O Brasil é dividido em 26 estados e o Distrito Federal.
Em 2018, no país inteiro, só uma mulher elegeu-se governadora do seu estado: Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte (3%).
No ano passado, Bezerra reelegeu-se, e Raquel Lyra (PSDB) chegou ao governo de Pernambuco. Duas de 27 governadores: 7%.
Prefeitas eleitas no ES
Quando descemos às eleições municipais, os números da sub-representação feminina no Espírito Santo se mostram ainda mais chocantes. É o típico cenário no qual o que já era ridículo conseguiu ficar ainda mais indigente.
O Espírito Santo tem 78 municípios.
Na eleição municipal de 2016, somente quatro mulheres chegaram à prefeitura de suas cidades: Vera Lucia Costa em Guaçuí; Iracy Baltar em Montanha; Amanda Quinta em Presidente Kennedy; e Céia Ferreira em São Gabriel da Palha. Quatro de 78: 5%.
Já em 2020, pasmem, só uma candidata teve êxito nas urnas, contando todos 78 municípios: Ana, na pequena São Domingos do Norte (1,3%), foi a única prefeita eleita. Outro enorme recuo na “marcha da história”.
Vereadoras eleitas na Grande Vitória
Este é outro número angustiante.
Excluindo Fundão, as Câmaras dos municípios da Grande Vitória têm, somadas, 102 vereadores. Na última eleição municipal, em 2020, somente oito desses lugares foram preenchidos por mulheres (7%).
Foram três em Guarapari (Kamilla Rocha, Rosana Pinheiro e Sabrina Astori), duas na Serra (Elcimara Loureiro e Raphaela Moraes), duas em Vitória (Camila Valadão e Karla Coser) e uma em Vila Velha (Patrícia Crizanto). Nenhuma mulher se elegeu em Cariacica e em Viana. Eis o quadro das urnas em 2020:
Cariacica: 0/19
Guarapari: 3/17
Serra: 2/23
Viana: 0/11
Vila Velha: 1/17
Vitória: 2/15
Total: 8/102
Secretárias de Estado
Na atual administração de Renato Casagrande (PSB) no Espírito Santo, dos 26 cargos com status de secretário de Estado, seis são preenchidos por mulheres (23%): Cyntia Grillo (Trabalho e Assistência), Emanuela Pedroso (Governo), Flávia Mignoni (Comunicação), Nara Borgo (Direitos Humanos), Jacqueline Moraes (Políticas para Mulheres) e Valésia Perozini (Gabinete).
Poder Judiciário
Mesmíssima situação. Só a título de exemplo, no STF, dos 11 ministros, só duas são mulheres: Cármen Lúcia e Rosa Weber.
No Tribunal de Justiça do Estado (TJES), atualmente, só quatro das 30 cadeiras de desembargador são ocupadas por magistradas: Eliana Munhós, Janete Vargas, Rachel Durão e Marianne Júdice de Mattos.
MPES e TCES
Atualmente, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) é comandado pela procuradora-geral de Justiça Luciana de Andrade.
No Tribunal de Contas do Estado (TCES), todos os sete conselheiros são homens.
Ranking internacional
As fontes dos dados a seguir são a página oficial do TSE e a Agência Câmara de Notícias.
Um ranking de participação de mulheres no Parlamento elaborado em 2017 pela ONU Mulheres, em parceria com a União Interparlamentar (UIP), colocou o Brasil na 154ª posição no que se refere à representação feminina. Foram analisados 174 países.
Entre 33 países latino-americanos e caribenhos, o Brasil ficou com a 32ª posição quanto à presença de mulheres nos parlamentos nacionais, ficando à frente somente de Belize (3,1%). Na América Latina e no Caribe, a média do número de mulheres parlamentares nas câmaras de deputados ou câmaras únicas ficou em 28,8%.
Já em agosto de 2022, a UIP concluiu que, em média, a participação das mulheres nos parlamentos nacionais é de 26,4%. Se o Brasil seguisse esse padrão, a bancada feminina na nossa Câmara Federal seria formada por 135 deputadas. Mas, como registrado acima, só 91 deputadas foram eleitas no país em 2022, o equivalente a 17% do número de vagas na Casa.
No mesmo ano, ranking da mesma instituição colocou o Brasil no 146° lugar no quesito participação feminina entre os 193 países analisados. Na América Latina, Cuba e México têm os melhores desempenhos, com 53,4% e 50% dos assentos parlamentares ocupados por mulheres, respectivamente.
Como mudar isso?!?
Esse é o diagnóstico do problema, o qual está mais que comprovado. A questão é: o que fazer para mudar isso? É assunto para a próxima coluna.
Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui