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Coluna Vitor Vogas

Conselho de Ética da Câmara decide suspender mandato de Gilvan

Prazo da suspensão, no entanto, não é o proposto pela Mesa Diretora na denúncia contra o deputado do ES. Confira aqui a cobertura completa

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O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados decidiu suspender, por três meses, o mandato do deputado Gilvan da Federal (PL-ES). Na tarde desta terça-feira (6), os membros do órgão disciplinar da Casa analisaram representação apresentada na última quarta-feira (30) pela própria Mesa Diretora da Câmara, contra o deputado federal pelo Espírito Santo, por quebra de decoro parlamentar, com pedido de suspensão cautelar do mandato de Gilvan.

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O deputado bolsonarista foi alvo de denúncia formulada pela Mesa Diretora porque, em audiência pública da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara, realizada na última terça-feira (29), “fez insinuações abertamente ultrajantes, desonrosas e depreciativas” contra a deputada federal licenciada Gleisi Hoffmann (PT-PR), ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais desde março.

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Gilvan chamou Gleisi de “amante” – em alusão ao codinome atribuído à atual ministra em planilha da empreiteira Odebrecht para supostos repasses ilegais a políticos, segundo investigações da Operação Lava Jato. Indo além, o deputado do PL referiu-se à petista como “prostituta do caramba”. No mesmo dia, também em reunião da Comissão de Segurança, Gilvan referiu-se ao deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), companheiro de Gleisi, pelo apelido “lindinho” – constante na mesma planilha.

Para a Mesa Diretora, Gilvan exerceu “comportamento incompatível com o decoro parlamentar”, proferiu “manifestações gravemente ofensivas e difamatórias”, cometeu “flagrante abuso de prerrogativas”, praticou “irregularidade grave no desempenho do mandato” e extrapolou o direito à liberdade de expressão, ofendendo assim a imagem, a honra e a dignidade não só de Gleisi Hoffmann, mas da própria Câmara dos Deputados.

Por 15 votos a 4, acompanhando o relator do caso, Ricardo Maia (MDB-BA), o Conselho de Ética acolheu parcialmente pedido da Mesa Diretora, assinado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e por outros quatro membros da Mesa.

A medida tomada pela Mesa foi inédita. Provocados pela Corregedoria da Câmara, os autores da representação pediram ao Conselho de Ética a suspensão imediata do mandato por seis meses. Entretanto, em seu parecer final, o relator do caso, Ricardo Maia (MDB-BA), recomendou a suspensão pela metade do prazo requerido: três meses, em vez de seis.

Na reunião do Conselho de Ética, a deputada Jack Rocha (PT-ES), membro titular do órgão, deu um dos votos favoráveis à suspensão do bolsonarista. Lembrou que ele tem é alvo de processos por violência política de gênero e que já foi condenado por esse crime.

Tecnicamente, Gilvan ainda pode recorrer da decisão ao plenário da Câmara. Para reverter a suspensão, ele precisaria que pelo menos 257 deputados votassem favoravelmente ao recurso, o que corresponde à maioria absoluta dos 513 parlamentares. A Mesa seria obrigada a pautar o recurso na sessão subsequente à sua apresentação.

Gilvan, porém, antecipou que não pretende recorrer da punição, durante a sua defesa oral na reunião do Conselho de Ética.

Com a suspensão fixada em três meses, a Mesa Diretora não terá de convocar o primeiro suplente de Gilvan, na chapa do PL que concorreu à Câmara dos Deputados, no Espírito Santo, nas eleições de 2022. O primeiro suplente é o atual vice-prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Juninho Corrêa, filiado ao Novo desde o ano passado.

Pelo Regimento Interno da Casa, o suplente só é convocado se o titular se ausentar do exercício do mandato por período superior a 120 dias (quatro meses). A redução da pena, assim, possibilita a não convocação do suplente.

Durante os três meses de suspensão, Gilvan deixará de receber sua remuneração como deputado, bem como as prerrogativas parlamentares.

Como foi a discussão e a votação no Conselho de Ética

A denúncia oferecida pela Mesa em face de Gilvan foi apreciada em reunião extraordinária deliberativa do Conselho de Ética, presidido pelo deputado Leur Lomanto Júnior (União-BA). A análise da representação formulada pela Mesa foi o único item da pauta. A sessão foi muito acalorada.

O relator, Ricardo Maia (MDB-BA), fez a leitura do seu parecer. Gilvan participou pessoalmente da reunião, assistiu às deliberações e se defendeu diante do Conselho – com sua tradicional bandeira do Brasil pendurada no ombro.

A votação dos membros do Conselho foi aberta, ostensiva e nominal. Não foram admitidos recursos protelatórios, como pedidos de vista, de adiamento e de retirada de pauta.

Muitos aliados de Gilvan, integrantes da “bancada bolsonarista”, discursaram antes da votação, defendendo o colega e criticando o novo rito adotado, em uma profusão de questões de ordem.

O deputado Marcelo van Hattem (Novo-RS), que não faz parte do Conselho, defendeu o direito ao pedido de vista – instrumento que permite a um membro do Conselho pedir prazo para analisar melhor o parecer do relator antes de proferir seu voto, o que, na prática, adia a decisão. “Minha preocupação é a de que, em lugar se um rito urgente, se realize um rito sumário”, justificou o deputado do Novo.

Outros parlamentares também manifestaram preocupação com a abertura de “perigoso precedente” por exercício de “ato sumaríssimo”, “tribunal de exceção” e “rito inquisitorial”.

“Estamos cometendo um erro gravíssimo nesta Casa. Muitos deputados que votaram nessa aberração, como muitos deputados que votaram pela manutenção da prisão do deputado Daniel Silveira, estão arrependidos”, afirmou o deputado Luiz Lima (PL-RJ), apoiador, como Gilvan, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Além de Gilvan e Jack Rocha, passaram pelo auditório três deputados da bancada capixaba: Messias Donato (Republicanos), Josias da Vitória (PP) e Evair de Melo (PP), um dos vice-líderes do governo durante a presidência de Bolsonaro.

Pedido de desculpas e mudança de parecer

Na noite de segunda-feira (5), o relator da representação proposta pela Mesa, Ricardo Maia, apresentou um primeiro parecer, recomendando a suspensão de Gilvan exatamente pelo prazo requerido pela Mesa: “O prazo sugerido, de seis meses, encontra amparo legal no art. 10, III, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, e traduz resposta firme e simbólica à gravidade dos fatos, sem antecipar julgamento definitivo, resguardando-se o devido processo legal e a ampla defesa”, justificou.

No entanto, após acordo político costurado nos bastidores até a madrugada, o deputado da Bahia apresentou um segundo relatório, efetivamente lido em plenário. A pena proposta por ele foi amenizada: suspensão do mandato por três meses.

A pena foi abrandada após “atitude expiatória” tomada pelo próprio Gilvan.

Na noite de segunda-feira, em plenário, sem mencionar diretamente Gleisi Hoffmann, o deputado do PL pediu desculpas a quem “se sentiu ofendido”. O pronunciamento foi feito diante do presidente Hugo Motta. Gilvan disse reconhecer que extrapolou “no calor da emoção” e, publicamente, prometeu que mudará o seu comportamento dentro das comissões e no plenário da Casa.

“Amanhã vai haver reunião do Conselho de Ética e já quero me antecipar, assumindo um compromisso de mudança de comportamento no plenário e nas comissões. Mesmo sendo atacado ou provocado pelo PT e pelo PSol, assumo o compromisso de comunicar esse ataque à Mesa Diretora e não fazer o que eu vinha fazendo”, declarou o deputado do PL.

Motta respondeu que decidiu propor a representação em face de Gilvan porque ele se excedeu. Dando um pequeno “sermão” no colega, afirmou que é preciso exercer o mandato sem agredir os outros deputados. Segundo o presidente da Casa, em casos como esse, “quem vai para a lama é a imagem da Câmara dos Deputados”.

Por outro lado, após a mordida, Motta soprou e acarinhou Gilvan, dizendo que o ato de reconhecer o erro e se desculpar “engrandece o seu mandato”:

“Enquanto presidente, nós temos que zelar por essa ordem. É por isto que a Mesa da Casa tomou essa iniciativa: porque a atitude foi uma atitude totalmente excedente do ponto de vista da atuação parlamentar. Nós vamos ver o que o Conselho de Ética irá decidir amanhã. Mas Vossa Excelência, aqui no plenário, colocando e se comprometendo a uma mudança de conduta, a uma mudança de comportamento, eu penso que isso engrandece o seu mandato. Isso, de certa forma, o coloca numa condição de reconhecimento de um excesso, reconhecimento de um erro”.

O relatório final

Em seu relatório final, lido na reunião do Conselho de Ética, Ricardo Maia argumentou que a conduta de Gilvan transbordou os limites da civilidade e da urbanidade institucional. “Os fatos em questão vão além de uma simples divergência política ou de um simples embate retórico acalorado.”

Segundo o relator, as atitudes de Gilvan afrontam o Código de Ética da Câmara (art. 4º, I), que veda o abuso de prerrogativas parlamentares e prevê punições a quem assim proceder.

Maia afirmou que as manifestações de Gilvan “ultrapassam os limites da liberdade de expressão parlamentar, com ataques pessoais e desqualificação moral, por meio de termos ofensivos e desrespeitosos que ferem a dignidade das autoridades, atingem e comprometem os valores institucionais da Câmara dos Deputados”.

“Não se trata de censura ou restrição indevida à liberdade de opinião, mas da aplicação de medida cautelar proporcional e necessária para conter abusos que afrontam a função representativa, desmoralizam o Parlamento e ameaçam a integridade do processo legislativo”, disse o relator.

Segundo o deputado da Bahia, a suspensão imediata do mandato é uma “medida legítima, proporcional e necessária, que visa preservar a dignidade da representação parlamentar e zelar pela integridade da instituição legislativa perante o povo brasileiro”.

O relator sublinhou o risco de que “atitudes semelhantes [às de Gilvan] se repitam, causando prejuízo à imagem institucional da Câmara dos Deputados, comprometendo o ambiente de trabalho das comissões, o que justifica a tomada de medida imediata e preventiva para resguardar a integridade das funções legislativas e a credibilidade do Parlamento”.

Emblematicamente, Maia concluiu seu voto com a mesma redação da primeira versão, mudando apenas o prazo da suspensão (em negrito): “O prazo sugerido, de três meses, encontra amparo legal no art. 10, III, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, e traduz resposta firme e simbólica à gravidade dos fatos, sem antecipar julgamento definitivo, resguardando-se o devido processo legal e a ampla defesa”.

A defesa de Gilvan: “Sou homem. Assumo minha punição”

Em sua defesa oral, Gilvan adiantou que, se condenado à suspensão no Conselho de Ética – como, de fato, foi –, não recorreria da decisão no plenário da Câmara. Ele reafirmou seu compromisso em cumprir a promessa feita em plenário, na noite de segunda-feira:

“Sou um homem que cumpro minha palavra. E me comprometo a, mesmo sendo atacado, sendo ofendido, vou tomar outro tipo de atitude e vou cumprir o que falei. Independente do que ocorrer aqui, já adianto que não vou recorrer, porque sou homem de palavra. […] Sou um homem honrado. Vou ser punido de cabeça erguida”.

O deputado do Espírito Santo reclamou do que entende como uso de critérios diferentes para casos análogos: “O padrão é claro: só há crime quando convém ao sistema, só há repressão quando o alvo é a oposição [ao governo Lula]”.

Insinuando tratamento desigual e vista grossa a atitudes e falas agressivas por parte de políticos de esquerda, Gilvan se colocou, nas palavras do deputado Gutavo Gayer (PL-GO), como “objeto de sacrifício para que uma lição seja dada à Câmara dos Deputados”. Ele disse esperar que igual rigor seja adotado em face de políticos de esquerda que ofendem deputados de direita e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Se a minha punição servir para que deputados e deputadas da esquerda parem de ofender o presidente Bolsonaro e sua família, que assim seja. Se a minha punição servir para que esses deputados parem de ofender ou para que também sejam punidos, que assim seja”, afirmou Gilvan, citando André Janones (Avante-MG) e “alguns deputados do PT e do PSol”. “Tem uma extrema esquerda aqui muito desrespeitosa.”

O discurso de Gilvan também foi permeado por algumas provocações ao PT e ao PSol (especificamente, ao deputado federal Glauber Braga). “Eu não agredi, eu não chutei na bunda um cidadão, eu não exigi dinheiro de assessor, eu não exigi dinheiro de empresário, eu não cometi corrupção, eu não ando com dinheiro na cueca. Serei punido por algo que eu falei.”

Em outra alfinetada no PT, ele criticou a gestão de Andrei Rodrigues à frente da Polícia Federal: “Hoje o PT idolatra a Polícia Federal. Mas, quando o ‘descondenado’ do Lula foi preso, a Polícia Federal era uma da pior de todas”.

Gilvan disse que vai se agarrar a Deus “para ter um pouco mais de equilíbrio e de sensatez diante de agressões que a gente sofre diariamente”. “Quem me confrontar, vou representar no Conselho de Ética. Vou evitar confronto”, prometeu. “Meu erro é o de ficar pilhado e reagir a uma ofensa.”

Sobre o episódio que o levou ao “banco dos réus” no Conselho de Ética, ele afirmou que, na verdade, quem começou a discussão na Comissão de Segurança foi Lindbergh Farias. O líder do PT, segundo Gilvan, foi o autor da primeira provocação, chamando-o de “deputado desqualificado” e “bandido”. “Ele queria partir para a violência.”

“Sou homem de assumir minha responsabilidade e minha punição”, repetiu, “mas, se houver justiça na Câmara dos Deputados, o deputado Lindbergh tem que ser punido também”, cobrou o bolsonarista.

Gilvan afirmou que não insultou a ministra de Relações Institucionais. “Em nenhum momento eu ofendo a deputada Gleisi Hoffmann. Eu quero que me provem. Eu qualifico o apelido ‘amante’, que está na planilha. O que é uma prostituta? É uma pessoa que vende o seu sexo por dinheiro. O político, seja ele homem ou mulher, que vende favores à empresa Odebrecht, é o quê? Então eu citei o apelido.”

O deputado disse, ainda, que nunca atacou familiares de ninguém: “Sou contrário a qualquer ataque a familiares de deputados. […] Nunca fiz como vereador de Vitória e nunca fiz como deputado. Então discordo desse tipo de conduta”.

No início de sua fala, Gilvan afirmou que sua sogra passava por cirurgia no momento da reunião, por ter sofrido um AVC. Ele agradeceu muito ao senador Magno Malta, presidente do PL no Espírito Santo, chamando-o de “amigo e irmão”. “Sempre tem uma palavra para te reconfortar.” O senador sentou-se à esquerda de Gilvan durante o “julgamento”.

O acusado terminou com a citação de duas passagens da Bíblia, nos livros de Josué e Timóteo: “Combati o bom combate, terminei a corrida, mantive a fé”.

Possível cassação do mandato

Essa foi a primeira vez que a Mesa Diretora da Câmara pediu ao Conselho de Ética a suspensão imediata do mandato de um colega, valendo-se de dispositivo incluído no Regimento Interno em junho do ano passado, por meio de resolução, durante a presidência do deputado Arthur Lira (PP-AL).

O instrumento regimental foi criado a fim de acelerar a punição de deputados por eventual quebra de decoro, antes da conclusão de processo disciplinar no Conselho de Ética. Deve ser usado com parcimônia, apenas em casos extremos (para não se instituir uma “caça às bruxas”). A Mesa Diretora entendeu tratar-se de um caso assim.

A representação foi protocolada a partir de uma provocação da Corregedoria Parlamentar. Na última quarta-feira (30), o órgão formalizou comunicação de conduta à Mesa, relatando os fatos ocorridos na véspera, durante a reunião da Comissão de Segurança. Nos termos do ofício da Corregedoria, as menções feitas por Gilvan a Gleisi Hoffmann não se “amoldariam ao padrão de comportamento esperado de representantes do povo”.

A Mesa, então, em iniciativa sem precedentes, decidiu reagir: “Diante da gravidade dos atos comunicados pelo Senhor Corregedor, a Mesa da Câmara dos Deputados […] formula a presente representação em desfavor do Senhor Gilvan da Costa Aguiar, nome parlamentar Gilvan da Federal, por procedimento incompatível com o decoro parlamentar”.

Na denúncia protocolada no dia 30, Hugo Motta e os outros quatro integrantes da Mesa que subscrevem o documento também pedem que o Conselho de Ética instaure um processo disciplinar para apurar a conduta de Gilvan. No entendimento da Mesa, o comportamento do deputado do PL se enquadra nas hipóteses que podem levar à cassação do mandato, previstas no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara.

Durante a reunião desta terça-feira, o presidente do órgão, Leur Lomanto Júnior, deixou claro que, além da análise imediata do pedido de suspensão do mandato (realizada nesta terça, em caráter de urgência), o Conselho de Ética abrirá processo disciplinar para avaliar a conduta de Gilvan, conforme também foi requerido pela Mesa. “Posteriormente terá sua tramitação regular, com instauração do processo em outra reunião e com sorteio do relator.”

A partir daí, será aberta a instrução processual, com tomada de depoimentos, oitiva do denunciado, juntada de provas etc.

Ao fim da tramitação, o processo poderá ser arquivado, ou Gilvan poderá ser condenado a uma das quatro penalidades estabelecidas pelo Código de Ética, a saber:

I – censura, verbal ou escrita;

II – suspensão de prerrogativas regimentais por até seis meses;

III – suspensão do exercício do mandato por até seis meses;

IV – perda de mandato

Gilvan, portanto, ainda corre o risco de perda definitiva do mandato.