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Coluna Vitor Vogas

Análise: Por que Do Val complicou Bolsonaro (e a si mesmo) como nunca antes?

Senador pode ter fornecido a peça que faltava para implicar pessoalmente o então presidente em crimes de “lesa-democracia”. E mais: afinal, qual é exatamente o personagem interpretado por Do Val nesta trama? Por que suas mudanças de versão em relação a Bolsonaro? E por que o então presidente ter falado ou não na reunião não faz lá muita diferença?

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Marcos do Val e Jair Bolsonaro

Em meio ao mar de recuos, contradições e “autodesmentidos” por parte de Marcos do Val (Podemos), duas certezas se impõem.

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A primeira é que, a ser verdade metade do que o senador capixaba relatou à revista Veja, estamos diante de uma das mais alopradas tentativas de golpe de Estado da história da nossa República (e houve inúmeras desde a sua proclamação).

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A segunda, a se confirmar metade dos relatos de Marcos do Val à Veja, em entrevista coletiva e em depoimento à Polícia Federal (as duas últimas nesta quinta), o ex-presidente está mais enrolado que nunca e tem muito, mas muito a explicar à Justiça brasileira.

O grau de participação do então presidente na malsinada conspiração urdida na primeira quinzena de dezembro é incerto, por conta das múltiplas mudanças de versão do senador capixaba acerca desse ponto.

Mas, a se confirmar a mera realização da reunião entre Do Val, Daniel Silveira e o então chefe da nação, no dia 9 de dezembro, para tratarem de um esdrúxulo plano visando grampear e desmoralizar o ministro Alexandre de Moraes, melar as eleições de outubro e impedir a posse de Lula, bem, a se confirmar a reunião referida por Do Val e seu teor, a conclusão é incontornável:

O então presidente da República teve participação pessoal, com conhecimento e consentimento, numa atabalhoada e fracassada conspiração golpista a fim de romper a normalidade institucional e o Estado Democrático de Direito. Quis dar golpe. Simples assim. Tentou jogar muito fora das “quatro linhas”, como ele mesmo gosta de dizer.

Se restarem comprovadas a existência dessa reunião e a natureza do que ali foi discutido, mesmo os mais céticos e relutantes terão dificuldade em deixar de ler na testa de Bolsonaro a palavra “golpista”, em maiúsculas.

De senador do baixo clero, Do Val, o colecionador de armas, foi alçado de repente à condição de homem-bomba da República.

As páginas políticas brasileiras costumam ser escritas por linhas tortas e (quem diria?) pode ter partido do senador capixaba – refratário à pecha de “bolsonarista”, mas simpático a estandartes do bolsonarismo como o armamento civil e a cloroquina no “tratamento precoce” da Covid-19 – a peça decisiva que faltava para completar o quebra-cabeça do delírio bolsogolpista no país e para acabar de complicar a vida de Bolsonaro perante a Justiça brasileira.

Do Val, logo ele, o autorrenegado bolsonarista, pode ter fornecido a peça-chave para implicar e incriminar Bolsonaro, definitivamente, por crimes contra o Estado Democrático de Direito.

O contínuo vaivém do senador, feito vara de bambu desde a madrugada de quarta para quinta, lança névoa ainda mais espessa sobre a fumaça que ele mesmo levantou.

Uma série de dúvidas precisam ser sanadas – tarefa para os órgãos de investigação competentes. Não por outra razão, Moraes acaba de determinar, na tarde desta sexta-feira (3), a abertura de novo inquérito, com esse escopo específico, para apurar os crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e coação no curso do processo.

Algumas das maiores dúvidas dizem respeito à participação do próprio Do Val no complô voluntariamente denunciado por ele.

Dependendo das respostas, o senador também pode ter complicado muito a si mesmo, sozinho, perante o Poder Judiciário.

Conforme o desenrolar dos fatos e das investigações, Do Val, esse dúbio personagem, pode se consolidar na história política brasileira como o homem que ajudou a afundar de vez Bolsonaro (e saiu ileso); como o homem que ajudou a destruir Bolsonaro (e afundou junto com ele, como cúmplice da trama golpista); ou como o homem que incriminou Bolsonaro, mas depois se arrependeu por alguma razão e passou a operar para salvá-lo.

> De colecionador de armas a homem-bomba da República, Do Val se enrolou em várias frentes

Perguntas necessárias

A atuação errática de Do Val nesse teatro de sombras e suas constantes contradições lançam alguns questionamentos cruciais sobre os quais precisamos refletir:

Por que o senador teria dado espontaneamente a entrevista à Veja, consciente de ter sido gravado pelo repórter da revista, afirmando objetivamente que Bolsonaro não só ouviu como deu a ordem para o plano golpista, para depois, na quinta de manhã, desmentir suas próprias palavras em entrevista coletiva e afirmar que Bolsonaro limitou-se a escutar o plano apresentado a ele por Silveira, na reunião entre os três?

Por que o senador teria dito nas primeiras horas de quinta, em live com o MBL, ter sido coagido pelo próprio Bolsonaro a participar de um golpe de Estado, para à tarde, diante da Polícia Federal, contradizer as próprias palavras e afirmar que Bolsonaro só abriu a boca à saída do encontro?

É acintosa a mudança de versão do senador com o intuito de tentar aliviar a barra de Bolsonaro, o mesmo a quem ele próprio implicou na aloprada trama.

Bolsonaro: tendo falado ou calado, está enrolado

A bem da verdade, porém, o fato de o então presidente ter ou não aberto a boca é só uma questão de se saber o quão fundo o capitão mergulhou na lama/trama golpista (mas mergulhado ele esteve, se for verdade que ocorreu a reunião); questão apenas de se medir a gravidade dos crimes de “lesa-democracia” praticados por ele (pois crimes ele praticou de qualquer forma, se for verdade a ocorrência da reunião, aliás já confirmada pelo senador Flávio Bolsonaro, para quem, porém, “não houve crime”).

Não faz lá tanta diferença, sinceramente. Até porque o principal não foi desmentido por Do Val.

Tanto na entrevista coletiva como no depoimento à Polícia Federal, o senador sustentou sua versão de que Bolsonaro esteve presente, em reunião com ele e com Silveira no dia 9 de dezembro, na qual se tratou abertamente de um plano conspiratório visando à aplicação de um golpe de Estado.

Ora, seja como for, tenha Bolsonaro aberto ou não a boca no encontro a portas fechadas, estamos diante de um presidente da República diretamente envolvido em uma conspiração golpista. E mais: tanto na entrevista coletiva como no depoimento à Polícia Federal, Do Val sustentou que em momento algum o então presidente demonstrou contrariedade ante a proposta apresentada por Silveira.

Ora, quem cala consente. Se estava ali ouvindo uma proposta dessa natureza, participando desse tipo de conversa, e nada fez a respeito, é mais que prevaricação. É cumplicidade mesmo. Afinal, como ouvinte ou “falante”, por que Bolsonaro teria participado de conversa com esse teor se não tivesse interesse direto no assunto e, portanto, na execução do plano?

Por que a Presidência da República mandou, conforme relato de Do Val, um carro oficial buscá-lo para o referido encontro no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente?

Por que, segundo o próprio senador, o GSI e a Abin poderiam participar, com aparato técnico, da operação para grampear Moraes?

E mais: o interesse total de Bolsonaro é reforçado por outra parte do relato de Do Val jamais desmentida pelo senador, nem à Polícia Federal nem aos jornalistas: a de que, ao despedir-se de Do Val, o então presidente teria dito ao senador que esperava a sua resposta.

“Aí a única coisa que o presidente falou foi o seguinte: ‘Então tá, então a gente aguarda e você manda a mensagem’”, afirmou o senador, em entrevista à repórter Marina Franceschini, da GloboNews, no início da tarde de quinta, complementando que, para ele, “ficou claro que o presidente já sabia desse assunto antes”.

Em outro momento da entrevista, Do Val disse que a frase de Bolsonaro para ele à saída foi: “Então a gente espera a sua resposta”.

Ora, “a gente espera a sua resposta” sobre o quê? Elementar: se ele estava dentro ou fora; se aceitava ou não a “missão”; se topava ou não executar a sua parte no plano, encontrar Alexandre de Moraes, grampeá-lo e registrar alguma fala comprometedora do presidente do TSE para levá-lo à prisão e melar o resultado das eleições vencidas por Lula. Não há outra interpretação possível.

Por que a mudança súbita e radical da narrativa de Do Val?

A Veja começou a divulgar os áudios das declarações de Do Val em sua entrevista à revista. Com isso, o que fica parecendo mentira não é a primeira versão do senador (para a revista), mas os seus posteriores desmentidos.

A questão que então impõe-se é: por que, após dar a entrevista à Veja e ter plena consciência de todas as suas falas espontâneas que a revista tinha gravado, Do Val ainda assim decidiu mudar a sua versão e, de uma hora para outra, passou a tentar poupar Bolsonaro, ou atenuar a participação do ex-presidente na tramoia relatada por ele?

Por que mudou a sua versão mesmo sabendo que a Veja possuía a gravação completa do seu depoimento original e se a incoerência do desmentido é tão flagrante?

Ora, os áudios publicados pela Veja não provam que aquilo tudo aconteceu como ele disse, mas provam que ele disse que aquilo tudo aconteceu.

Não provam o que aconteceu, mas provam o que, num primeiro momento, Do Val disse ter acontecido.

Sendo assim, um dos pontos mais intrigantes da trama é o que realmente ocorreu naquelas primeiras horas da manhã de quinta-feira, entre o “fui coagido por Bolsonaro” da madrugada e o “ele só ouviu calado” da entrevista coletiva dada pelo senador no fim da manhã e no depoimento à Federal na quinta à tarde.

Vários órgãos de imprensa trouxeram a informação de que, na manhã de quinta, Do Val recebeu ligações de filhos do ex-presidente… O próprio senador afirmou que Eduardo e Flávio Bolsonaro, além de outros políticos com quem conversou, o convenceram a não abandonar a cadeira no Senado.

Podem tê-lo convencido de outras formas. E pode estar aí a chave oculta para a compreensão da guinada.

Adendo

Em live em suas redes sociais na manhã desta sexta-feira (3), Do Val chamou Flávio e Eduardo Bolsonaro de “parceiraços”. Menos de 48 horas antes, declarou para o mundo que o pai dos “parceiraços” o coagiu a ajudá-lo a executar um golpe de Estado. E criou um monumental problema para o chefe do clã dos parças.

Pouco depois, em entrevista exclusiva à CNN Brasil, o senador capixaba afirmou que “fez um glamour” na entrevista à Veja, dando a entender que sobrevalorizou a participação de Bolsonaro na história. “Eu aqui reconheço que não deveria ter ultrapassado essa linha.”

Glamour?!? Não dá para querer ser levado a sério assim.


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Vitor Vogas

Nascido no Rio de Janeiro e criado no Espírito Santo, Vitor Vogas tem 38 anos. Formado em Comunicação Social pela Ufes (2007), dedicou toda a sua carreira ao jornalismo político e já cobriu várias eleições. Trabalhou na Rede Gazeta de 2008 a 2011 e de 2014 a 2021, como repórter e colunista da editoria de Política do jornal A Gazeta, além de participações como comentarista na rádio CBN Vitória. Desde março de 2022, atua nos veículos da Rede Capixaba: a TV Capixaba, a Rádio BandNews FM e o Portal ES360. E-mail do colunista: [email protected]

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