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Coluna Vitor Vogas

A “Revolta da Bolsa”: base de Casagrande na Ales se rebela e impõe incrível derrota ao governo

Logo no primeiro dia de votação de projetos do Executivo, discussão sobre bolsa para alunos expõe profundas divisões na base, em “levante” liderado por Gandini. Deputados governistas importantes bateram de frente e com força no plenário, mostrando que o Palácio tem muito trabalho pela frente…

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Em primeiro plano (de costas), Tyago Hoffmann; em segundo plano, Gandini. Foto: Lucas S. Costa/Ales

Algo muito estranho está ocorrendo dentro da base do governo Casagrande na Assembleia Legislativa. Às vésperas do carnaval, a última sessão plenária antes da pausa para a folia revelou um bloco perfeitamente desarmônico. 

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Na manhã desta quarta-feira (15), logo na primeira sessão do ano para votação real de matérias, um projeto singelo do governo, prevendo a criação de bolsas para alunos da rede pública estadual, foi o estopim para um verdadeiro motim. 

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Puxada por Fabrício Gandini (Cidadania), a rebelião em plenário expôs uma base dividida; levou deputados governistas de peso a trombarem de frente (e em público); provou que a eleição de 2022 e a da Mesa Diretora deixaram fraturas ainda expostas; e indicou que o Palácio Anchieta terá trabalho, talvez muito mais do que imaginava, para controlar seus próprios aliados. Antes de se preocupar com a oposição, o governo terá de se empenhar em reagrupar e garantir a unidade da própria base. 

Para se ter uma ideia, no auge do levante levantado por ele mesmo, Gandini protagonizou uma colisão frontal com ninguém menos que Tyago Hoffmann (PSB). Chegou a dizer que o ex-secretário de Governo estaria inaugurando “a política do medo” e do “terrorismo” na Assembleia. 

Do lado de Tyago no embate, Denninho Silva (UB) afirmou, da tribuna, que conhece esse “teatro” (de Gandini) desde os tempos de Câmara de Vitória. E Vandinho Leite (PSDB) tratou de meter o dedo na ferida e torcer, apontando a “desorganização da base” e externando com todas as letras a possível causa real da rebelião: “tratamento desigual do governo a deputados da base”. Atenção: todos os deputados citados neste parágrafo pertencem, em teoria, à coalizão de Casagrande.

O governo, a propósito, amargou uma surpreendente derrota em plenário, com uma emenda proposta por Gandini e indesejada pelo Palácio, dobrando o valor da bolsa estudantil, aprovada pelo apertado placar de 13 votos a 12. 

Para conter um estrago ainda maior, deputados governistas derrubaram o quorum da sessão após a aprovação da mudança no texto, impedindo que o projeto fosse a votação com o novo valor dado pela emenda de Gandini.

Entenda a treta: o estopim de tudo

O princípio de toda a discórdia, por incrível que pareça, foi um projeto muito simples e positivo, cujo mérito nenhum deputado negou: o que institui a Bolsa-Estudante para alunos regularmente matriculados na 4ª série do ensino médio de escolas da rede pública estadual.

O projeto prevê o pagamento de uma bolsa de R$ 400,00, ao longo de onze meses, a 120 alunos de 17 a 19 anos, selecionados por meio de edital e que cumpram alguns pré-requisitos. O impacto financeiro para o Estado neste ano seria de R$ 528 mil.

O projeto foi enviado por Casagrande na véspera e colocado em votação em regime de urgência, em sessão extraordinária, na manhã desta quarta. As comissões de Justiça, de Finanças e de Educação analisaram o projeto em reunião conjunta.

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A emenda: Gandini dobra o valor 

Logo no início da discussão em plenário, Gandini, como membro da Comissão de Educação, propôs uma emenda oral ao projeto, dobrando a bolsa mensal para cada aluno, de R$ 400,00 (“valor ínfimo”, segundo ele) para R$ 800,00. 

Nesse caso, o impacto financeiro também dobra, passando para R$ 1.056.000,00 – conforme calculou e afirmou em plenário o autor da emenda. 

Gandini citou como exemplo o Auxílio Brasil. No início da pandemia, o valor proposto pelo governo Bolsonaro era de R$ 200,00, mas chegou a R$ 600,00 após pressões e discussões no Congresso. 

Os argumentos contrários

O líder do governo e presidente da Comissão de Educação, Dary Pagung (PSB), respondeu de pronto que a emenda oral de Gandini não poderia ser aceita, pois tornaria o projeto inconstitucional, inviabilizando sua aprovação em plenário. 

Isso porque a emenda não continha formalmente o impacto financeiro (conta de cabeça, sem estar no papel, não vale) e, acima de tudo, porque a Assembleia estaria criando para o governo uma despesa não prevista no orçamento estadual, o que é inconstitucional. 

Reiterando esses argumentos, o presidente da Comissão de Justiça, Mazinho dos Anjos (PSDB), deu parecer contrário à emenda de Gandini, que rebateu: 

– O presidente da Comissão de Educação [Dary] deveria ser o primeiro a apoiar a emenda. Entendo que isso é uma decisão política de se manter o valor de R$ 400,00. Não tem nenhuma inconstitucionalidade.”

Foi o início do desentendimento. 

Favorável à emenda de Gandini, a deputada Iriny Lopes (PT), também da base governista, dirigiu-se ao líder do governo: “Dary, seja mais presidente da Comissão de Educação e menos líder do governo. O uso do cachimbo entorta a boca”. 

Curiosamente, deputados do PL, como Callegari – contrários ao PT e ao governo Casagrande –, também apoiaram a emenda de Gandini.

Mas, contrários à emenda, alguns deputados da base, como Janete de Sá (PSB), alertaram para o risco de o plenário aprovar a emenda e, com a elevação do valor e a consequente criação de gastos extras, levar o governador a vetar o projeto inteiro, deixando os alunos no fim das contas sem bolsa alguma (nem de R$ 400,00, muito menos de R$ 800,00). 

–  Não podemos enganar a população – disse Janete. – Não podemos jogar para a plateia, com algo que não podemos fazer porque é inconstitucional. E aí vai prejudicar os estudantes, que ficarão sem a bolsa.

Camila Valadão (PSol) apresentou argumentação parecida. E o mesmo fez Tyago Hoffmann (PSB), presidente da Comissão de Finanças, com ainda maior veemência.

Gandini rebateu: “São narrativas”. 

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O quebra-pau entre Gandini e Tyago

Colocada em votação por Mazinho dos Anjos na Comissão de Justiça, a emenda de Gandini foi rejeitada, por 5 a votos 2. O projeto do governo foi aprovado, sem a emenda, nas três comissões (Justiça, Finanças e Educação). 

Inconformado, Gandini recorreu ao plenário e pediu votação nominal da emenda em destaque (pedido aprovado em plenário). Aí o caldo entornou entre ele e Tyago Hoffmann: 

– Quero encaminhar essa votação pela rejeição da emenda do deputado Gandini – disse Tyago, como vice-líder do governo. E alertou:  

– A emenda é inconstitucional e não pode ser aprovada. Isso inaugura um debate nesta Casa que pode fazer com que esse projeto receba da Procuradoria do Estado parecer pela inconstitucionalidade e, consequentemente, fazer com que esse projeto receba o veto total do governador do Estado. Então faço um alerta aos deputados: se esse projeto for vetado pelo governador, ele não pode mais retornar este ano, e os alunos ficarão sem a bolsa. E aí esta Casa vai ser responsável pelos alunos ficarem sem a bolsa, caso isso ocorra. E aí os deputados que votarem têm que depois assumir a responsabilidade por deixar esses estudantes sem a bolsa. Deputado Gandini, não estou entendendo seu ímpeto, com todo o respeito a Vossa Excelência.

Gandini então se exaltou e retrucou: 

– Vossa Excelência não cite o meu nome, senão também vou citar o seu!

E então a passou a “denunciar” a instauração do “terror” na Casa:

– Inaugura-se hoje a política do medo na Assembleia. Eu achei estranho: terrorismo. Quer dizer então que, se não aprovar do jeito que o governo quer, eles não vão dar a bolsa? É isso que estou entendendo. Eles podem vetar. Nós derrubamos o veto. Esta Casa é soberana para derrubar o veto. E [o governo] vai ter que pagar. E vai ter que pagar! E vai ter que pagar! Como foi no Congresso Federal. […] Estou espantado que o governo agora não vai pagar. Está sendo falado agora aqui pra todo mundo. O líder do governo [Tyago] está falando que não vão pagar a bolsa se a gente não fizer o que eles querem, se a gente não rezar a cartilha deles, não se submeter à vontade soberana do governo. Isto aqui é a Assembleia. Esta é a casa da discussão. Agora vão interromper a discussão com ameaça? “Política do medo”? Eu nunca tinha visto isso aqui. Não tem nenhum deputado bobo aqui, não! Ninguém aqui foi eleito por alienígena, apesar de ter Ovni aparecendo… […] Esse é um marco importante, para mostrar que a Assembleia discute, sim, as matérias, e não vai ficar com medo de ameaça feita por líder de governo.

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Emenda aprovada em plenário: mais dissidências

Colocada em votação no plenário, a emenda de Gandini acabou aprovada por 13 votos a 12, incluindo alguns votos favoráveis dados por outros deputados da base de Casagrande, como Adilson Espindula (PDT), José Esmeraldo (PDT), Xambinho (PSC) e Vandinho Leite (PSDB), além de Gandini e toda a oposição.

Reações à votação: os recados de Vandinho para o governo

– Já estou acostumado com esse teatro desde a Câmara Municipal de Vitória, de querer jogar para a plateia e nos jogar contra a educação, contra a saúde, contra a segurança… – afirmou Denninho, na justificativa de voto, referindo-se a Gandini, mas chamando-o de “amigo”. 

Mas quem pôs mesmo o dedo na ferida foi Vandinho: 

– Este processo mostra claramente uma desorganização da base. Uma matéria teoricamente simples do governo que chega na Casa, e a gente vê a base batendo cabeça. Batendo cabeça, no meu entender, por tratamentos desiguais entre os parlamentares que fazem parte da base. O governo precisa refletir sobre isso: alguns parlamentares muito atendidos e outros pouco ou quase nada atendidos.

Preterido por Casagrande na eleição da Mesa Diretora, o tucano prosseguiu com um alerta cheio de recados implícitos para o governo: 

– Acho que o deputado Gandini deu uma grande contribuição para os alunos e também para esta Casa, no início da legislatura. Gandini coloca um formato em que o governo precisa refletir como pretende atender sua base, se não quiser jogar vários parlamentares na oposição. Ficou muito claro: partidos mais atendidos, outros menos atendidos; deputados mais atendidos, outros menos atendidos… E a gente vê o reflexo na votação. […] Neste momento, Gandini instala um sinal importante para que o governo reflita melhor como quer montar uma base nesta Casa. 

Sessão derrubada: recuo tático do governo 

Por fim, a base do governo esvaziou o plenário, derrubando a sessão. A emenda de Gandini foi aprovada, mas a votação do projeto ficou para depois do carnaval. 

Num ato final, Gandini ironizou:

– Como muda rapidamente… O projeto era urgente, importante para as crianças e agora vai ficar para depois do carnaval. Como as coisas mudam… (risos)


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