Coluna Vitor Vogas
O principal motivo da queda do secretário estadual de Saúde
E mais: Tyago Hoffmann e a nova missão do homem de confiança de Casagrande, consolidado como o maior curinga no baralho do governador
Na era da hiperconexão digital, uma comunicação pública bem-feita é vital para o sucesso de qualquer governo. Com o advento das redes sociais e os cidadãos a buscar e demandar informações em tempo real, uma comunicação institucional certeira, célere e eficaz se faz ainda mais importante. Nos últimos anos, a explosão das fake news dobrou o desafio: é preciso não somente saber comunicar as decisões e medidas do governo, mas desmentir e combater continuamente as campanhas de desinformação – de preferência, antecipando-se a elas, ou captando-as e reagindo o mais rápido possível.
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No Espírito Santo, logo após tomar posse para o terceiro mandato, no começo de 2023, o governador Renato Casagrande (PSB) teve uma primeira reunião geral com o secretariado. Qual foi a principal diretriz que ele passou à sua equipe? Exatamente, a ênfase na comunicação. A ordem foi comunicar e explicar as ações e decisões do governo, estar sempre à disposição para prestar os esclarecimentos necessários e dar respostas à sociedade, seja diretamente – por meio dos canais oficiais –, seja por intermédio da imprensa profissional.
Passada a metade do mandato, a falta de comunicação com o público foi exatamente o que custou o cargo ao até então secretário estadual da Saúde, o gaúcho Miguel Paulo Duarte Neto.
No último dia 2, Casagrande anunciou a substituição do secretário pelo deputado estadual Tyago Hoffmann (PSB), enquanto Miguel foi deslocado para a gestão da Fundação iNOVA Capixaba, a qual gere hospitais da rede pública estadual. Seguirá colaborando com o governo, numa função estritamente técnica, mas foi, indiscutivelmente, rebaixado.
Não só o nome de Tyago Hoffmann como o momento do anúncio pegaram a todos de surpresa. Tyago era de fato cotado, desde meados do ano passado, para voltar ao alto escalão do governo Casagrande, mas não no comando da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). E algumas mexidas na equipe eram não só esperadas como admitidas por Casagrande, mas a partir de fevereiro, após a eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, no próximo dia 3.
Por que a mudança inesperada, em um momento idem, e por que a escolha de alguém com o perfil de Tyago Hoffmann?
Com base em nossa apuração junto a fontes anchietanas, a alta cúpula do governo Casagrande não vinha satisfeita com o desempenho de Miguel e concluiu que, em dois anos no cargo, ele não conseguiu se firmar como secretário da Saúde, sobretudo por um motivo: não comunicar as ações da Sesa.
Dono de um belo currículo como diretor de hospitais inclusive em outros estados, Miguel é um técnico, um gestor hospitalar, mas, definitivamente, não é um comunicador. Nesses dois anos à frente da Sesa, mostrou-se tímido e tíbio nesse aspecto tão fundamental. Concedeu bem poucas entrevistas. Raramente falava ao público e, quando o fazia – na avaliação de um auxiliar de Casagrande –, deixava a sensação de que talvez fosse melhor não tê-lo feito. Ficavam se perguntando se deveriam mesmo tê-lo escalado.
Mais de uma vez, a alta cúpula do governo se viu na situação de precisar escolher entre ele e um subsecretário para atender à imprensa sobre um tema de alta importância, uma questão de saúde pública.
A gota d’água foi a pauta do oropouche, doença viral provocada por um mosquito, a qual passou a preocupar os capixabas – o Espírito Santo concentra 90% dos casos registrados no país.
Segundo um colaborador de Casagrande, o secretário estava de posse de todos os dados e informações necessárias para sair na frente e liderar uma bela campanha informativa para o público. Isso não foi feito. Mesmo tendo tudo em mãos, a Sesa não fazia os alertas, enquanto o Laboratório Central de Saúde Pública do Espírito Santo (Lacen) liderava a qualificação das amostras e dava sinais de que teríamos surtos da doença.
No entendimento do Palácio Anchieta, a invisibilidade do secretário estava gerando invisibilidade para as ações da Sesa, pasta com o maior orçamento (R$ 3,8 bilhões em 2025), com uma gama de serviços diretos e essenciais à população (a chamada “secretaria fim”) e, portanto, fundamental para os planos do governo até do ponto de vista eleitoral. Para ficar em um exemplo, o governo planeja inaugurar, no ano que vem, o tão aguardado Hospital Geral de Cariacica.
Com a sucessão de Casagrande se aproximando, o governo entende que este ano é preciso “correr atrás do prejuízo” e mudar radicalmente esse perfil meio apagado adquirido pela pasta na gestão de Miguel; “politizar” o portfólio da Sesa, isto é, divulgar o que tem sido feito, dar publicidade às ações, levá-las ao conhecimento dos cidadãos/eleitores e, consequentemente, capitalizar eleitoralmente os resultados. É aí que entra Tyago Hoffmann. É por isso que ele foi escolhido.
A fome com a vontade de comer
A opção de Casagrande, por surpreendente que tenha soado, é um caso típico de encontro da fome com a vontade de comer. Como é sabido e admitido por ele próprio, o deputado estadual pretende se candidatar a federal em 2026, e é uma das principais apostas do PSB para isso. Com perfil político, mas agregando bagagem técnica, Tyago é uma espécie de híbrido.
Sim, para se projetar rumo à sempre dificílima eleição para deputado federal, Tyago já deveria mesmo voltar a ocupar um lugar no secretariado, em uma secretaria fim, com entregas. Isso estava mesmo nos planos do Palácio e do PSB. Mas acreditava-se numa pasta como a da Agricultura (com muitas entregas pelo interior do Estado), não a da Saúde, que, sim, tem entregas, mas também uma gama de abacaxis diários ainda maior para descascar.
Era preciso, assim, projetar Tyago, mas era preciso, antes de tudo, substituir Miguel Duarte Neto, para tirar a Sesa do esconderijo. A escolha obedeceu, então, a essas duas motivações. Por que Tyago de volta ao governo? Para ajudar a elegê-lo federal. Por que Tyago de volta ao governo, à frente logo da Sesa? Para resolver urgentemente o problema diagnosticado de “apagamento” da Saúde.
Tyago então foi escalado, acima de tudo, para “politizar” (no bom sentido) as ações da Sesa, maximizando sua visibilidade: se, no cumprimento da missão, conseguir ampliar a própria visibilidade, tanto melhor para eles. Uma coisa é consequência da outra. Casagrande quer matar duas bolas com a mesma tacada.
A mudança, aliás, já começou:
Na última segunda-feira (13), por exemplo, Tyago publicou um vídeo ao lado dos seus subsecretários e da epidemiologista Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, “para discutir estratégias no enfrentamento ao aumento das arboviroses, doenças transmitidas por mosquitos”.
Na quarta-feira (15), o novo secretário de Saúde e Casagrande publicaram um vídeo, em frente ao Palácio Anchieta, anunciando 20 mil teleconsultas em 11 especialidades médicas.
Contraste com Nésio Fernandes
Paradoxalmente, a invisibilidade de Miguel ficava ainda mais “visível” por contraste com o secretário anterior (que até contribuiu na sua indicação): a despeito de qualquer outra qualidade ou defeito de Nésio Fernandes (PCdoB), ninguém pode negar que ele estava sempre disponível para falar e que mostrava muita boa capacidade de comunicação – característica maximizada ao longo da pandemia.
É até difícil imaginar, por exemplo, Miguel dando aquelas coletivas semanais para orientar a população e atualizar a imprensa sobre a evolução da pandemia.
A versatilidade de Tyago Hoffmann
A nomeação de Tyago para a Sesa prova, antes de tudo, duas coisas:
1) O quanto ele segue fazendo parte do círculo de confiança mais estreito de Casagrande;
2) O quanto o governador o tem como um grande curinga.
De trânsito a saúde pública, passando por coordenação de campanha e cursos profissionalizantes, o deputado joga nas onze posições e, se for preciso, faz as vezes de juiz, VAR, gandula, massagista, roupeiro e auxiliar técnico do time.
Pouca gente se lembra, mas o primeiro cargo que Tyago ocupou no Governo do Estado, ainda na primeira gestão de Casagrande (2011-2014), foi justamente o de subsecretário de Saúde. Foi então que o governador passou a vê-lo como um gestor competente e muito comprometido.
Economista por formação, Tyago foi chefe da Casa Civil ainda no primeiro governo Casagrande. Depois, com a derrota do pessebista para Paulo Hartung, ele se tornou secretário municipal de Transportes, Trânsito e Infraestrutura Urbana de Vitória, na administração de Luciano Rezende (Cidadania).
No segundo governo Casagrande (2019/2022), foi um poderoso secretário de Governo e, depois, chefe da turbinada Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional.
Em 2022, em sua primeira candidatura, foi eleito deputado estadual. Tornou-se presidente da Comissão de Finanças e vice-líder do governo na Assembleia. Licenciou-se agora do mandato.
No meio do percurso, Tyago ainda desempenhou outras funções bem estratégicas. Em 2019, foi ele quem encabeçou a criação do Fundo Soberano (uma superpoupança do governo com dinheiro do petróleo). Em 2022, já eleito deputado, assumiu a coordenação geral da campanha de Casagrande no complicado 2º turno contra Carlos Manato (PL).
O perfil de Miguel
Gaúcho, Miguel Paulo Duarte Neto é economista (como Tyago Hoffmann), administrador, bacharel em Ciências Contábeis e tem quatro MBAs no currículo: em Gestão Hospitalar, em Finanças, em Auditoria e Controladoria e em Docência do Ensino Superior.
Entre 2020 e 2022, ele foi diretor-geral do Hospital Geral, no Parque Moscoso, que acabara de passar para a gestão da fundação iNOVA – criada durante a passagem de Nésio Fernandes pela Sesa. Seu bom desempenho no cargo foi o que despertou a atenção de Casagrande e o levou a convidá-lo para assumir a Sesa, no fim de 2022.
Capacidade de diálogo: uma “profecia”
No dia 19 de dezembro de 2022, logo após ser diplomado no TRE-ES para o terceiro mandato de governador, Casagrande resumiu assim o perfil que então buscava para o lugar de Nésio na Sesa, listando três pré-requisitos:
“Eu não tenho restrição. Quero só que a pessoa seja de fato um defensor do Sistema Público de Saúde, tenha essa capacidade de gestão e essa capacidade de dialogar.”
A defesa do SUS é um pressuposto na trajetória de Miguel. Na “capacidade de gestão”, por todo o dito acima, também podemos dar check.
Quanto à “capacidade de dialogar”, publicamos naquele dia: “terá de ser provada pelo futuro secretário, no exercício do cargo. E será talvez de fato o seu maior desafio, haja vista os inúmeros e enormes interesses (inclusive políticos e econômicos), muitas vezes conflitantes, envolvidos na gestão da Sesa”.
A importância da comunicação
A título de exemplo, o governo Lula (PT) está levando uma surra dos propagadores de fake news, perdendo feio a batalha da comunicação na arena pública digital. Nesta semana, tivemos mais uma prova disso, com o recuo (ou rendição) do Planalto com relação à proposta da Receita Federal de fiscalizar movimentações financeiras via PIX para, nas palavras do ministro da Economia, Fernando Haddad (PT), pegar grandes sonegadores fiscais.
Ao curvar-se diante da onda de desinformação, o governo Lula, de certo modo, validou as fake news. Muita gente na certa está pensando que a ideia era mesmo criar o “imposto do PIX” e que foi por isso que o governo decidiu voltar atrás. Isso jamais esteve em avaliação, mas foi a “narrativa” que prevaleceu – a ponto de Lula, por influência do novo secretário de Comunicação, Sidônio Palmeira, ter decidido retirar da mesa a ideia defendida por Haddad.
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