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Coluna Vitor Vogas

O plano do governo Casagrande para concessão dos parques naturais

Entenda aqui o programa que deve levar o governo a conceder seis parques estaduais à iniciativa privada, com explicações detalhadas do seu idealizador: o secretário Felipe Rigoni

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Parque Paulo César Vinha, em Guarapari. Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

Parque Paulo César Vinha, em Guarapari. Foto: Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

O governo de Renato Casagrande (PSB) está determinado a conceder os parques naturais estaduais para a iniciativa privada. Isso é um fato, mas a frase assim, solta, diz pouco e deixa muitas dúvidas. Como assim “conceder”? A ideia é “privatizar” os parques? Não é “privatizar”? Qual é o plano do governo? Do que estamos falando, exatamente? E quem é que ganha com isso? Em busca de explicações e de maior detalhamento, conversamos com o idealizador do programa e responsável por tocá-lo no governo: o secretário estadual do Meio Ambiente, Felipe Rigoni (União Brasil).

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Para começo de conversa, quando falamos em “parques naturais estaduais”, estamos tratando de seis unidades de conservação ambiental: o Parque de Itaúnas, em Conceição da Barra; o Parque Paulo César Vinha, em Guarapari; o Parque Cachoeira da Fumaça, entre Ibitirama e Alegre; o Parque Forno Grande, em Castelo; o Parque Mata das Flores, em Castelo; e o Parque Pedra Azul, em Domingos Martins.

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Todos eles são de propriedade do estado do Espírito Santo – e assim permanecerão. Hoje, a gestão integral dos seis parques fica a cargo do Governo do Estado – especificamente, do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). O custo de manutenção para o erário não foi precisado por Rigoni. “A administração dos parques está no orçamento do Iema. O custo é razoavelmente alto. E é, basicamente, com pessoal. Sempre falta gente”, afirma o secretário.

“Parques naturais” consistem numa das categorias das chamadas “unidades de conservação ambiental”. Estas podem ser de vários tipos. Existem, por exemplo, as “reservas biológicas”, como a de Sooretama, unidade de conservação ambiental em que o ente público isola a natureza para fins exclusivos de preservação. Reservas biológicas não são abertas a visitação turística. Nelas, a presença humana é reduzida ao mínimo possível (somente pesquisadores e servidores do órgão ambiental).

Já os parques naturais são unidades de conservação que se dividem em duas finalidades: preservação ambiental e visitação. “Essas unidades têm objetivo duplo. São lugares onde as pessoas são bem-vindas para visitarem e contemplarem a natureza”, explica Rigoni. Em geral, a parte aberta à visitação e à circulação humana corresponde a uma fração mínima da área total do parque, a qual podemos chamar, grosseiramente, de “área de visitação pública”.

“Um parque natural é dividido, basicamente, em duas áreas. A ‘área intangível’ é aquela que não pode ter circulação de pessoas. E a que pode ser chamada de ‘tangível’ é a área de uso público, que pode ter visitação”, diferencia o secretário.

No plano de concessão dos seis parques naturais capixabas à iniciativa privada, o que o Governo do Estado quer fazer é conceder, a empresas particulares, o direito de exploração de atividades comerciais e turísticas a serem desenvolvidas nessa “área de visitação pública” já existente em cada um dos seis, mediante uma série de contrapartidas. A mais importante delas: justamente o fortalecimento da preservação ambiental em todo o território do parque, com uma série de medidas que a empresa concessionária terá de se comprometer, contratualmente, a adotar.

“O que vamos fazer aqui é conceder a gestão do uso público dos parques”, resume Rigoni. “Vamos conceder o direito de exploração econômica dentro dessas áreas de uso público”.

Dentro da área de uso público do parque concedido, a concessionária poderá explorar alguns serviços: de visitas guiadas cobradas a hospedagem. Os termos dos contratos, ainda em fase de elaboração, especificarão os tipos de serviço e atividade que poderão ser desenvolvidos em cada parque, caso a caso.

Rigoni adianta que os seis deverão passar a ter lanchonetes e/ou restaurantes. Alguns poderão ter, por exemplo, tirolesas, teleféricos e até pequenas estruturas hoteleiras. “Cada parque terá estruturas para garantir uma experiência adequada ao turista”, informa o secretário.

Ele cita o Parque Estadual Paulo César Vinha, em Guarapari, que poderá ter um espaço para a construção de bangalôs de frente para o mar (em área hoje degradada) e até um teleférico, ao longo da trilha que vai da entrada da unidade até a Lagoa Caraís, vulgarmente conhecida como “Lagoa Coca-Cola”, devido à coloração escura de suas águas. “Quem pode ver terá, de um lado, a vista da praia; do outro, a vista das montanhas de Buenos Aires [área rural de Guarapari]. Até eu posso ver potencial turístico nisso”, brinca Rigoni, que é cego.

E quanto à cobrança de entradas? Por acaso as futuras concessionárias poderão, por contrato, cobrar dos visitantes um valor pelo ingresso na unidade de conservação e pelo usufruto das belezas naturais contidas na área do parque? Rigoni responde que sim, exceto em dois casos: nos parques de Itaúnas e Paulo César Vinha, isso não será permitido, pois os dois estão em áreas litorâneas – e, pela legislação brasileira, ninguém pode cobrar pelo acesso a praias. A faixa de valores dos ingressos deverá ser discriminada no contrato de concessão, em cada caso.

Haverá, porém, algumas gratuidades, sendo duas bastante importantes: moradores do município em que o parque se situa e pessoas inscritas no CadÚnico (logo, de baixa renda) não precisarão pagar para ingressar nas dependências do parque.

Por que conceder os parques?

A modelagem da concessão pública ainda não está inteiramente definida. Para desenhá-la em cada ínfimo detalhe, a Seama contratou, no fim do ano passado, por R$ 8,6 milhões, os serviços de consultoria da empresa Ernst Young. A multinacional com sede em Londres começou a prestar seus serviços em janeiro deste ano, e o contrato se encerrará em março de 2025.

Conceitualmente, Rigoni faz uma defesa enfática da proposta de concessão dos parques naturais estaduais ao setor empreendedor precisamente como a melhor forma de ajudar a preservá-los – contrariando, assim, os críticos ou céticos que temem possível aumento do desmatamento e da degradação no interior dessas unidades de conservação ambiental.

“Primeiro é preciso dar um passo atrás e dizer que o conceito que temos aqui na Seama e no Governo do Estado é que é possível aliar e alinhar preservação ambiental com geração de emprego e renda, criação de oportunidades e de prosperidade. E por isso pensamos num projeto de concessão pública que, provavelmente, é o melhor exemplo que existe em termos de aliar preservação ambiental com geração de emprego e renda”, defende o secretário.

“A concessão de parques naturais tem sido feita em vários lugares do mundo. E isso tem se tornado, cada vez mais, uma tendência no Brasil. Nós temos parques como o de Jericoacoara [no Ceará], que acabou de ser concedido, e como o de Foz do Iguaçu [no Paraná], que é concedido desde 1991. O contrato de concessão de Foz durou 30 anos e foi renovado em 2021, sob nova modelagem. Após essas três décadas de aprendizagem, a nova modelagem ficou muito boa e está nos servindo de inspiração. Essas concessões funcionam muito bem, aliando preservação com geração de emprego e renda. O próprio ICMBio tem feito as concessões dos parques naturais nacionais”, exemplifica Rigoni.

Seguindo na discussão conceitual, o secretário e ex-deputado federal enfatiza que o Governo do Estado seguirá sendo o “dono” dos seis parques em questão – o que derruba, de plano, a ideia de “privatização” –, mas transferirá a empreendedores atividades que, a seu ver, não são papel do Estado e são muito mais bem-feitas por quem de fato entende do assunto:

“O Estado continuará gerindo os parques. Isso é importante dizer. Mas não é papel do Estado ser gestor de guia turístico, ser gestor de restaurante, ser gestor de teleférico, de tirolesa, dos serviços turísticos em geral. Isso é papel do empreendedor, do setor privado. É papel do Estado, sim, a parte de conservação. E é o que vai continuar sendo feito, inclusive cada vez melhor, com a concessão, já que teremos mais um agente ali para nos ajudar. Mas é papel do Estado trazer o setor empreendedor para fazer aquilo que não é papel dele, que à parte turística. Já que o parque é uma unidade de conservação em que você faz a conservação com a visitação, é melhor chamar o setor empreendedor para trazer esse dinamismo, esse investimento, essa eficiência que o setor empreendedor tem na área que ele conhece”.

Em cada caso, as possíveis formas de exploração econômica estarão todas preestabelecidas em contrato.

“Essa é a grande diferença de uma privatização para uma concessão pública”, diz Rigoni. “Na privatização, o ente público simplesmente vende o ativo, e quem o tiver comprado faz com ele o que quiser, sem nenhuma obrigação para com o Estado. Isso não é o que nós estamos fazendo. O que estamos fazendo aqui é uma concessão mediante regras muito bem estabelecidas em um contrato a ser firmado pela empresa concessionária com o Governo do Estado. E é importante dizer que o gestor desse contrato será o Iema, que continuará também sendo o gestor da unidade de conservação.”

O leilão na B3

Para evitar a atração de “aventureiros” e selecionar quem poderá participar do leilão, a ser realizado na B3 (Bolsa de Valores brasileira, sediada em São Paulo), o governo pretende definir critérios financeiros e operacionais.

“Financeiros para garantir que o interessado tenha mesmo dinheiro para fazer os investimentos obrigatórios com os quais se comprometerá. Operacionais para garantir que ele saiba operar em áreas naturais. Não queremos aqui aventureiros, gente que chegará aqui para, em cinco anos, quebrar o contrato. Queremos gente que de fato cuidará dos nossos parques e dos nossos turistas”, afirma Rigoni.

A empresa ou consórcio interessado em participar do leilão terá de provar experiência em gestão de outros parques ou atividades parecidas. “Queremos garantir a experiência e a concorrência ao mesmo tempo”, destaca o secretário.

Na prática, a empresa ou consórcio vencedor será aquele que oferecer o maior valor pela outorga: dinheiro a ser pago ao Governo do Estado pela aquisição do direito de exploração e que entrará, de uma só vez, no caixa do Tesouro Estadual.

Além disso, o vencedor terá de se comprometer a realizar alguns investimentos obrigatórios no parque (em valores a serem definidos, caso a caso), o que já é uma espécie de “lance mínimo”, além de investimentos opcionais. Tudo isso estará discriminado no contrato com o Governo do Estado. A maior parte de tais investimentos deverá ser realizada nos três primeiros anos do contrato de concessão, que terá, em todos os casos, a duração de 35 anos, a contar da assinatura do documento.

Por que um contrato tão longo?

Porque, para a empresa vencedora, a exploração do ativo também precisa ser um negócio financeiramente atraente. Após pagar pela outorga e efetuar os investimentos obrigatórios previstos em contrato, a concessionária precisará de alguns anos para que os investimentos “se paguem” e o empreendimento comece a lhe dar lucros.

As contrapartidas ambientais

Contratualmente, a concessionária terá de assumir um conjunto de obrigações. Entre elas, o Governo do Estado vai exigir a certificação pela ISO 18065 (norma internacional que trata de turismo de preservação), para garantir que o turismo praticado ali seja, de fato, sustentável.

Além disso, haverá contrapartidas ambientais que a empresa terá de prestar ao parque, tais como montagem de esquema de vigilância; contratação de pessoal e manutenção de estrutura específica para prevenção e combate a incêndios; gestão adequada dos resíduos sólidos; desenvolvimento de programas de proteção de espécies para ajudar na conservação da biodiversidade local.

Um exemplo já definido: no Paulo César Vinha, a concessionária terá de implementar um programa específico de preservação da tartaruga-de-couro e da tartaruga-cabeçuda, duas espécies ameaçadas de extinção pertencentes àquele ecossistema, no litoral de Guarapari.

Por último, mas não menos importante, um percentual da receita anual da concessionária (a ser definido) será, obrigatoriamente, revertido para um fundo a ser criado e controlado pelo Iema. O órgão, por sua vez, deverá reinvestir a verba desse fundo no próprio parque. “Ah, precisamos de mais caminhonetes. O Iema vai lá e vai comprar as caminhonetes com o dinheiro desse futuro fundo”, ilustra Rigoni.

Alguns números importantes

No total, somando os seis parques naturais estaduais que estão em jogo, a área que poderá ser explorada comercialmente corresponde a apenas 0,1% (um milésimo) do território total dessas unidades de conservação ambiental. “Então, o impacto ambiental será muito pequeno”, conclui o secretário.

Segundo Rigoni, a previsão é que o programa de concessão dos parques gere 10 mil empregos diretos e indiretos. Também estima-se impacto econômico, ou seja, circulação maior de dinheiro, da ordem de R$ 1,7 bilhão por ano no Espírito Santo, a partir do terceiro ao quinto ano dos contratos.

Jogo de “ganha-ganha”

Em síntese, na avaliação de Rigoni, é mais interessante, para todas as partes envolvidas (para o Estado, para as futuras concessionárias e acima de tudo para os cidadãos) que a “área pública” desses seis parques naturais seja concedida à iniciativa privada para exploração econômica.

“De um lado, isso vai nos fazer ter uma melhor preservação do parque, pois nossos servidores poderão se concentrar na área de conservação, enquanto o concessionário terá contrapartidas que nos ajudarão ainda mais na mesma área. E, de outro lado, faremos muita geração de emprego e renda, mais pessoas conhecerão o nosso estado através dos nossos parques e deixarão dinheiro aqui para gerar emprego e renda para toda a região ao redor dos parques naturais do estado do Espírito Santo.”

Turismo ecológico e reforma tributária

Em última análise, o que o Governo do Estado busca é um investimento pesado, e indireto, em turismo, a partir da concessão de alguns de seus ativos naturais. Turismo que, vale lembrar, é a grande saída para o Espírito Santo quando começarem a incidir os efeitos da reforma tributária, em 2029.

“É a única saída, na verdade”, corrige Rigoni. “Daqui a oito anos, quando acabarem de fato os incentivos fiscais, temos que investir pesadamente no turismo. E o turismo capixaba é um turismo ecológico.”

E o governador? Apoia essa proposta?

Após a batalha (vencida por ele) do projeto de lei que alterou as regras de licenciamento ambiental no Espírito Santo, o programa de concessões dos parques naturais é a nova frente de batalha política de Rigoni. Mas o secretário e ex-deputado diz não estar sozinho nessa. Casagrande, segundo ele, apoia a ideia.

“O governador endossa e participa periodicamente de reuniões, onde ele mesmo define com a gente o caminho a ser seguido em cada etapa. Ele apoia e concorda com a ideia de que é possível a gente aliar preservação ambiental com prosperidade econômica. E a concessão de parques faz isso.”


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