Coluna Inovação
Vamos inovar com coisas relevantes?
A inovação industrial é crucial não só na tecnologia de ponta, mas na mineração, agroindústria e energia, onde o Brasil tem vantagens competitivas

Sem educação técnica de base e empregos de alto nível, o potencial para inovação industrial esbarra na fuga de talentos. Foto: Freepik
Os debates e iniciativas sobre inovação estão muito rasteiros. Precisamos de inovações que criem competitividade industrial de fato. A China fez isso e alcançou seu objetivo principal: modernizar um setor industrial que antes dependia quase exclusivamente de mão de obra barata. Hoje, a China tem mais robôs por 10 mil trabalhadores do que a Alemanha. Lançado por Pequim há uma década com o objetivo de dominar dez setores industriais avançados, o plano Made in China pretendia alcançar, até este ano, 70% de participação doméstica na produção chinesa de “componentes básicos essenciais e materiais-chave”. Além dos robôs, os setores-alvo incluíam equipamentos ferroviários avançados, construção naval de alta tecnologia, equipamentos aeroespaciais e de aviação, veículos elétricos e tecnologias da informação de nova geração.
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Difícil replicar o que fez a China, aproveitando o imenso poder de dispor de um mercado interno imenso. O acesso ao mercado foi restringido para estrangeiras, forçando-as a formar joint ventures com empresas locais e a transferir tecnologia em setores como o automobilístico, aviação civil e telecomunicações. Não dá para repetir, mas dá para fazer muita coisa se o país resolver consertar a falta de empenho crônico na educação. Anderson Correia, Presidente do IPT e ex-reitor do ITA, nas suas ótimas colunas no Linkedin, faz um chamamento às novas gerações: “Sejam influencers nas redes sociais, mas estudem. Divulguem conhecimento e não ignorância. Postem o resultado do trabalho de vocês.” e continua: “Hoje, apenas 20% da população brasileira tem nível superior. E muitos diplomas infelizmente ainda vêm com qualidade questionável. Irlanda, Suiça, Cingapura, Bélgica, Reino Unido, Holanda, Estados Unidos, Austrália, Israel, Suécia, Coreia do Sul e Taiwan têm mais de 40% da sua população com curso superior”. Esses países só conseguem manter altos índices de ensino superior porque têm uma base sólida: educação básica de qualidade e investimentos consistentes no ensino técnico. E buscam promover empregos de alto nível.
Esse é um ponto importante: não dá para formar gente competente se não há emprego de alto nível para empregá-los. É emblemática a história de Odil Garcez Filho, que nos anos 80 ficou desempregado e montou uma conhecida lanchonete na av. Paulista, chamada O Engenheiro que Virou Suco. Despedido em 82 da indústria mecânica em que trabalhava havia oito anos, juntou o FGTS e suas economias e abriu a lanchonete. Engenheiros formados a duras penas não podem virar suco, Uber ou iFood.
Inovação também não acontece só em indústrias de microeletrônica, robótica ou computadores. Acontece todos os dias nas indústrias de base: mineração, siderurgia, celulose, petróleo, por exemplo, onde o Brasil tem relevância industrial. O país poderia ter ótima oportunidade na agroindústria, dada sua vocação e liderança na agricultura. Poderia virar potência na indústria associada à bioeconomia e na energia. Mas precisa dos engenheiros e biólogos e precisa do investimento nas indústrias que os empreguem.
Indústrias hoje reclamam que não acham engenheiros e a geração atual não quer ou não consegue ir para a engenharia, inebriada pelo sonho duvidoso de um empreendedorismo superficial ou pela carência de formação no ensino fundamental. Os fundos de venture capital não ajudam por se concentrarem em SaaS e startups que escalem rapidamente. Difícil apoiarem hardware e biotecnologia, principalmente deeptechs e hardtechs que demandam muito mais tempo para escalarem. Ficam todos dependentes de fundos públicos de apoio, fundamentais, mas que não levam esse tipo de startup até o mercado. As taxas de juros atuais também não ajudam, sugando todo o dinheiro que poderia investir em startups e levando para a renda fixa.
Desse jeito, a inovação vai ficar por conta dos aplicativos que resolvem problemas do cotidiano, mas não criam uma capacidade de competir no mundo.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.
