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Coluna Vitor Vogas

Fogo na pracinha: veto de Arnaldinho a aumento expõe racha com antigo parça

Ao vetar o projeto de lei que prevê um aumento salarial de quase 100% para ele mesmo, prefeito deixou em situação delicadíssima a Câmara Vila Velha e, muito particularmente, o presidente da Casa, Bruno Lorenzutti. Entre os dois, o caldo entornou de vez.

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Arnaldinho Borgo e Bruno Lorenzutti

Arnaldinho Borgo e Bruno Lorenzutti

Ao vetar o projeto de lei que prevê um aumento salarial de quase 100% para ele mesmo, na última quinta-feira (5), o prefeito Arnaldinho Borgo (Podemos) deixou em situação delicadíssima a Câmara Municipal de Vila Velha e, muito particularmente, o presidente da Casa, Bruno Lorenzutti (MDB), autor do projeto, apresentado por iniciativa da Mesa Diretora e aprovado em plenário um dia antes.

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Pelo que a coluna apurou, o veto de Arnaldinho não foi combinado com a base nem com a Mesa Diretora e gerou um mal-estar político profundo na Câmara, que agora está com a bomba na mão (uma granada com o pino já retirado). Os vereadores não têm para onde fugir.

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Se mantiverem o veto, passarão à sociedade recibo de que cometeram um grave erro (afinal, a iniciativa do projeto foi da Casa, que tem mesmo, legalmente, a prerrogativa de fixar os valores dos subsídios dos agentes políticos da cidade para o mandato seguinte); se derrubarem o veto, arcarão sozinhos com o ônus político, enquanto Arnaldinho sairá da história por cima aos olhos dos cidadãos, pois sempre poderá alegar que, no que lhe cabia fazer, procurou barrar a matéria.

Aliás, nessa segunda hipótese, os vereadores terão de assumir sozinhos um desgaste político tão dobrado quanto serão os salários das autoridades do outro Poder: primeiro, ao propor e aprovar o mais que polêmico projeto; segundo, ao rejeitar o veto do prefeito, fazendo valer o aumento de quase 100% para o chefe do Executivo, o vice-prefeito e os secretários municipais a partir de janeiro.

É uma situação, enfim, em que os vereadores não têm como ganhar politicamente. Se correrem, o bicho pega; se ficarem, o bicho come.

Mas a situação foi criada por quem? Teria sido pelo próprio Bruno Lorenzutti, ao apresentar o projeto e pautá-lo de maneira expressa, em sessão extraordinária, sem tê-lo combinado antes com a prefeitura? Ou teria sido pelo prefeito de Vila Velha, ao devolver o projeto para a Câmara com o veto, em tempo recorde, sem ter combinado essa medida antes com sua base e com o presidente da Casa?

A primeira hipótese soa completamente inverossímil. Falamos com fontes de alta patente da Câmara. Elas garantem: a prefeitura sabia do projeto e, obviamente, não foi pega de surpresa com a sua aprovação. Durante o rápido processo de votação, com o voto favorável de 12 vereadores da base (incluindo o de Bruno), alguns vereadores perguntaram ao presidente da Casa se a prefeitura tinha conhecimento do projeto. Ele respondeu aos colegas que sim. “A fala do presidente é que foi discutido e alinhado com o governo”, relata uma das nossas fontes.

De fato, é assim que o jogo costuma ser jogado no Parlamento. Nada passa ali sem que o gabinete do prefeito saiba. Exatamente para isso, há emissários de Arnaldinho cuidando o tempo todo das relações políticas e institucionais da prefeitura diretamente na Câmara. Não dá para acreditar que o presidente da Mesa tenha tirado esse projeto da cartola sem, no mínimo, o conhecimento (para não dizer consentimento) da Prefeitura de Vila Velha.

Como argumento cabal, registre-se que, logo após a aprovação, ninguém menos que o líder do prefeito, vereador Osvaldo Maturano (PRD), discursando em plenário, agradeceu ao presidente da Câmara, “em nome do governo”, pela “celeridade com os projetos de interesse da administração municipal do prefeito Arnaldinho, sob a liderança de Vossa Excelência, de forma muito especial em relação às contas e agora a questão da correção dos subsídios”.

O líder do governo sabia e até agradeceu, e o governo de nada sabia?!?

Partamos, pois, da premissa de que a prefeitura não foi pega de surpresa, riscando a nossa primeira hipótese. E quanto à segunda? Arnaldinho porventura combinou antes o veto com sua base e com o presidente da Casa? Os vereadores ouvidos pela coluna são unânimes na resposta a tal pergunta: todos dizem ter sido pegos de surpresa com o veto do prefeito ao projeto. Falando sob anonimato, os parlamentares da base relataram uma mistura de estupefação (por causa do veto em si) com certa indignação (por conta das consequências do veto, uma granada chutada por Arnaldinho de volta para o plenário e que, de uma maneira ou de outra, explodirá no colo deles).

No caso muito específico de um deles, o próprio Bruno Lorenzutti, nem “estupefato” nem “indignado”. O adjetivo que cabe é mais forte. Pelo que pudemos apurar, o presidente da Câmara ficou possesso com a atitude do prefeito. Afinal, se o veto relâmpago aposto por Arnaldinho deixa todos os vereadores que votaram numa sinuca de bico, a do presidente da Câmara é ainda mais complicada, daquelas de que nem o maior mestre do bilhar político consegue se safar. É ele, afinal, oficialmente, o pai da criança.

Ao devolver o projeto para as mãos de Bruno, de primeira e sem olhar, ainda mais com os argumentos que usou – aumento “inadequado”, pois “Vila Velha ainda carece de muitos investimentos” –, Arnaldinho tende a sair dessa história como o “bom-moço”, com aura de “santo” – expressões usadas por vereadores ouvidos sob anonimato nesta apuração.

Só que, neste caso, a reafirmação de semelhante “bom-mocismo” se dá em prejuízo da imagem da Câmara e da sua própria base, a qual, de qualquer maneira, mantendo ou rejeitando o veto, já está condenada a sair da história como a “vilã” – e aqui, de novo, reproduzimos termo ouvido durante a apuração. O vilão maior neste enredo, para a opinião pública, acabará sendo Bruno Lorenzutti. Daí sua irritação com o prefeito.

Resumindo: desde a última quinta-feira, vereadores da base de Arnaldinho vivem um misto de estupefação com mal-estar. O presidente, por sua vez, está ainda mais irritado do que já estava com o prefeito. O episódio, por sinal, pode ter sido a gota d’água do relacionamento político entre os dois, transformando de vez em rompimento o que, até agora, era “progressivo distanciamento”.

O que a Câmara fará agora? Manterá ou rejeitará o veto? Tal resposta, ainda não a temos. Nem os vereadores, aliás. Todas as fontes disseram que ainda não receberam orientação alguma da prefeitura.

Pode ser, inclusive, que neste caso nem haja orientação, com o prefeito lavando mesmo as mãos e liberando a base para decidir por si. De toda maneira, o plenário já levou a pior.

O que diz o projeto

Hoje, o prefeito de Vila Velha ganha, precisamente, R$ 15.362,73. O projeto da Mesa, aprovado pelos vereadores e vetado pelo prefeito, fixa o novo valor em R$ 29 mil. O reajuste seria de 88,7%.

Praticamente o mesmo percentual seria aplicado aos vencimentos do vice-prefeito e dos secretários municipais.

Hoje, o vice-prefeito tem salário de R$ 13.356,00. Nos termos do projeto, esse valor saltaria para R$ 25.230,00 (aumento de 88,9%).

Já os secretários municipais, que atualmente ganham R$ 12.243,00, passariam a receber R$ 22,9 mil. A revisão seria de 87%.

Velocidade espantosa do veto

Um ponto que precisa ser frisado é a velocidade espantosa com que Arnaldinho devolveu o projeto à Câmara com veto – ao que parece, para tirar o mais rápido possível de cima dos ombros a repercussão negativa.

Pelo Regimento Interno da Câmara de Vila Velha (art. 221, § 1º), quando o plenário aprova qualquer projeto de lei, o prefeito tem prazo de até 15 dias úteis para vetar o projeto, a contar da data em que o receber, além de 48 horas para comunicar os motivos do veto ao presidente da Câmara. Arnaldinho não esperou nem uma hora.

Na última quinta-feira, a assessoria do prefeito mandou para a imprensa não só a notícia, não só o veto em si com a justificativa, mas todo o processo administrativo interno, incluindo os vários despachos entre a Secretaria de Governo, a Procuradoria-Geral do Município e o gabinete do prefeito.

Entre a protocolização oficial do autógrafo de lei no sistema da Prefeitura de Vila Velha (às 18h38) e o envio do veto de Arnaldinho à direção da Câmara (às 19h08), passou-se exatamente meia hora.

Há um detalhe especialmente interessante: o veto de Arnaldinho foi assinado digitalmente por ele às 19h08, antes mesmo de o subprocurador administrativo, André Luiz Ribeiro da Silva, assinar digitalmente, às 19h16, o parecer técnico que, supostamente, embasou a decisão do prefeito, numa evidente inversão da ordem lógica. Pode-se inferir, basicamente, que a decisão do prefeito já estava tomada, independentemente de qualquer parecer. A peça da Procuradoria, ao que tudo indica, foi mero cumprimento de formalidade, só para ser juntada ao processo.

Outra coisa: seja pelo teor, seja pela dimensão, a justificativa do prefeito é totalmente incomum para uma simples mensagem de veto. Trata-se de um documento político – que faltou inclusive no sumaríssimo plano de governo do prefeito à Justiça Eleitoral –, no qual Arnaldinho enumera, em mais de 30 parágrafos, suas realizações nas mais diversas aéreas. Só lá no último parágrafo é que ele explica seu veto, alegando que ainda há muitos investimentos a serem feitos na cidade.

É como se o prefeito estivesse a se dirigir não aos vereadores, mas ao público externo, defendendo-se de eventuais críticas de quem julga que ele “quer se dar bem” com esse aumento etc.

O texto possivelmente já estava pronto, como indica a dimensão e o grande volume de dados. Não é fácil fazer algo assim em menos de uma hora.

Em todo caso, ou a prefeitura correu para fazer tudo às pressas de um dia para o outro e chutar logo a granada de volta para a Câmara, ou já tinha decidido previamente vetar o projeto e já tinha até um “textão” pronto.

O percentual do aumento

O que mais chama atenção no projeto não é tanto o aumento em si, mas o impressionante percentual do reajuste, numa tacada só. Pode-se argumentar que os valores atuais estão defasados, não compatíveis com o volume de trabalho e com as responsabilidades carregadas pelas referidas autoridades. Igualmente, pode-se sustentar que o salário atual está abaixo do que merece o prefeito de uma cidade do porte de Vila Velha, a segunda maior do Espírito Santo. A questão que salta é: Ok, pode até ser, mas, se assim é, por que tanto de uma vez? Que tal um escalonamento aí?

A título de comparação, o atual subsídio do prefeito de Vitória é de R$ 19.217,12 – acima do atual salário do de Vila Velha (R$ 15.362,73), mas bem abaixo dos R$ 29 mil que este pode passar a receber a partir de janeiro.

O teto do funcionalismo e a profissão de Bruno Lorenzutti

Outro ponto levantado por vereadores ouvidos pela coluna:

O subsídio pago ao prefeito é o teto do funcionalismo municipal. Com a remuneração do prefeito fixada num valor “baixo”, as categorias de servidores do município que recebem os mais altos vencimentos acabam sofrendo o “abate teto”: o que ultrapassa esse valor é descontado do contracheque.

Se o salário do prefeito fosse mais alto, elevando assim o teto, esses servidores também poderiam ganhar mais. O aumento do prefeito, portanto, beneficia também tais categorias. Uma delas é a dos agentes de fiscalização pública da prefeitura (os fiscais).

Desde 2011, Bruno Lorenzutti é servidor efetivo da Prefeitura de Vila Velha. Agente de fiscalização pública. Lotado na Coordenação de Fiscalização de Posturas da Secretaria de Serviços Urbanos. É um fiscal.

Desde 2017, ele está licenciado do cargo para exercício de mandato eletivo. O Portal da Transparência mostra que sua remuneração bruta em outubro, como fiscal estatutário, foi de R$ 16.076,67. Mas, devido à regra do abate teto, o salário dele sofreu desconto de R$ 713,94, igualando-se, rigorosamente, ao salário do prefeito (R$ 15.362,73), assim como o de todos os fiscais. Todo mês, esse desconto.

Assim que concluir o atual mandato, no dia 31 de dezembro, Bruno em princípio retoma suas funções no serviço público municipal. Ou não.

Tem crescido a especulação de que ele possa, por exemplo, tornar-se secretário municipal na Prefeitura de Viana, comandada por Wanderson Bueno (Podemos), afilhado político do deputado federal Gilson Daniel, de quem Bruno tem se aproximado.

A atração de bons secretários

Outra hipótese levantada por um vereador ouvido pela coluna é que Arnaldinho esteja “usando” a Câmara para elevar tanto assim os salários dos secretários municipais (atrelados ao do prefeito) a fim de atrair quadros do Governo do Estado, especialmente caso se confirme uma reforma no secretariado de Casagrande nos próximos dois meses.

Se conseguir nomear, na Prefeitura de Vila Velha, um secretário qualificado recém-saído do governo Casagrande (em combinação com o governador), Arnaldinho reforçará ainda mais a sua identificação com o atual governo. Deixará sua equipe com “cara de Palácio Anchieta”, colando ainda mais em Casagrande e ganhando mais lastro político, enquanto prepara as turbinas para se lançar a governador.

Conclusão

A mensagem de Arnaldinho, de todo modo, já está dada: “Não pedi, não queria; se vocês me derem, é a contragosto”.

A da Câmara, se derrubar o veto, será: “Você não queria, desculpe, mas fazemos questão de lhe dar”.

Já se mantiver o veto: “É, tem razão, nós estávamos enganados”.


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