Coluna Vitor Vogas
Entrevista (Alcântaro Filho): “Eu represento a Bíblia na Assembleia”
Deputado afirma que gays não podem ser cristãos e revela seu passado pré-conversão: “Eu tinha uma vida de promiscuidade, usava drogas, fazia tudo”

Deputado Alcântaro Filho. Crédito: Lucas S. Costa/Ales
Desde que discursou pela primeira vez no plenário da Assembleia Legislativa, falando em nome dos deputados novatos em 1º de fevereiro deste ano, o deputado Alcântaro Filho (Republicanos) faz questão de subir à tribuna ostentando um exemplar bem grande da Bíblia Sagrada e de enunciar palavras de louvor (“Glória a Deus”). Presbiteriano com um quê pentecostal, o parlamentar de Aracruz tem feito um mandato fortemente atravessado pela fé e por dogmas religiosos.
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Dessa interseção de crenças e “valores cristãos” com princípios constitucionais, têm surgido grandes controvérsias. Alcântaro é autor, por exemplo, do projeto, transformado em lei estadual, que prevê punições administrativas aos responsáveis por sátiras públicas que venham a ser consideradas como “desrespeito a crenças e dogmas religiosos”.
Abaixo, numa entrevista salpicada por discussões de fundo teológico, o deputado diz o que pensa sobre essa interface entre fé, religião e política. Declarando-se representante da Bíblia na Assembleia, ele condena “igrejas inclusivas”, discorre sobre homossexualidade, compara gays a adúlteros e afirma que, “à luz da Palavra”, eles não podem ser considerados cristãos.
Alcântaro também discorre sobre a luta ideológica travada pelos cristãos conservadores para conter o “avanço da agenda progressista” no país e revela a missão que assumiu pessoalmente para que cristãos evangélicos assumam cada vez mais espaços de poder no Espírito Santo. Espontaneamente, o deputado ainda relata o seu passado pré-conversão: “Até 2014, antes de me converter, eu tinha uma vida de promiscuidade, usava drogas, fazia tudo”.
Qual igreja o senhor frequenta?
Igreja presbiteriana Manancial, em Aracruz, desde 2014.
É protestante tradicional?
A presbiteriana é uma denominação evangélica tradicional, calvinista. Não é neopentecostal. Mas eu creio nos dons. Então, no meu componente, tem também a crença renovada. É tradicional, mas com traços pentecostais.
Deputado, o seu mandato está sem dúvida a serviço dos cidadãos capixabas, especialmente (mas não somente) dos seus eleitores. O senhor também diria que seu mandato está a serviço de Deus?
Completamente. Prioritariamente.
E está também a serviço da sua religião?
Muitos combatem isso, dizendo que o Estado é laico. E, de fato, o Estado é laico. Mas o Estado não é laicista. O que isso quer dizer? O Estado não tem uma religião formal, não é baseado em uma religião específica. Mas ele não proíbe as religiões. O Estado laicista proíbe as religiões, o que não é o caso do Brasil. Então, o que costumo dizer é que, sobretudo nós no Legislativo, estamos para representar a sociedade capixaba, mas naturalmente representamos com mais proximidade e identificação a agenda de alguns segmentos. Tem deputados que defendem a pauta da agricultura, outros a da saúde… E eu vejo o cristianismo como um estilo de vida. Então, a minha essência é essa. E eu me predispus a defender não só a minha região, onde tive 85% dos votos, mas também a defender essa pauta dos valores cristãos, sempre com muito respeito. Se houver aqui outro deputado que defende, por exemplo, a fé de matriz africana, não tenho dificuldade nenhuma de diálogo e de compreender.
Deputado, não vou nem entrar aqui na discussão sobre a laicidade do Estado brasileiro. A questão é: quando o senhor faz questão de subir à tribuna da Assembleia ostentando o livro sagrado de uma religião específica, por mais abrangente e influente que seja essa religião; quando coloca o seu mandato inteiramente a serviço dessa religião; quando vota, decide e cria leis exclusivamente com base nos valores e dogmas seguidos por essa religião, o senhor não está excluindo do seu mandato todos os cidadãos que não professam a mesma fé?
Tem 30 deputados na Assembleia. E deputados que têm proximidade com diversas pautas. Eu tenho uma pauta desenvolvimentista também, a da eficiência da gestão pública. Eu bato muito nisso. Mas uma das minhas pautas prioritárias é a defesa dos valores cristãos. Quem conhece a minha história sabe disso. Antes de qualquer outra coisa, o meu compromisso é com a minha convicção cristã. Meu compromisso primeiro é com Deus. Depois, é com as pessoas que acreditam no meu trabalho e com a população capixaba. O Legislativo é composto por representações. A gente jamais vai esperar de um deputado do PSol ou do PT, por exemplo, defender os valores cristãos. Então, quando a gente fala “está excluindo as outras pautas”, obviamente eu tenho proximidade com pautas que são conflitantes com outras. Eu não estou dizendo homossexuais, mas as pessoas do ativismo LGBT jamais podem esperar a minha representação. Eu jamais vou representá-las. Eu represento a Bíblia aqui dentro. Os deputados do PSol e do PT defendem essas causas, naturalmente, porque está dentro da estrutura programática dos seus partidos e dos seus mandatos. Então os cristãos não se sentem representados por eles. Assim também podemos fazer uma analogia com os nossos representantes no Senado. Na eleição anterior [de 2020], nós elegemos majoritariamente o senador Fabiano Contarato, que, após tomar posse, a sua primeira agenda pública foi um Congresso LGBT na Colômbia, quando na verdade ele percorreu diversas igrejas no Espírito Santo durante a campanha. Ele se dizia cristão e defende uma agenda totalmente antibíblica.
Mas agora eu me perdi um pouco. Um gay não pode ser cristão? Um cristão não pode ser gay?
Pela Palavra, Jesus disse para a gente vir como está. Mas, efetivamente, a Palavra diz que não só os homossexuais, mas os adúlteros, os mentirosos, os alcoólatras não herdarão o reino de Deus. Tecnicamente, na Palavra, na pura Palavra, o homossexual que continuar na prática do homossexualismo, perdão, da homossexualidade, assim como o adúltero que continuar na prática do adultério, ele não é cristão. Isso à luz da Palavra.
Então, em outras palavras, segundo a Palavra, com P, ou segundo o seu entendimento da Palavra, um homossexual não pode ser considerado cristão e um cristão não pode ser homossexual? As duas coisas são inconciliáveis, incompatíveis, mutuamente excludentes?
Sim. Deixa eu encontrar aqui [procura um texto no celular]. A Carta do Apóstolo Paulo a Coríntios vai falar disso. Tá aqui, I Coríntios 6:9: “Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os homossexuais, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus”. Então a Palavra diz que esse pecado é incompatível.
Desculpe, não sou nenhum especialista e aqui estou me arriscando num debate de fundo teológico. Eu mesmo acabei de dizer “a Palavra”, no singular, como se houvesse uma só palavra e como se a Bíblia fosse um livro sagrado coeso, homogêneo, escrito por uma mesma mente ou por várias mentes ao mesmo tempo, na mesma sintonia e na mesma direção, quando na verdade, sem querer desrespeitar, a Bíblia é provavelmente o livro mais emendado e remendado da história, uma compilação de diversos livros independentes, escritos por centenas de autores com diferentes disposições e mentalidades ao longo de séculos ou milênios. Foi reeditada, reimpressa, traduzida e retraduzida de idiomas arcaicos, e permite inúmeras interpretações, não raro conflitantes. Muitas vezes, nessas milhares de páginas, encontramos trechos que se contradizem. Evocando-se a Bíblia, pode-se confirmar determinada tese ou exatamente a tese oposta, dependendo do que se pretende provar e da passagem que se privilegia. E aí o que me ocorre são as palavras do próprio Jesus Cristo, o fundador da fé cristã, que acho que todo mundo conhece, mesmo não sendo cristão: “Ama ao próximo como a ti mesmo”. Isso não incluiria adúlteros, homossexuais etc.? Aliás, Jesus mesmo não perdoou uma mulher adúltera? Então não seria o caso de se fazer prevalecer o ensinamento do próprio Jesus Cristo?
Primeiro, salvo engano, a Bíblia teve cerca de 40 autores, mas foi escrita ao longo de 1.500 anos. Para os cristãos, a Bíblia não apresenta contradição em nenhum ponto, apesar de haver divergências de interpretações por pessoas que não são especialistas, que não são teólogos. Para nós, cristãos, a Bíblia é inerrante, ela é perfeita e ela é o nosso manual. O que acontece? A Bíblia não pode ser avaliada pontualmente por versículos. Isso tem que ser feito através de uma exegese. Quando partimos para o ensinamento de Jesus, e muitas vezes é até mal compreendido, é justamente nesse sentido. Nós, cristãos, temos dois principais mandamentos. O primeiro é amar a Deus acima de todas as coisas. O segundo é amar ao próximo como a nós mesmos. O que isso pressupõe? Que o cristão verdadeiro não pode sair por aí cometendo o crime de homofobia, por exemplo, ou pegando uma adúltera e apedrejando. Esse é o exemplo do episódio que você citou, narrado nos Evangelhos. Na ocasião, a mulher é pega em flagrante adultério. E aí, à época, pelo código dos judeus, havia a condenação por apedrejamento. Jesus estava no local. E os fariseus, os escribas da época, queriam incriminar Jesus de alguma forma. Se Jesus mandasse cumprir a lei contra aquela mulher, ele estaria matando aquela mulher e não estaria amando ela como ele mesmo determinou. Mas se Jesus, naquele momento, tivesse falado que não era para matar aquela mulher, estaria indo contra a lei. E Jesus não poderia ter desobediência legal naquele momento. Então o que Jesus fala? “Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra”. A resposta de Jesus é essa. A Bíblia diz que, um após o outro, a multidão se levantou e foi saindo. Ao final, Jesus diz para aquela mulher: “Você está perdoada. Vá e não peque mais”.
Então em momento algum ele negou que ela tenha pecado…
Exatamente. Se aquela mulher permanecesse no pecado do adultério, ela não teria parte na salvação da lei de Deus, conforme diz a Palavra de Deus. O que isso pressupõe? Eu nunca falei isso para ninguém, só na igreja. Até 2014, antes de me converter, eu tinha uma vida de promiscuidade, usava drogas, fazia tudo. O que eu falo é o que eu vivo de fato. Então, a partir do momento em que eu passei a seguir a Bíblia, eu entrei pecando, continuo errando até hoje, mas não esse tipo de erro, porque todos nós somos pecadores, ninguém que segue a Palavra não tem pecado, todo mundo tem. Mas hoje eu não bebo mais, eu não uso drogas mais, eu sou fiel à minha esposa, eu busco seguir a Palavra, porque nós precisamos lutar contra os nossos pecados. E hoje tem muitas igrejas “inclusivas”. Essa igreja não é bíblica. Inclusive é previsto na Bíblia que, no fim dos tempos, a gente teria falsas doutrinas para desviar.
O senhor não reconhece essa “igreja inclusiva” como uma igreja autêntica e não acha que deva ser reconhecida como tal?
De forma alguma. Eu respeito muito mais quem pratica uma religião de matriz africana e acredita nela como verdade do que um pseudopastor que fala que o homossexual vai herdar o reino de Deus.
Só para encerrarmos exatamente esse tema dos homossexuais, que foi o que gerou esta digressão: se a pessoa homossexual quer ser cristã, ou se já é cristã, como resolver isso que no seu ponto de vista é uma “incompatibilidade”? O que se faz, então? A pessoa deve ser expulsa da igreja? Deve buscar “mudar de sexualidade”?
No meu ponto de vista, a igreja tem que amar a todo tempo como Jesus amou. Nós, como cristãos, temos que modular Jesus. E tentar ver o que Jesus faria. Mas quero aqui fazer um destaque de que, para mim, a pessoa que vive hoje na vida homossexual, à luz da Palavra, se equipara a um adúltero. Então tem muita gente que pratica o adultério e que está dentro de uma igreja pagando de cristão. Agora, à luz da Palavra, é uma prática incompatível. Isso é uma opinião pessoal minha, e eu tenho curso de Teologia, estudo muito Teologia, leio a Bíblia todo dia. No meu ponto de vista, não cabe à Igreja expulsar o homossexual, o adúltero, o mentiroso. E também tem muito mentiroso que frequenta a igreja e diz que é cristão. Eu acho que o trabalho da igreja é o de amar essa pessoa a todo tempo, praticar a Palavra e pregá-la. E aí é uma escolha pessoal de cada um. Agora, no meu ponto de vista, eu não poderia deixar de falar o que acredito, que é o que está na Bíblia. Não tem um caso de um homossexual, de um adúltero que continuou dessa forma, ou de uma pessoa presa a bens materiais, que Jesus na Bíblia falou “Você está salvo”.
Tudo o que a gente está falando aqui tem a ver com dogmas. Para dar uma definição sumária, um dogma é uma verdade absoluta, indiscutível para quem nele acredita. Mas o que acontece quando o dogma, ou a interpretação dada ao dogma, se choca com o interesse público ou até com a Constituição Federal e a Estadual que o senhor jurou defender ao tomar posse? E quando o dogma, por exemplo, contraria o direito fundamental à liberdade de expressão? O que deve prevalecer?
Na verdade deve prevalecer o equilíbrio, até porque, dentro da nossa Constituição Federal, o direito a culto religioso e a convicção religiosa também é um direito fundamental. Primeiro de tudo, deve haver o respeito e o equilíbrio na prática, porque ambos são direitos fundamentais e nenhum pode se sobrepor ao outro. O povo cristão hoje está sendo discriminado. Quando falo de cristofobia, é isso. Hoje o que nós temos visto, até por uma reação talvez, é o avanço da agenda progressista, que é totalmente contrária à agenda conservadora que a Palavra traz. Temos a pauta conservadora, que no Brasil é majoritariamente pautada pela Bíblia. Se você for no Oriente, tem o Islã, os muçulmanos, que lá têm uma preponderância muito maior face à agenda progressista. Aqui no Brasil, não. No Ocidente de forma geral, nós temos vivenciado o progressismo cultural e intelectual avançando e desrespeitando muitas vezes a igreja. Aí para eles vale a liberdade de expressão. Mas isso está se sobrepondo muitas vezes à liberdade religiosa que nós temos. Por exemplo, algo que eu defendo muito: não só o nosso sistema legal brasileiro, mas inclusive o tratado de direitos humanos de que o Brasil é signatário dizem que os pais têm o direito de que seus filhos tenham formação cívica e religiosa conforme as suas convicções. E isso é aviltado hoje dentro das escolas e em ambientes coletivos contra a criança. Então acho que a palavra-chave aqui é respeito e equilíbrio de ambas as partes. Quem tem essa pauta progressista tem a liberdade de tê-la, assim como nós que temos a pauta conservadora também temos que ter liberdade e saber conviver com as diferenças.
Um estudo recém-divulgado mostrou que o Espírito Santo é o estado com a maior concentração de templos evangélicos em relação ao número de habitantes. Em plena campanha eleitoral do ano passado, assisti a um evento muito marcante para mim, promovido pelo Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp-ES), no Espaço Patrick Ribeiro, Aeroporto de Vitória. Numa mistura de sermão com discurso de comício, o pastor Romerito Oliveira conclamou os evangélicos a só votarem em candidatos comprometidos com a “agenda cristã”, porque, segundo ele, nós estamos vivendo uma guerra e não existe vácuo de poder, então é preciso ocupar os espaços de poder antes que os inimigos o façam. Os inimigos seriam os candidatos de esquerda. Saí de lá com a certeza de que os líderes evangélicos, pelo menos os de alguns segmentos, estão muito organizados politicamente e que possuem um projeto de poder muito bem definido. O senhor concorda com esse argumento de que os evangélicos precisam ocupar cada vez mais os espaços de poder?
Concordo plenamente. Inclusive essa é uma pauta prioritária da nossa agenda política. Eu inaugurei isso. Acabo de começar um ciclo de palestras, chamado “Quebrando Tabu”. Fiz a primeira em Aracruz e pretendo rodar o Estado, fomentando que os cristãos de forma geral, não só os evangélicos, possam ocupar esses espaços, associando efetivamente o cristão ao conservadorismo, que faz frente ideológica ao progressismo. Então, por muitos anos, essa foi uma estratégia do marxismo, através do fundador do Partido Comunista Italiano [Antonio Gramsci, cofundador do PCI em 1921]. Ele escreveu em suas teses que a guerra na verdade está no intelecto, através da ocupação da cultura, das universidades… E isso foi negligenciado pelos conservadores no país.
Instituições que podem funcionar como aparelhos ideológicos…
Exatamente. E isso foi negligenciado. Então hoje, não só na política, e na minha palestra eu falo isso, entendo que uma das missões da igreja é também fomentar a capacitação dos seus membros para ocupar espaços de poder, em concursos públicos, no serviço público de forma geral, para que ocupem cargos de relevância a fim de praticar o que as Palavra diz.
O que o senhor projeta em relação ao crescimento dos evangélicos na política do país e do Espírito Santo, especificamente, para os próximos anos?
Em âmbito nacional, temos alguns bons representantes. E tenho visto o aumento dessa representação. No Espírito Santo, temos uma carência muito grande de líderes. São poucos os líderes que de fato defendem e vivem aquilo que pregam. Então acredito que esses números do crescimento do público evangélico necessitam ser traduzidos também na ocupação dos espaços de fato. A democracia é representativa. Então, se nós temos hoje uma proporção grande de cristãos e evangélicos no Estado do Espírito Santo, nada mais justo que nós termos também essa representação traduzida nas câmaras municipais, nas prefeituras, na Assembleia.
