Coluna Vitor Vogas
Denúncia: as acusações que podem levar Armandinho a perder o mandato
Vereador pode ser cassado pela Câmara de Vitória em processo por quebra de decoro parlamentar, a partir de denúncia que cita muito mais que ataques a Alexandre de Moraes
Preso desde 15 de dezembro e afastado por decisão judicial desde 1º de janeiro, o vereador Armandinho Fontoura (Podemos) pode estar prestes a responder a um processo por quebra de decoro parlamentar na Corregedoria-Geral da Câmara de Vitória, o qual pode culminar com a cassação do seu mandato. É o que pede o autor da representação apresentada contra ele, o empresário Sandro Luiz da Rocha, morador da Capital e candidato a vereador não eleito pelo PSB em 2020.
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Datada do dia 20 e protocolada no dia 23, a representação já foi lida em plenário pelo presidente da Câmara, Leandro Piquet (Republicanos), na última quarta-feira (29), e enviada por ele ao corregedor-geral da Casa, Leonardo Monjardim (Patriota), a quem cabe agora julgar se a denúncia é ou não é admissível. Se Monjardim entender que sim, a defesa de Armandinho será notificada e ele passará a responder oficialmente a um processo por quebra de decoro parlamentar na mesma Casa de Leis que, por um triz, não chegou a presidir.
Ler a denúncia é um exercício interessante, por conta da amplitude de condutas atribuídas a Armandinho, supostamente violadoras da ética e do decoro esperados de agentes públicos. Mais que esperados: impostos pela Lei Orgânica de Vitória, pelo Regimento Interno e pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara.
Na peça, Rocha destaca obviamente os reiterados ataques de Armandinho ao STF e, particularmente, ao ministro Alexandre de Moraes – principal motivo de sua prisão no bojo dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. O denunciante cita uma série de exemplos de ofensas a Moraes e acusações sem provas feitas pelo vereador da tribuna da Câmara, em discursos realizados ao longo de 2022. Mas vai muito além disso.
O autor da denúncia ressalta a investigação aberta pelo MPES em 2021 contra Armandinho por suposta prática de rachadinha em seu gabinete parlamentar. Destaca, ainda, ataques perpetrados por ele contra autoridades de outros Poderes como o Tribunal de Justiça do Estado (TJES) e o MPES, a exemplo da juíza Gisele de Souza, do presidente do TJES, Fábio Clem, e do promotor de Justiça Rafael Calhau, precisamente o encarregado do inquérito que apura possível esquema de rachadinha promovido pelo vereador.
Para o autor da representação, Armandinho usou as sessões da Câmara – amplamente divulgadas pelos canais oficiais da Casa e pelas redes sociais – e a autoridade conferida a ele pelo mandato para praticar uma série de ilícitos penais, civis e administrativos, atos de improbidade administrativa, abuso de poder parlamentar, excessos ofensivos à dignidade de inúmeras pessoas, bem como ataques a instituições democráticas e à própria democracia.
“Ao longo do exercício de todo o mandato do representado, constatamos sistematicamente a ocorrência de várias micro e macro ocorrências passivas de análise quanto ao rompimento dos limites entre o exercício da legislatura, sua liberdade oratória, retórica, e os excessos ofensivos à dignidade de inúmeras pessoas, além, por certo, do próprio Estado Democrático de Direito, vide a inquestionável notoriedade que o caso assume perante a sociedade capixaba”, diz a representação.
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Para Rocha, Armandinho “atuou com abuso de poder parlamentar, expôs, caluniou, injuriou e difamou diversas pessoas, dentre as quais membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que atuam em Vitória/ES, bem como levantou falsas acusações no intento de fragilizar a confiabilidade da Justiça”.
O proponente da ação registra “o comportamento tóxico com o qual o vereador representado tem atuado”. Citando entendimento do STF, acrescenta que “o representado, valendo-se do cargo de vereador, praticou inúmeros ilícitos, inclusive de natureza criminal”.
Para sustentar as acusações, Rocha cita uma lista de processos envolvendo Armandinho, entre os quais:
. inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, sob relatoria de Alexandre de Moraes, no STF;
. ação civil sigilosa de improbidade administrativa em tramitação na 3ª Vara da Fazenda Pública de Vitória;
. procedimento preparatório que tramita na 8ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, para apurar “a suposta prática de ‘rachadinha’ no gabinete do vereador, na medida em que os funcionários do seu gabinete supostamente são obrigados a entregá-lo [sic] uma quantia em espécie de seus vencimentos, a qual varia entre R$ 1.000,00 e R$ 3.000,00”;
. interpelação judicial proposta pelo promotor de Justiça Rafael Calhau, questionando Armandinho a respeito de falas do vereador que imputavam prática ilícita ao promotor;
. outros dois processos sigilosos
Decisão do STF
Rocha cita trecho de decisão do STF que negou a autorização pedida pela defesa de Armandinho para que ele pudesse assumir a presidência da Câmara, no dia 1º de janeiro, mesmo na condição de presidiário:
“As manifestações, discursos de ódio e incitação à violência dos investigados não se dirigem somente a diversos ministros da Corte, chamados pelos mais absurdos nomes, ofendidos pelas mais abjetas declarações, mas também se destinaram a corroer as estruturas do regime democrático e a estrutura do Estado de Direito, contendo, inclusive, ameaças a pessoas politicamente expostas em razão de seu posicionamento político contrário no espectro ideológico.”
Nos termos da mesma decisão, as provas levadas ao conhecimento de Alexandre de Moraes pelo MPES demonstram “um preocupante cenário de ataque às instituições, com incentivo de instalação de regimes autoritários, em completo abuso de liberdade de expressão. Não há qualquer razoabilidade que, no momento em que é investigado por condutas gravíssimas e com sua liberdade cerceada exatamente por ataques à própria democracia, Armando Fontoura Borges Filho assuma a chefia do Legislativo Municipal e passe a administrá-lo de dentro do presídio”.
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O autor da representação reuniu um conjunto de pronunciamentos de Armandinho em plenário, ao longo de 2022, imputando a Alexandre de Moraes a prática de diversos crimes. Num deles, o vereador afirmou que o ministro tem “uma bibliografia marcada pelo lobby, por envolvimento com crime, com corrupção”. Chamou-o pejorativamente de “Tio Chico da Família Adams”, “personagem fúnebre, tosco, tacanho, da história mais controversa”.
Disse, ainda, que o ministro teria manipulado o processo eleitoral do ano passado “por decisões judiciais arbitrárias, absurdas, tudo aí capitaneado pelo Deus Supremo do Olimpo, Alexandre de Moraes, que se acha inquestionável”.
Em outro discurso, Armandinho chamou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), de “débil mental” e “lobista”.
Ataques ao Judiciário do ES
Segundo Rocha, Armandinho também perpetrou uma série de ataques diretos a membros do Poder Judiciário do Espírito Santo, entre os quais a juíza Gisele de Souza, da 4ª Vara Criminal de Vitória, e o presidente do TJES, desembargador Fábio Clem. Como lembra o denunciante, Gisele de Souza preside ações de interesse de Armandinho e de seus “associados políticos”.
Em mais de uma ocasião, afirma Rocha, o vereador “acusou de maneira infundada [ambos] de fraudarem o sistema de distribuição de processos judiciais no Poder Judiciário capixaba” para que todos os processos de interesse de determinado grupo político (capitaneado pelo governador Renato Casagrande) parem nas mãos de Gisele de Souza, na 4ª Vara Criminal de Vitória.
Em discurso feito no plenário no dia 1º de junho de 2022, Armandinho afirmou que reclamou ao presidente do TJES, Fábio Clem, e até ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a fim de “acabar com essa pouca vergonha, com essa fraude na distribuição”. “Por muito menos teve Operação Naufrágio no Espírito Santo”, comparou o vereador. “Se fraudam a distribuição, é porque estão fraudando a sentença. Estão vendendo sentença, fraudando. […] O nome disso é crime organizado.”
Voltando à carga em reunião da CPI da Cesan no dia 22 de junho de 2022, Armandinho acusou uma “tentativa de manobra” para “tudo cair na 4ª Vara”, conforme havia sido publicado no blog do jornalista Jackson Rangel.
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Preso no mesmo dia e na mesma megaoperação que levou Armandinho à prisão, Rangel, no entendimento da Procuradoria-Geral de Justiça do Espírito Santo, seria o cabeça da “milícia digital privada” formada com o objetivo de difundir fake news e atacar a honra de autoridades no Espírito Santo, tendo o próprio Armandinho como um de seus sócios políticos e, inclusive, articulista no site Folha do ES, do mesmo jornalista.
Em 25 de maio de 2022, Armandinho já havia alardeado em plenário um “escândalo de tamanho comparado à Operação Naufrágio, que é a fraude na distribuição de processos específicos para beneficiar um certo grupo político”. Os discursos do vereador foram publicados no site Folha do ES, de Rangel, e tais publicações foram citadas no discurso de Armandinho em junho, como se um legitimasse e retroalimentasse o outro, em mais um indício da associação política entre ambos.
Rafael Calhau
Rocha ainda dá destaque aos “ataques caluniosos contra o promotor de Justiça Rafael Calhau”, da 24ª Promotoria Cível de Vitória, justamente o relator do inquérito civil que apura “a suposta prática de ‘rachadinha’ no gabinete do vereador Armandinho Fontoura”.
Segundo o proponente da ação, “a atuação legítima do promotor […] foi razão suficiente para que o representado lançasse mão de suas prerrogativas enquanto vereador para, ilicitamente, atacar o ilustre membro do MPES”.
Os ataques reiterados de Armandinho levaram o promotor a mover ação contra ele no 1º Juizado Especial de Vitória. O promotor também representou criminalmente contra Jackson Rangel.
De acordo com Rocha, o propósito de Armandinho é “causar constrangimento” ao MPES, por inconformismo com o arquivamento das investigações relacionadas ao “pen drive do Detran”.
Em pronunciamento na Câmara no dia 26 de outubro de 2022 (última semana do 2º turno eleitoral entre o governador e Manato, apoiado por Armandinho), o vereador chamou o MPES de “cemitério de denúncias” e “goleiro dos interesses de Casagrande”.
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No mesmo embalo, associou o governo Casagrande ao “crime organizado” e declarou que o governo “agiu com força truculenta para sepultar as denúncias, assinar o contrato [no Detran] e perseguir os denunciantes com o Ministério Público e a Polícia Civil”. “Um atraso e um abuso de autoridade para inibir o nosso trabalho”, declarou Armandinho.
A sessão plenária da Câmara de Vitória em 26 de outubro foi a última antes do 2º turno da votação para governador, no dia 30 do mesmo mês.
Articulações mesmo preso
O proponente da ação ainda salienta que, em seus primeiros dias atrás das grades, na segunda quinzena de dezembro, Armandinho ainda conseguiu se articular politicamente a ponto de organizar um protesto contra a sua prisão, em frente à sede da Câmara de Vitória, com ajuda e participação de Gilvan da Federal.
“Não bastasse isso, o representado, mesmo preso, organizou ‘manifestações’ nas portas desta Casa com o fim de intimidar também os vereadores da CMV, manchando a imagem desta Casa de Leis perante a opinião pública.”
Rocha faz menção a um vídeo realizado durante o aludido protesto, no qual se ouve Gilvan chamar os vereadores de “bandidos”, “ladrões” e “canalhas”, que “não têm vergonha” e “não têm caráter”. O agora deputado federal perdera o mandato na Câmara menos de três semanas antes, por decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES), em julgamento de ação de cassação por infidelidade partidária.
Conclusão
Diante dos argumentos expostos e do “lastro probatório” anexado à denúncia, Rocha pede que Armandinho seja punido com a cassação do mandato, “tendo em vista a extrema gravidade de suas condutas, a quebra de decoro neste Douto Parlamento, a prática reiterada de ilícitos penais, civis e administrativos, os atos de improbidade cometidos (conforme apontado pelo MPES) e o constante abuso da autoridade que lhe foi conferida”.
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