Coluna João Gualberto
Coluna João Gualberto | Militares na política
Estamos todos acompanhando, através da mídia, à apuração, pela Polícia Federal, da tentativa de golpe de estado que tivemos no Brasil recentemente
Estamos todos acompanhando, através da mídia, à apuração, pela Polícia Federal, da tentativa de golpe de estado que tivemos no Brasil recentemente. São dezenas de militares envolvidos na trama. Os detalhes da construção do golpe são de um simplismo que beira o absurdo. Como esses militares manteriam a sociedade coesa em torno deles? Como seriam reconhecidos internacionalmente como representantes do conjunto da nação e dos seus múltiplos interesses? Tudo o que podemos supor é que precisariam impor-se pelo medo e por meio de estratégias totalmente ultrapassadas, como aqueles velhos tanques de guerra e outros carros blindados soltando fumaça que desfilaram em Brasília em 2021.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
O que, entretanto, me chama a atenção não é o fato de um pequeno número de pessoas tentar controlar um país rico e complexo, pois isso pode acontecer em qualquer lugar do mundo. Importante é o fato de um militar no Brasil achar que pode controlar a sociedade porque é mais correto, mais rígido e mais honesto do que os demais. Aliás, a questão de fundo é entender por que uma parte importante da sociedade apoia essa estratégia e até a defende, como temos visto.
Isso é o que chamo de uma construção imaginária social, algo vivido como natural por um grande contingente de pessoas. Importante compreender o processo que torna as forças armadas e seus integrantes uma espécie de poder moderador aos seus próprios olhos, legitimando atitudes golpistas. Vários são os fatores que tornaram possível essa construção social. O primeiro deles é que somos um país de histórico autoritário, já que nunca alcançamos atribuir a devida importância às decisões coletivas. Assim foi durante nossa fase colonial e mesmo na imperial, quando, mesmo havendo eleições e partidos, eles não podiam incorporar o conjunto das opiniões. A autoridade para conduzir a sociedade sempre foi para os poucos que concentram muito poder e o exercem de cima para baixo.
Além de autoritários, temos também uma história social da violência. A imposição de regras por meio de mecanismos não somente autoritários, mas também violentos, sempre foi comum entre nós. Muitos conflitos graves no Brasil foram resolvidos assim, desde o uso da chibata contra os escravizados como por outras punições violentas que derramavam o sangue dos mais vulneráveis. Esses elementos sempre presentes nas “soluções” sociais para nossas crises acabaram por criar saídas que foram se tornando naturalizadas.
Foi, certamente, a partir dessas significações imaginárias sociais que soluções políticas de força se construíram ao longo do tempo e desse modo atribuíram às forças armadas o papel de resolver impasses. Isso não é um padrão, foi apenas a solução brasileira. Quando as bases que sustentavam o Império se esgotaram, os militares deram o golpe de 15 de novembro de 1889. A quartelada que afastou um imperador querido dos seus compatriotas não parece ter sido um bom início republicano. O natural seria vencer os impasses de um regime antigo e desgastado por um processo que deixasse aparecer a força das massas. Tanto essa presença militar foi desorganizadora durante a primeira república – entre 1889 e 1930 – que deixou sequelas graves no sistema político.
Quando Getúlio Vargas, em 1930, afastou os políticos que detinham hegemonia na cena política, também o fez através de um golpe apoiado nas forças da ordem. Até o endurecimento do regime, em 1937, tinha os mesmos traços da forma como fora implantado. Não precisamos falar muito de 1964, quando mais um golpe afastou um governo eleito. Foram muitos atos de força em nossa República, que nem tão velha é.
A quartelada que se tentou organizar para impedir a posse de Lula assenta-se nesse imaginário social de uma República sempre monitorada pela força das armas, pelas ameaças de morte, pelo poder dos militares. O mais grave, no entanto, não é esse retorno anacrônico, esse desejo de usar a força, mas o fato de ainda encontrar apoio entre a população.
Creio ser muito perigoso o desejo de grupos sociais no Brasil de projetar soluções pelo uso da força. É exatamente por esse motivo que o imaginário democrático precisa ser sempre trabalhado entre nós, pois os desejos autoritários ainda pulsam e sempre encontrarão apoio entre os mais conservadores.
Valorizamos sua opinião! Queremos tornar nosso portal ainda melhor para você. Por favor, dedique alguns minutos para responder à nossa pesquisa de satisfação. Sua opinião é importante. Clique aqui
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.