Coluna Vitor Vogas
Célia, Helder e Tomé: a radionovela do PT na eleição em Cariacica
Independentemente do resultado eleitoral, o programa de rádio de Célia Tavares (PT) pode ser considerado o mais criativo em exibição na Grande Vitória

Célia Tavares entre Helder Salomão e seu candidato a vice-prefeito, Hudson Vassoler
Independentemente do resultado da eleição para a Prefeitura de Cariacica, o programa eleitoral de rádio de Célia Tavares (PT) pode ser considerado o mais criativo em exibição na Grande Vitória. Desde o início do horário eleitoral gratuito, o programa de Célia é uma radionovela estrelada por ela mesma, o deputado federal Helder Salomão (PT) e… Tomé!
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Você logo pensou o mesmo que eu e não está enganado/a: a escolha do nome não é nem um pouco fortuita, remetendo mesmo ao mais cético dos 12 apóstolos de Jesus Cristo – aquele que precisava “ver para crer”.
Com roteiro linear e capítulos encadeados, o programa da candidata petista, educadora e ex-secretária municipal de Educação, tem um quê de pedagógico e de apostólico.
Filho de feirantes, Tomé é um jovem morador de Cariacica que, no decorrer dos episódios, transforma-se, basicamente, num discípulo adotado por Célia. O desenrolar dos programas se baseia na relação estabelecida entre a mestre (Célia) e seu discípulo (Tomé). Sob a orientação da guia ou mentora política, Tomé encontra iluminação e sabedoria a respeito da importância da política, dos problemas reais de Cariacica e de como é possível saná-los.
Como na narrativa bíblica do Novo Testamento, o roteiro dos programas de Célia apresenta um incauto Tomé que, ante o contato com a candidata e as lições transmitidas por ela, recebe “revelações” – não transcendentais, mas, num plano bem mais terreno, sobre a realidade política e os serviços públicos de Cariacica.
Inicialmente incrédulo como o personagem da Bíblia, o Tomé da propaganda de Célia gradativamente desenvolve uma consciência crítica e passa a crer na política como instrumento de transformação social. E nós, ouvintes, o acompanhamos nesse percurso rumo à tomada de consciência política. No encadeamento dos programas, o ceticismo inicial dá lugar, progressivamente, à esperança e ao desejo de mudança.
Cada episódio dura pouco mais de 2 minutos. A base de cada um é a encenação de um encontro espontâneo entre Célia e Tomé, além das intervenções de um narrador e da execução do jingle no final. Para o leitor captar melhor do que estamos falando, vale muito a pena transcrevermos os três primeiros programas.
CAPÍTULO 1
Célia Tavares percorre uma das feiras de Cariacica, conversando com os moradores. Ao fundo, ouvem-se barulhos típicos de uma feira livre.
Em campanha, a candidata encontra Dona Maria, uma antiga feirante, conhecida por ela. A mulher lhe informa que o marido, Batata, está com problema na coluna e há tempos vem tentando marcar uma consulta, “mas tá difícil, viu?” A senhora explica que agora quem a ajuda na barraca é o filho, Tomé.
Ao lado e ouvindo tudo, Tomé faz seu primeiro comentário, com um desdém que é seu cartão de visitas:
– Política… Sempre a mesma coisa: nesta época aparece todo mundo!
Célia se interessa, e o primeiro diálogo se desenrola:
– E aí, jovem? Qual é o seu nome?
– Tomé.
– Vejo que não gosta muito de política não, né?
– Gostar como, se toda eleição é a mesma coisa? Só promessa, promessa, promessa…
Ela mostra empatia:
– Eu te entendo, Tomé. Não é só você que está desiludido, não. Tenho ouvido isso quase todos os dias, mas te peço uma chance: conheça nossas ideias para Cariacica.
Ele reluta:
– Ih, ó, nem adianta mais falar. Eu não acredito em ninguém!
Célia adota tom professoral:
– Tomé, vamos conversar? Na política, se os bons se ausentam, os maus governam. Concorda? É um lugar que pode e precisa ser ocupado por quem quer fazer diferente.
Aí Tomé faz jus ao nome:
– Duvido que tenha gente assim na política. Só acredito vendo!
Entra, então, o narrador, dando o gancho para a continuação do enredo, no capítulo seguinte:
“E assim começa a jornada de Tomé e Célia. Um jovem descrente na política e uma mulher determinada a transformar o futuro de Cariacica. O que será que vai acontecer? Não perca os próximos capítulos aqui, na Rádio 13”. Entra o jingle de Célia, para amarrar o programa.
CAPÍTULO 2
Demarcando o encadeamento entre um capítulo e outro, cada novo episódio é aberto com uma fala do narrador resgatando o anterior. Logicamente, nenhum ouvinte vai conseguir (ou querer) escutar todas as transmissões do horário eleitoral, e cada episódio também pode ser ouvido isoladamente, sem prejuízo da mensagem. Mas há, também, uma sequência cronológica.
“No capítulo anterior, Célia Tavares conheceu Tomé, filho de feirantes de Cariacica, que está desacreditado da política”, introduz o narrador.
Tomé entra em cena reclamando do fato de que o pai segue sem poder trabalhar devido à dor nas costas e que ele mesmo não consegue marcar uma consulta por meio do aplicativo da Prefeitura Municipal.
– Eles fala (sic) que a consulta online ia acabar com as filas. Ai, ai… Quer enganar quem?
Empática, Célia endossa e amplia a reclamação:
– Isso é verdade, Tomé. Você e quase toda a população de Cariacica está insatisfeita com a saúde no município. Além do aplicativo de agendamento não funcionar, temos um problema sério de disponibilidade de médicos e especialistas – afirma ela, citando algumas especialidades.
Tomé está mesmo indignado:
– Então você tá ligada que tá faltando o básico aqui, né?
Célia pega a deixa para entrar no seu plano de governo e assumir alguns compromissos:
– Sei sim, Tomé. Cariacica investe o mínimo em saúde, e isso me preocupa, mas não vou parar enquanto não garantir que nosso povo receba o atendimento que merece. No nosso plano de governo, saúde, educação e segurança são prioridades. Nós vamos cuidar da prevenção. Vamos reorganizar a marcação de consultas online, com transparência, pra atender a todos e todas que precisam.
Tomé volta a dar uma de Tomé e faz a pergunta que os jornalistas costumam fazer diante de promessas grandiosas como essas:
– Duvido! E como você vai fazer isso tudo?!?
Pegando essa deixa, o locutor ataca novamente, com uma frase que arrancou uma risada espontânea deste colunista: “O jovem Tomé não está pra brincadeira! Ele coloca Célia contra a parede. Como será que ela vai sair dessa? Acompanhe o próximo capítulo!”
CAPÍTULO 3
Repetindo a fórmula, o episódio é introduzido por uma fala do narrador, a fim de “situar” o ouvinte sobre o ponto da trama em que estamos: “No capítulo anterior, Tomé desafia Célia a explicar como vai resolver os problemas da saúde do município. Animada com a abertura do rapaz, ela faz um convite”.
A candidata pede à mãe de Tomé para o liberar para ir tomar um caldo de cana com ela. Obtém a liberação.
Enquanto tomam o caldo “no capricho”, Célia explica a Tomé que, para reduzir as filas, vai criar o Centro Municipal de Especialidades, “com pediatra, psiquiatra, neurologista, ginecologista, dermatologista, endócrino e por aí vai”. Promete, ainda, que os cidadãos poderão agendar os exames e consultas pelo aplicativo da prefeitura, “que vai funcionar de verdade”.
Pela primeira vez, Tomé sai do estado de letargia. Começa a se animar com o discurso de Célia:
– Pô, seria um sonho resolver esses B.O. de médico aí… Depois do que aconteceu com o meu pai, minha ansiedade atacou. Mas, se nem ele conseguiu médico, eu vou conseguir? – retrocede ao ceticismo. – A última vez que eu fui no postinho, não tinha psicólogo!
Célia adota tom maternal:
– Obrigada, Tomé, por falar dessas coisas. Isso é urgente!
Em seguida, ela promete assumir a gestão dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) da cidade, “com uma política de saúde mental que atenda desde os jovens como você até os mais vulneráveis, que nunca são vistos”.
O descrente Tomé começa a se deixar tocar pelos argumentos de Célia:
– Caramba, Célia! Agora você começou a falar a minha língua, pô! Nunca vi político preocupado com isso! Agora eu fiquei interessado!
Dando nova deixa para Célia – o gancho para o episódio seguinte –, o jovem expande sua demanda por medidas concretas: “Mas, aqui, e as coisas de Cariacica que estão de mal a pior? Você vai olhar pra isso também?”
E o narrador arremata:
“Célia entra em mais uma saia justa com os questionamentos de Tomé. Ele não se intimida de fazer as perguntas que todo morador de Cariacica gostaria de fazer. O que será que ela vai responder? Acompanhe no próximo capítulo!”
OS CAPÍTULOS SEGUINTES
Nos capítulos seguintes, entra em cena outro personagem fundamental, o coadjuvante mais importante não só na radionovela como na campanha de Célia: o ex-prefeito Helder Salomão (PT), seu padrinho político e principal apoiador eleitoral.
Célia está andando com Helder pelas ruas, em campanha, e reencontra Tomé, casualmente. Aproveita para apresentar o seu aliado ao jovem, dizendo-lhe que ele já foi prefeito de Cariacica e, como tal, fez muito pela cidade. Tomé demonstra interesse, e Helder enumera algumas de suas realizações.
E assim prossegue a radionovela, episódio após episódio. No da manhã desta quarta-feira (25), Célia dá uma carona a Tomé até a casa de uma tia dele, que mora numa rua com valão a céu aberto. A candidata lhe explica seu plano para despoluir os rios que cortam a cidade.
