Coluna Vitor Vogas
Aumento para vereadores: incoerência do PT, mas indignação seletiva
Alvo maior dos protestos, Karla Coser foi a única que deu a cara a tapa. Mas transparência não foi acompanhada por consistência nos argumentos

Karla Coser (PT) deu um dos oito votos decisivos a favor do aumento salarial a contra o veto do prefeito. Crédito: Reprodução Facebook
Trago hoje algumas necessárias ponderações sobre o polêmico, inoportuno e absolutamente exagerado aumento salarial para os vereadores de Vitória no próximo mandato, graças à rejeição do veto do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) em votação no plenário da Câmara na última segunda-feira (12), com o voto da vereadora petista Karla Coser (PT) – mas não só o dela.
> Quer receber as principais notícias do ES360 no WhatsApp? Clique aqui e entre na nossa comunidade!
Por seu posicionamento desde a aprovação do projeto em 2 de maio, Karla está “apanhando” de todos os lados: de apoiadores petistas e de detratores antipetistas.
De fato, a posição de Karla é discutível, e eu mesmo discordo dela, especialmente pelo tamanho da quantia fixada (R$ 17,6 mil), pelo percentual absurdo de aumento numa tacada só (quase o dobro do atual salário) e, acima de tudo, pela inexplicável criação de um 13º salário para os vereadores, no mesmo projeto.
O voto de Karla também pode ser considerado incoerente com a história do PT, se pensarmos, é claro, naquele PT das origens, de antes do primeiro governo Lula, que pregava combate a privilégios no poder público etc.
Se bem que esse navio já zarpou, e o partido infelizmente já abandonou há muito tempo esses princípios que estão na sua fundação, haja vista os esquemas de desvio de dinheiro público para irrigação de campanhas eleitorais (caixa dois) e enriquecimento ilícito de agentes públicos, descobertos na Operação Lava Jato.
Então, sim, o voto de Karla é bastante discutível, não cabe a menor dúvida… assim como bastante discutível é a clamorosa indignação seletiva que se manifestou no episódio.
Voto contra o veto não obedeceu a ideologias
Entre os oito que votaram contra o veto de Pazolini, tirando Karla Coser, todos são vereadores ou de centro ou de direita.
Três seguramente são de direita: o presidente da Câmara, Leandro Piquet (Republicanos), que assim votou apesar de ter se declarado inúmeras vezes contra o aumento; o líder de Pazolini na Casa, Duda Brasil (União Brasil), que assim votou mesmo tendo sido autor de parecer pela manutenção do veto na Comissão de Justiça; e Maurício Leite (Cidadania), um dos três autores da iniciativa.
Há, ali, alguns eleitores e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que chegou ao Planalto Central em 2018 falando em “acabar com a mamata” e, no entanto…
Tirando Luiz Emanuel (Republicanos), ausente, e os votos a favor do veto de Monjardim (Patriota), André Brandino (PSC) e Davi Esmael (PSC), quase toda a base do prefeito votou pela derrubada do veto, portanto a favor do reajuste.
Karla Coser não aprovou esse aumento sozinha, porém não se viu a mesma indignação em relação aos sete colegas dela do Centrão ou da direita que tiveram o mesmo peso que o voto dela na confirmação do aumento…
Cumpre acrescentar que a crítica jamais pode extrapolar os limites do respeito. Na segunda-feira (12), logo após a derrubada do veto, o vereador Duda Brasil, que presidia os trabalhos, encerrou a sessão subitamente, a pedido de André Moreira (PSol), alegando grave tumulto: da galeria, uma senhora – da extrema direita bolsonarista, pelo que apurei – começou a xingar Karla Coser com termos chulos e misóginos.
Não se ouviram os mesmos xingamentos aos sete homens que deram o mesmo voto.
Argumentação de Karla: transparência, mas inconsistência
A favor de Karla Coser, é preciso reconhecer que ela, pelo menos, deu a cara a tapa. Antes da votação do projeto de reajuste no dia 2 de maio, falou com a imprensa sobre o tema; logo depois da aprovação, postou um vídeo em seu Instagram, aberto para comentários gerais, justificando seu voto a favor desse projeto e de outro, igualmente polêmico, aprovado no mesmo dia, ampliando o número de vereadores em Vitória dos atuais 15 para 21 a partir do próximo mandato.
Foi uma atitude de louvável transparência, mais ainda porque foi a única. Nenhum outro apoiador do reajuste em Vitória – aliás, nenhum outro defensor de aumentos similares que têm sido aprovados aos montes nas Câmaras Municipais do Estado – deu à população qualquer satisfação sobre seu voto favorável à medida, seja em plenário, seja nas redes sociais.
Isso posto, devo dizer que discordo dos argumentos da vereadora, a meu ver inconsistentes e até um tanto incoerentes.
A estrutura física da Câmara
O primeiro argumento de Karla para explicar a valorização salarial dos vereadores, conforme o vídeo publicado por ela em maio, é que a Câmara possui graves problemas estruturais e oferece condições de trabalho precárias aos próprios parlamentares:
“Eu tenho reclamado da estrutura física da Câmara, de elevador com problemas, banheiros e diversas outras coisas. Mas, para além disso, para que o nosso trabalho seja exercido da melhor forma, essa recomposição de salário de uma Câmara que não tem motorista, não tem tíquete-alimentação, não tem celular, não tem recursos inclusive para impressos […].”
De fato, essa é uma reclamação antiga de muitos vereadores, e a própria Karla vem batendo nessa tecla há algum tempo. As instalações da atual sede da Câmara de Vitória são realmente ruins; as condições materiais, idem.
Mas não há nenhuma relação direta entre o valor do salário dos vereadores e melhoria estrutural da Câmara. Um valor bem mais alto nos contracheques dos próprios edis não é o que vai resolver os problemas estruturais da Casa. Ao contrário, pode ter efeito reverso, como explicarei a seguir.
“Folga” para aumentar o orçamento
O segundo argumento da vereadora, num esforço para demonstrar que o aumento na verdade não gera impacto para os cofres públicos, foi o seguinte: “A Câmara não gasta nem 50% do que é de direito para que ela possa funcionar. […] Não há um impacto financeiro para a cidade nesse sentido.”
É preciso explicar.
Ao dizer que a Câmara de Vitória não gasta nem metade do que poderia, Karla se refere ao texto da Constituição Federal, que no artigo 29-A determina: no caso de municípios que tenham entre 300.001 e 500 mil habitantes, como é o caso de Vitória, a Câmara Municipal só pode gastar num ano, incluindo a remuneração dos vereadores, até 5% da receita total realizada pela Prefeitura no ano anterior.
No caso concreto, o orçamento da Câmara de Vitória neste ano é de R$ 40.196.000,00. Por aproximação, isso não chega à metade do que poderia ser, ou seja, não chega a 2,5% da receita realizada pela Prefeitura de Vitória em 2022.
O primeiro problema do raciocínio
A questão é que, com esse aumento aprovado pelos vereadores para 2025, duas coisas podem ocorrer: ou a Câmara passará a gastar um percentual muito maior do próprio orçamento com o pagamento de vereadores, ou a Prefeitura terá que aumentar, e bem, o orçamento da Câmara.
Na primeira hipótese, a Prefeitura manterá no atual patamar o percentual da receita repassado para a Câmara, de modo que esta, em 2025, continuará precisando cobrir todas as suas despesas com um orçamento equivalente a 2% da receita municipal.
Mas a folha de pagamento dos vereadores crescerá de qualquer maneira – na verdade, mais que duplicará, com o aumento salarial, a criação do 13º e a chegada de mais seis vereadores.
Assim, o gasto com a remuneração dos edis passará a “comer” uma fatia bem maior do orçamento da Câmara, caso este não seja proporcionalmente ampliado pelo prefeito Pazolini de 2024 para 2025.
A consequência disso? A presidência da Câmara, em 2025, terá que direcionar para o pagamento dos vereadores recursos que poderiam ser mais bem utilizados de outra forma, inclusive na própria reestruturação e em melhorias das condições de trabalho dos parlamentares.
Em conclusão, em se confirmando essa hipótese, a tendência é que o aumento salarial aprovado pelos vereadores na verdade tenha o efeito contrário, reduzindo a capacidade de investimento da Casa nas melhorias reivindicadas por eles mesmos, em prejuízo de suas condições de trabalho e da qualidade do exercício dos mandatos.
O segundo problema do raciocínio
Na segunda hipótese, no ano que vem, ao elaborar o orçamento municipal de 2024 para 2025, a administração de Pazolini pode ampliar a fatia do bolo reservada para a Câmara.
Assim, em vez dos atuais 2%, a Prefeitura poderá repassar ao Legislativo, em 2025, um percentual maior da receita, dentro do limite de até 5%, a fim de que a Câmara possa honrar sem dificuldades sua nova folha de pagamento.
Nesse caso, a conclusão é óbvia: o aumento salarial dos vereadores significará, sim, aumento do gasto de recursos públicos do município com a Câmara de Vitória, já que esta passará a “sugar” um pedaço maior da receita municipal – ainda que a fatia recebida continue dentro do limite legal.
Emprego mais atraente
Por fim, Karla argumentou: “Esse salário nem é diretamente para mim. É para quem for candidato em 2024, para os que forem reeleitos ou chegarem na Câmara”.
É verdade. Mas que o emprego ficou mais atraente para os candidatos, isso sem dúvida ficou…
Reações contrárias
Nos comentários ao vídeo, postado por ela no início de maio, Karla “apanhou” como massa de pão. Apoiadores do seu voto foram exceção. A maioria de seus seguidores, incluindo muitos eleitores dela, discordaram da argumentação. Muitos compararam o futuro salário dos vereadores (R$ 17,6 mil) com as dificuldades financeiras enfrentadas pelo trabalhador comum…
Aquele mesmo, teoricamente, representado pelo PT.
