Coluna Vitor Vogas
Antes que a Casa caia, Câmara de Vitória decide alugar nova sede
Procura-se um novo endereço: com sede histórica caindo aos pedaços, Leandro Piquet recorre à iniciativa privada. Em poucos dias, presidente lançará um chamamento público ao mercado com o objetivo de alugar um imóvel adequado às necessidades da Casa
Um dia a Casa cai. E esse dia pode não tardar, a julgar pelo atual estado físico do conjunto de três prédios que abrigam a Câmara de Vitória, na Avenida Beira-Mar. Antes que isso aconteça, o presidente Leandro Piquet (Republicanos) decidiu: não tendo mais condição alguma de permanecer ali, o Legislativo Municipal se mudará o quanto antes para uma nova sede. O caminho escolhido por Piquet é alugar um imóvel da iniciativa privada – se possível, já em 2024. Para isso, a Câmara irá ao mercado.
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Nos próximos dias, o presidente publicará um chamamento público, especificando os pré-requisitos exigidos pela Casa para a instalação da nova sede. A partir da consulta pública, os interessados no mercado imobiliário deverão apresentar suas opções.
O prédio escolhido pela direção da Câmara deverá atender às exigências detalhadas no chamamento e, se for o caso, passar pelas adequações necessárias a fim de abrigar o Poder. Nesse caso, os custos das adaptações correrão por conta do proprietário do imóvel. A Câmara só começará a pagar o aluguel (em valor ainda não estimado) a partir da ocupação da nova sede.
A forma de locação escolhida por Piquet é uma modalidade introduzida pela nova Lei de Licitações (a Lei Federal nº 14.133/2021), conhecida como BTS, do inglês built to suit (“construído sob medida” ou, literalmente, “construído para atender”). Trata-se de um tipo de contrato de locação de longo prazo usado no ramo imobiliário, no qual o imóvel já é construído ou reformado para atender às demandas e interesses específicos do locatário, pré-determinadas no contrato entre as partes.
É algo bem próximo, segundo Piquet, ao que fez recentemente a Câmara de Vila Velha. No município vizinho, dadas as limitações estruturais da antiga sede no Parque da Prainha, o Parlamento Municipal se mudou, em agosto, para um prédio particular alugado no Centro de Vila Velha, adequado às exigências do Poder. “É a mesma lógica.”
No caso da Câmara de Vitória, são duas as motivações da resolução tomada por Piquet. A primeira delas, preponderante, são as atuais condições estruturais – efetivamente deploráveis – do complexo de três edifícios onde funciona, há décadas, o Parlamento de Vitória, num terreno pertencente à municipalidade e localizado bem ao lado da sede da Prefeitura Municipal.
O conjunto é formado pelo Plenário Maria Ortiz – cedido pela Prefeitura e projetado originalmente para ser uma biblioteca pública –, pelo Edifício Atílio Vivácqua – também cedido pela Prefeitura e local de espaços administrativos – e pelo chamado Anexo. Pago pela própria Câmara e chamado por Piquet de “puxadinho”, este último é onde ficam os gabinetes dos 15 vereadores. É difícil dizer qual dos três encontra-se em estado mais sofrível. Somando os três prédios, a sede tem 3,5 mil metros quadrados de área construída.
Um laudo elaborado e apresentado em maio pelo CREA, a pedido da direção da Câmara, não admite dúvida quanto aos riscos apresentados pelas edificações, inclusive aos vereadores, servidores e visitantes da Câmara.
Se não bastasse o laudo, o testemunho visual basta por si – como restou comprovado no tour pelas dependências da Casa em que Piquet fez questão de guiar os jornalistas, este incluído, logo após a entrevista coletiva para expor e explicar sua decisão, na tarde dessa quarta-feira (4).
A própria coletiva de imprensa foi bastante eloquente – mais precisamente, o cenário em que ela se deu. No próprio gabinete da presidência, no último andar do Anexo, Piquet apresentava fotos incluídas no parecer técnico do CREA, na tela de plasma de um televisor. Bem acima dele, o teto, de um lado, tinha um buraco tampado com isopor; do outro, buracos vedados com sacos de lixo. Foi uma imagem que “autoconfirmou” o teor do que se queria descrever.
A segunda motivação da mudança, complementar à primeira, é o aumento do número de vereadores em Vitória a partir de janeiro de 2025. Em maio, os atuais vereadores aprovaram a ampliação de 15 para 21, na próxima legislatura. Isso significa a necessidade de criação de mais seis gabinetes em pouco mais de um ano, além de toda a nova força de trabalho que virá a reboque: como cada parlamentar da Capital pode contar com até 15 assessores de gabinete, estamos falando, potencialmente, da chegada de mais 90 servidores, fora estagiários.
Se já está difícil trabalhar ali nas atuais condições, que dirá com mais quase cem pessoas…
Logo após a aprovação das seis cadeiras a mais em plenário, o próprio Piquet antecipou à coluna, em maio, que a mudança para uma nova sede se faria necessária.
Na coletiva de imprensa, ele admitiu que esse fator reforça a necessidade, mas sublinhou: o fator determinante é mesmo de ordem estrutural. Mesmo que o número de edis permanecesse em 15, a mudança de sede seria urgente e inadiável de igual modo, dada a infraestrutura precária que já não atende o Parlamento e ameaça a segurança de quem o frequenta: “A premissa é essa”.
Como será feita a locação?
Com o diagnóstico do CREA apresentado em maio, a direção da Câmara constatou a necessidade de mudança de sede e fez um estudo técnico preliminar. Piquet, então, bateu às portas da Superintendência de Patrimônio da União (SPU), do Governo do Estado e da Prefeitura de Vitória, em busca de um imóvel compatível. Ouviu um “não” atrás do outro.
“Questionamos se eles possuem prédios que atendam às necessidades levantadas pelo nosso estudo técnico preliminar. Poderíamos trabalhar com alguma troca ou permuta. No mês passado, recebemos respostas negativas dos três entes federativos. A sede da Câmara precisa ter pré-requisitos muito específicos, em termos de arquitetura, principalmente se pensarmos no plenário. Então temos de encontrar outro lugar para o Poder exercer suas funções”, explicou o presidente.
Fez-se, então, a opção pela modalidade BTS. “Você lança essa consulta pública no mercado, e os particulares se manifestam: ‘Tenho um prédio que consegue te atender’. A Câmara não precisa comprar o prédio. O particular faz todas as adequações e, a partir das adequações, você começa a pagar e faz a mudança. Com isso conseguimos reduzir custos, pois as reformas prediais da atual sede são muito onerosas. E não teremos gasto imediato para uma construção de sede própria ou uma compra de imóvel. O metro quadrado em Vitória é caro demais.”
Segundo Piquet, o proprietário do prédio escolhido também deverá bancar o projeto arquitetônico e as reformas necessárias, livrando a Câmara também dessas despesas. “Projetos arquitetônicos também costumam ser caríssimos.”
A consulta será publicada por Piquet no Diário Oficial daqui a poucos dias, servindo como uma “prospecção de mercado”. A partir da publicação, os particulares interessados terão oito dias para responder ao chamamento. Na consulta (uma espécie de edital), estarão especificados detalhes como, por exemplo, a metragem mínima e máxima do imóvel, mas Piquet preferiu não os antecipar.
Segundo o presidente, o chamamento não especificará local (por óbvio, tem de ser em Vitória) nem o valor máximo de aluguel que a Câmara está disposta a pagar – diferentemente de uma licitação convencional.
Nessa modalidade, o caminho é o inverso. Para cada imóvel oferecido à Câmara, um órgão chamado Copea, vinculado à Secretaria Municipal de Obras (Semob), fará uma avaliação in loco e apresentará à Casa um valor de mercado, isto é, o quanto vale aquele imóvel. Trata-se da Comissão Permanente de Engenharia e Avaliação, que elabora pareceres técnicos a partir de consultas.
Piquet não quis precisar um prazo, mas disse esperar que a mudança esteja pelo menos iniciada até o fim de seu atual mandato na presidência – portanto, até o fim do ano que vem.
“Minha esperança, sendo otimista, é assinarmos o contrato ainda este ano para começarmos a obra no ano que vem e começarmos e o processo de mudança também no ano que vem. O cenário ideal é a Câmara se mudar por completo até o fim de 2024.”
Centro de Vitória na mira
Piquet evita falar em “preferência” por determinada região da cidade. Mas, na coletiva de imprensa – assim como já fizera em conversa com a coluna em maio –, manifestou profunda simpatia pela ideia de levar a Câmara para o Centro de Vitória, até para contribuir com o processo de revalorização imobiliária do bairro. “O Centro é um local que me agrada”, confirmou o presidente.
“O servidor não precisa trabalhar de frente para o mar. Não tenho restrição, mas quero evitar lugares de alta especulação imobiliária.”
Contrato de manutenção predial
Enquanto toma as providências técnicas visando à mudança, a direção da Câmara está executando um contrato de manutenção nos três prédios da sede atual. Firmado por meio de adesão a ata de registro de preços logo após o laudo do CREA, em maio, o contrato custa R$ 800 mil, pagos com recursos do orçamento da Câmara no atual exercício.
“Esse contrato visa suprir as necessidades emergenciais e mais críticas, ainda mais quando se trata de questões de segurança”, explica Piquet. Mas as reformas, reitera, não serão suficientes para que a Câmara continue funcionando ali.
O destino da atual sede
A intenção do presidente, na verdade, em diálogo com o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos), é, após a mudança para a futura sede, entregar os três prédios da sede atual para uso da Prefeitura.
Nesse caso, o Executivo poderá transferir para lá (se as condições físicas o permitirem) secretarias e órgãos municipais que hoje funcionam mais ditantes da sede da Prefeitura, inclusive em prédios alugados, economizando recursos.
“A Prefeitura tem a intenção de vir para cá. Será mais prático, e vamos entregar um prédio muito melhor”, afirma Piquet.
“Estamos nos esforçando para fazer as adequações que conseguimos, mas não temos condições de fazer todas as adequações necessárias para que o Poder Legislativo permaneça aqui e atenda a contento a sociedade. Além de avançar no processo de mudança, reformas estruturais já estão sendo realizadas para que a Prefeitura possa ocupar o prédio. Havendo êxito no processo da mudança, o prefeito traria outras secretarias para cá e faria um movimento de centralização da gestão.”
Quais secretarias? “Aí é uma decisão do prefeito”, responde Piquet.
E se não der certo?
Mas… e se o plano de Piquet não der certo? Se a consulta pública não atrair nenhum interessado, ou se nenhum dos imóveis oferecidos atender aos pré-requisitos?
Nesse caso, responde Piquet, ele voltará a conversar com Pazolini. A última cartada seria tentar trocar de lugar com alguma secretaria ou órgão da Prefeitura.
Transparência
Diferentemente de um processo licitatório padrão, o built to suit abre a possibilidade de que o prédio escolhido pela direção da Câmara não seja, necessariamente, o mais vantajoso economicamente, pois uma série de outras variáveis serão levadas em conta na decisão. Perguntei a Piquet se isso não pode dar margem a alegações de favorecimento ou direcionamento na escolha.
“Posso responder a isso muito tranquilamente. Eu poderia ter optado pela inelegibilidade. A legislação me dá a possibilidade de escolher independentemente de consulta pública. Mas optamos por essa modalidade, com total publicidade. O processo será fiscalizado pelo Tribunal de Contas do Estado e outros órgãos de controle externo, como qualquer processo licitatório. E os valores de mercado serão todos atribuídos pelo Copea, comissão ligada à Secretaria Municipal de Obras.”
CREA: “perigo de vida”
Trincas, vazamentos, infiltrações, problemas na tubulação hidráulica e na fiação elétrica, ampla falta de acessibilidade, elevadores de tamanho residencial… Vai longe a lista de problemas na infraestrutura da sede atual. Um trecho do parecer do CREA dá a exata noção da gravidade:
“Após a análise dos sistemas construtivos através de vistoria in loco, identificou-se [sic] diversas anomalias, falhas e não conformidades com grau de risco desde mínimo até crítico podendo acarretar perdas pequenas, parciais e até totais de desempenho e funcionalidade dos sistemas e subsistemas da edificação, além de prováveis impactos irrecuperáveis para a edificação e perigo de vida para os transeuntes, colaboradores e frequentadores da CMV.”
Comparação com a boite Kiss
O próprio Piquet cita outros, destacando as condições do plenário Maria Ortiz. Ele chega a fazer uma analogia com o incêndio na boite Kiss, em Santa Maria (RS), que deixou 242 mortos em 2013.
“O piso do plenário é todo de carpete e o teto é de plástico. Se pegar fogo, o fogo se alastra. Só tem uma saída, o que limita o escoamento em caso de incêndio ou tumulto.”
Um primeiro susto já foi dado. No primeiro semestre, após muito tempo sem reforma preventiva, problemas elétricos no plenário obrigaram a Câmara a realizar suas sessões plenárias em um auditório da Assembleia Legislativo, por uma semana. Foi justamente por essa ocasião que a direção da Casa recorreu ao CREA.
Aperto nas galerias
As galerias do plenário, diz o presidente, só comportam 90 pessoas, e oradores ficam expostos a eventuais agressões de populares. “Em prestações de contas, audiências públicas, nos principais eventos da Câmara, o plenário não comporta o público interessado. O prédio não foi projetado para comportar o fluxo de pessoas que temos hoje, mas para ser uma extensão da Prefeitura.”
Para completar, não há, segundo ele, condições para a implantação de um sistema de controle de acesso ao plenário. Qualquer um pode entrar, basicamente. “Não conseguimos encontrar uma solução para garantir a segurança da própria população, dos parlamentares e das autoridades que vêm aqui para realizar o seu trabalho no dia a dia.”
Falta de acessibilidade
Do lado de fora do plenário, até no estacionamento, há limitações de acessibilidade para idosos e pessoas com deficiência. “Hoje essas pessoas têm dificuldade de participar do sistema democrático dentro do Parlamento de Vitória. Isso se agrava quando você vai ao plenário. Hoje o cadeirante não consegue ir ao banheiro no plenário porque o banheiro ali não é acessível.”
De acordo com o presidente, há margem muito limitada para reformas no plenário e no Edifício Atílio Vivácqua, pertencentes à prefeitura, pois os dois prédios são tombados, o que impede ajustes estruturais significativos. “E, em razão do tombamento, o custo para reformá-los é elevadíssimo.”
Alvará: “Se fosse hoje, não teríamos”
Mas, funcionando em tais condições, essa sede por acaso tem alvará? Até tem, responde Piquet, fazendo uma grande ressalva: “A autorização é pautada nas legislações anteriores. Se o prédio hoje fosse construído nessas condições, não receberíamos autorização para funcionamento. A acessibilidade é indevida, contrária às normas atuais”.
Responsabilização
O presidente conclui assim:
“É um problema a ser enfrentado, e estamos dispostos a encará-lo. Não posso permitir que aconteça um problema e, lá na frente, alguém vir me cobrar: ‘Piquet, se você sabia do problema, por que não fez nada a respeito?’”
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