Coluna Vitor Vogas
Análise: quem poderá desafiar Euclério Sampaio em Cariacica?
Coluna analisa o cenário eleitoral no momento em Cariacica, o favoritismo do atual prefeito, seus potenciais concorrentes e o impacto de cada um na disputa
Em grandes cidades, a eleição para prefeito costuma reunir um grande número de candidatos em uma destas circunstâncias: ou o prefeito da vez está encerrando o segundo mandato seguido e não pode disputar novamente, acentuando a expectativa de poder no meio político local, ou, concluindo o primeiro mandato, até poderia disputar, mas está tão mal avaliado que não tem a menor chance de triunfo.
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Em 2020, na eleição municipal em Cariacica, houve certa combinação desses fatores: em vias de encerrar o segundo mandato, Juninho não podia concorrer, mas, para além disso, chegou ao fim dos seus oito anos de governo tão desgastado que nem sequer lançou um candidato, não apoiou ninguém e se manteve o mais distante possível da própria sucessão.
Somando-se a esses elementos um cenário totalmente atípico de ápice da pandemia, o resultado foi um número recorde, absurdo sob todos os ângulos: Cariacica teve nada menos que 14 candidatos a prefeito naquele pleito, marcado pela pulverização dos votos do eleitorado. Com módicos 18,8% dos votos válidos no 1º turno, o então deputado estadual Euclério Sampaio (então no DEM) passou em 1º lugar para a fase decisiva do processo, contra a educadora Célia Tavares (PT), com apenas 14% dos votos válidos. No 2º turno deu Euclério, com 58,7% dos votos válidos.
Passados quase quatro anos, com a nova eleição municipal batendo à porta, o que se nota em Cariacica é um quadro radicalmente diverso. O atual prefeito, Euclério, não só pode buscar a reeleição (e ele afirma que o fará) como entra nessa disputa na condição de absoluto favorito. “Só não me lancei antes porque tinha, e ainda tenho, muita coisa para entregar”, diz Euclério, declarando-se pré-candidato.
A sensação geral, corroborada por agentes políticos de Cariacica e de fora da cidade, é que o policial civil aposentado que chegou à prefeitura em 2021 está incrivelmente bem avaliado, assim como a sua administração – sustentada em grande medida, política e financeiramente, pela parceria estabelecida com o governo de Renato Casagrande (PSB), seu grande fiador e “patrocinador”. Na Câmara Municipal, entre os 19 vereadores, não existe uma só voz de oposição. Na cidade, elas também rareiam. Se não chega a ser unanimidade, Euclério visivelmente construiu em torno de si uma grande unidade política, atraindo quase todas as forças do município para sua base e sua administração.
Euclério atualmente concentra tamanho capital político que, ao contrário de 2020, quando proliferaram candidaturas motivadas pelo vácuo de poder aberto pelo pós-Juninho, o que se enxerga hoje na cidade é uma escassez de concorrentes, um vazio de adversários dispostos a enfrentá-lo nas urnas. Quem fará frente ao prefeito? Quem desafiará seu favoritismo? Alguém de fato é capaz de ameaçar uma reeleição que hoje parece muito bem encaminhada?
No momento, para não dizer que Euclério não enfrenta concorrência alguma, despontam apenas dois potenciais oponentes com disposição para encará-lo. Não por acaso, os dois representam as duas faces da polarização ideológica que tem dominado a política nacional desde 2018.
De um lado, temos o Pastor Ivan Bastos, representante do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e, portanto, do bolsonarismo. O presidente municipal da sigla, Adriano Pires, aliado de longa data do senador Magno Malta (PL), garantiu à coluna a postulação do pastor, candidato a prefeito da cidade em 2020 pelo MDB. “Quem decide é a direção estadual, presidida pelo Magno, mas a candidatura é irreversível. Não tem mais retorno”, ratifica o dirigente local, candidato a vice-prefeito pelo PL na chapa do Dr. Motta (DC) em 2020. O PL não está na administração de Euclério.
Do outro lado, temos a nova pré-candidatura de Célia Tavares, já aprovada e lançada pela direção municipal do PT, em decisão unânime por parte das correntes internas do partido (ela integra a Articulação de Esquerda, da deputada estadual Iriny Lopes, uma das correntes que compõem o campo Para Voltar a Sonhar). Secretária municipal de Educação no governo de Helder Salomão (PT), Célia tem no hoje deputado federal, ainda muito influente na cidade, seu principal apoiador e cabo eleitoral.
Se de fato vingar o projeto solo do PL, trata-se de uma candidatura que nasce com muito pouco peso. Apostando no voto ideológico e apresentando o seu candidato como o “representante da direita”, o PL pode buscar atrair os eleitores mais fiéis ao bolsonarismo… É o único ativo que lhes resta, pois o candidato é muito pouco conhecido e promissor. Em 2020, dos 14 postulantes, Bastos chegou em penúltimo lugar, com 1.658 votos (só 1% dos válidos).
Essa estratégia, porém, é de eficácia duvidosa. Pode ser neutralizada em grande parte pelo fato de que Euclério também certamente atrai um bom número de eleitores de direita. Afinal, um político de direita é o que ele sempre foi na vida, em seus muitos mandatos na Assembleia, muito antes da ascensão do bolsonarismo no país. Foi precisamente assim, como representante da direita na eleição polarizada contra Célia no 2º turno em 2020, que ele conseguiu se impor sobre a candidata do PT.
Com sua recente migração para o MDB, partido situado no centro do espectro ideológico e pertencente à base do governo federal de Lula (PT), alguns podem até alegar que Euclério fez uma inflexão de fundo ideológico… A meu ver, a mudança de partido responde muito mais a um objetivo pragmático: jogando com a camisa do MDB, fica ainda mais fácil para ele aprofundar a sua estratégia de atrair todas as forças políticas possíveis, da esquerda à direita.
As discordâncias na Federação PT/PV/PCdoB
Já no caso da pré-candidatura de Célia, é preciso antes de tudo fazer uma ponderação. Se é verdade que seu lançamento conta com apoio geral dentro do PT, o mesmo não pode ser dito em relação à federação da qual o PT faz parte: a Federação Brasil da Esperança (Febrasil), também composta pelo Partido Verde (PV) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Por ora, não existe consenso para fora da sala de reunião dos dirigentes petistas. A pré-candidatura de Célia ainda não foi discutida a fundo com os parceiros compulsórios do PT de Cariacica, que ainda precisam ser convencidos. O que se vê no momento são focos de resistência tanto por parte do PCdoB como, principalmente, do PV (enquanto Euclério, é claro, agradece).
Por “focos de resistência”, leia-se a defesa de outros planos. Entre os parceiros verdes e vermelhos do PT na federação, há quem prefira até apoiar a reeleição de Euclério. Além disso, tanto o PCdoB como o PV acenam agora com seus próprios pré-candidatos para se fortalecerem na mesa de negociação com o PT.
O comerciante Nelson Baby, presidente municipal do PCdoB, coloca para jogo o nome do policial federal Jacques Douglas, candidato do partido a vice-prefeito em 2020 na chapa do Dr. Heraldo Lemos (também do PCdoB). Mas ele também encampa a tese de apoio da federação a Euclério:
“Avalio muito a hipótese dessa composição. O PCdoB está muito próximo do PV. Sabemos que Euclério está no MDB, que é base do governo Lula junto com a Febrasil. Acho que temos de defender nossa candidatura própria no PCdoB, mas também não descarto compormos a base do atual prefeito, uma vez que ele está muito bem posicionado com o Governo do Estado e também com o Governo Federal em Brasília, por estar agora no MDB.”
O dirigente comunista, por sinal, não poupa elogios à administração de Euclério. “Tirando as questões ideológicas, avalio como uma boa administração. O problema que todos os municípios têm é o problema crônico da saúde, e em Cariacica não é diferente. Mas vemos que muitas coisas estão acontecendo na cidade”, opina Baby, que já foi assessor de deputados na Assembleia, na Câmara de Cariacica e na administração de Helder Salomão.
Por seu turno, o PV já colocou sua carta na mesa em reunião com os petistas: o pré-candidato do partido é o atual presidente dos verdes no município, o ex-vereador Heliomar Costa Novais. Fora da atividade política há alguns anos, ele foi presidente da Câmara de Cariacica de 2007 a 2008, além de secretário de Articulação Política na segunda gestão de Helder (2009-2012).
A coluna não obteve retorno do próprio Heliomar, mas falou com o vereador Cesar Lucas, seu grande incentivador nesse debate interno. Durante a maior parte da administração de Euclério, Lucas foi o líder do prefeito na Câmara, o que tem um sentido muito importante reconhecido pela própria Célia Tavares: o PV, a bem da verdade, faz parte do governo de Euclério.
Além de mais uma evidência da quase unanimidade erguida pelo prefeito nos últimos anos, esse fato pode ser um empecilho para o PT no âmbito da federação, dificultando a produção de um consenso em torno de Célia. Lucas afirma que tudo precisa ser melhor discutido a partir de agora nos foros da federação, mas que PCdoB e PV estão juntos nesse debate. A proximidade do vereador com Euclério é tal que, em 2022, foi ele quem coordenou em Cariacica a campanha a deputado estadual de Denninho Silva (UB), ex-assessor parlamentar e primo do prefeito.
A princípio, na visão do colunista, a tese de lançamento de Heliomar em detrimento de Célia só favorece Euclério, pois a petista é, por óbvio, uma candidata muito mais competitiva.
Mostrando-se despreocupada, a própria Célia afirma que o debate com os parceiros da federação em nível local é importante, mas que a decisão final sobre candidatura majoritária em Cariacica independe da vontade dos dirigentes municipais. Virá, segundo ela, de Brasília, cabendo à direção nacional da federação, presidida por Gleisi Hoffmann e hegemonizada pelo PT – daí toda a despreocupação exibida por ela. A aliada de Helder Salomão evoca resolução nacional segundo a qual o mesmo se dará em todos os municípios brasileiros com mais de 100 mil eleitores, como é o caso de Cariacica.
Integrante da corrente CNB (a mesma que controla o PT nas esferas estadual e nacional), o presidente do partido em Cariacica, Luiz Carlos Guarink Dias, ratifica o apoio interno unânime à pré-candidatura de Célia:
“O nome dela foi aprovado por unanimidade pelo Diretório do PT em Cariacica, formado por várias tendências. Temos a nossa pré-candidatura. Agora, estamos dialogando com os companheiros da federação para tentarmos chegar a um consenso. O Euclério está no MDB, que é base do governo Lula em âmbito federal, mas, no que depender da nossa Executiva Estadual e da Municipal, a candidatura que representa o PT é a da Célia.”
Segundo o dirigente petista, abrir mão da pré-candidatura não está em discussão neste momento: “O nome que tem mais condições de aglutinar forças para uma disputa em Cariacica é o da Célia Tavares. Ela foi para o 2º turno em 2020, tem toda uma base e toda uma estrutura. Neste momento não existe essa possibilidade, porque estamos reiterando muito firmemente o nome da companheira Célia.”
Se Célia for mesmo candidata
Supondo que Célia seja mesmo candidata a prefeita, hipótese tida hoje como mais provável por este colunista, não acredito que a petista, nem mesmo o PT isolado, tenham força suficiente para pôr em xeque o favoritismo do atual prefeito, no que seria uma quase disputa de Davi contra Golias, um “todos com Euclério e só o PT (e o PL) contra”. Entretanto, se confirmada a entrada dela no páreo, teremos a certeza de que a disputa ficará, no mínimo, mais interessante e empolgante. Será a garantia de que Euclério não ganhará por W.O., nem a campanha à reeleição será um desfile olímpico para ele pelas ruas da cidade calçadas com dinheiro do Governo do Estado.
Haverá o exercício do contraditório, e Euclério terá de se haver com críticas (muitas críticas), a julgar pela “amostra grátis” já fornecida pela pré-candidata na entrevista à coluna publicada na última sexta-feira (26) – críticas às quais Euclério passou praticamente incólume durante o mandato.
Em primeiro lugar, ainda que insuficientes para garantir uma surpreendente vitória de Célia e talvez nem sequer um 2º turno – Bolsonaro teve 56,4% dos votos contra Lula em Cariacica em 2022 –, os votos mais ideológicos do petismo tenderão a migrar automaticamente para a candidata do partido, que terá aí uma base de partida de pelo menos 20% dos votos válidos.
O segundo e mais importante aspecto tem mais a ver com a campanha do que propriamente com o resultado: a participação de Célia fortalecerá o debate. Com discurso muito bem articulado, a professora de História pode incomodar, e muito, o prefeito no confronto de discursos e argumentos.
Um exemplo emblemático vem das eleições passadas, em 2020. Foi um pleito marcado por pouquíssimos debates públicos entre os postulantes, em virtude da pandemia. Mas, na reta final do 2º turno, a Rede Gazeta produziu um debate entre Euclério e Célia, separados no estúdio inclusive por paredes de acrílico, por medida de segurança sanitária.
Com todo o respeito ao prefeito, entre inúmeros debates que vi e cobri desde 2008, esse foi o maior massacre de um candidato sobre o outro em um confronto direto ao vivo. Enquanto Euclério, em dada altura, passou a ler as respostas redigidas por sua equipe em suas “colas”, Célia parecia uma aranha a devorar calmamente uma presa emaranhada em sua teia.
O debate, é claro, contou pouquíssimo na definição de voto do eleitorado em geral, mas serviu como marco e evidência de que Célia é excelente debatedora, enquanto Euclério, definitivamente, não o é. Simplesmente não é o forte do prefeito, que se sai bem melhor em entrevistas e se mostrava bastante à vontade nos discursos da tribuna da Assembleia.
Euclério: do Republicanos ao PSB
O poder atrai aliados. Mais ainda, um prefeito bem avaliado. A amplitude da coalizão de Euclério na cidade é tão impressionante que, hoje, o rol de partidos já comprometidos com a sua reeleição vai de agremiações da direita conservadora, como o Republicanos (partido do deputado federal de Euclério em Brasília, Messias Donato), a siglas de centro-esquerda, como o PSB do governador Renato Casagrande; inclui partidos que estão fora do governo Casagrande, como o próprio Republicanos (legenda do prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini), e outros integrados ao projeto liderado pelo governador, a começar pelo próprio PSB.
O compromisso do Palácio Anchieta
Mas, acima de qualquer sigla partidária, o principal apoio político a Euclério vem do Palácio Anchieta. Especificamente, da pessoa do governador, parceiro incondicional do prefeito.
A parceria política e administrativa que tem dado suporte ao governo de Euclério na cidade vai se reverter em apoio eleitoral do Palácio à sua reeleição, até porque Casagrande tem com ele o compromisso de retribuir a ajuda inestimável recebida em 2022.
Na última eleição estadual, sobretudo no acirradíssimo 2º turno contra Manato (PL), Euclério foi fundamental para a vitória de Casagrande em Cariacica, assim como o foram os prefeitos Arnaldinho Borgo (Podemos) em Vila Velha e Sérgio Vidigal (PDT) na Serra.
Casagrande nem precisa subir em palanque. O volume de investimentos do governo estadual que tem jorrado na cidade desde o início da gestão de Euclério – notadamente em obras de infraestrutura, como drenagem, pavimentação de ruas, reformas de escolas e unidades de saúde, para não falar da Nova Orla inaugurada em dezembro – na certa se reverterá em um bom volume de votos para o atual prefeito que, como grande aliado de Casagrande, tem sabido capitalizar essas entregas.
A quase unanimidade euclerística
Chama a atenção um número informado à coluna pelo próprio Euclério. O dado é muito representativo do êxito dele em construir na cidade uma unidade em torno de seu nome que beira a unanimidade:
Em 2020, o atual prefeito teve nada menos que 13 adversários nas urnas. Desse total, nada menos que nove foram incorporados por ele à sua base ao longo do mandato e hoje o apoiam. As exceções, além de Célia e do Pastor Ivan Bastos – potenciais concorrentes agora –, são Bia Biancardi e Doutor Motta, que concorreram, respectivamente, pelos nanicos PMB e DC. Ambos estão ausentes do jogo político e mantêm neutralidade, segundo informações do prefeito.
“Quem não compõe comigo é porque realmente não compõe com ninguém”, avalia Euclério.
Debates em 2024
A constatação feita acima a respeito do desempenho discrepante em debates nos permite inclusive antecipar uma dúvida: se Euclério estiver muito à frente nas pesquisas, será que ele comparecerá a debates com Célia Tavares, sem ter por que se arriscar a um confronto direto de ideias com a oponente? Afinal, jogando nesse campo, a petista só tem a ganhar, enquanto ele só tem a perder…
De todo modo, o ponto-chave é: Célia tem, no mínimo, potencial para incomodar Euclério… daí a ameaçar sua reeleição, vai uma enorme diferença.
Baixíssima participação
A eleição de 2020 em Cariacica foi marcada pelo baixíssimo comparecimento: os 95.356 votos que deram a vitória a Euclério corresponderam a 36,3% dos votos possíveis, em um colégio eleitoral que somava 262.414 cidadãos aptos a votar.
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