Coluna Vitor Vogas
Análise – As cartas de Paulo: e se o plano de Hartung for outro?
Ex-governador tem sido cotado e incluído em pesquisas como possível candidato ao Governo do Estado novamente ou ao Senado pelo Espírito Santo no ano que vem. Mas um detalhe em sua filiação ao PSD sinaliza outra direção…

Paulo Hartung toma café com Gilberto Kassab (19/03/2025)
O ex-governador Paulo Hartung está sem partido desde que saiu do MDB, pouco antes do encerramento do seu último governo no Espírito Santo, em 2018. Não exerce nem disputa mandato desde o fim do referido governo. Mas em breve iniciará um nova etapa de sua trajetória política. No dia 26 de maio, vai se filiar oficialmente ao Partido Social Democrático (PSD). Além da data, o evento de filiação já tem local definido: será na sede nacional do PSD, em São Paulo, presidido no país por Gilberto Kassab, ex-prefeito da maior cidade brasileira. Os dois tomaram um café na última quarta-feira (19).
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O ato de filiação será o marco do retorno de Hartung à vida pública. Mas retorno de que maneira?
O local do ato é muito revelador. Segundo a assessoria de Hartung, não haverá complemento: nenhum outro evento de filiação, mesmo que simbólico, no Espírito Santo.
Hartung tem sido cotado e incluído em pesquisas como possível candidato ao Governo do Estado novamente ou ao Senado pelo Espírito Santo no ano que vem. Mas chama a atenção que um potencial candidato a cargo majoritário no Espírito Santo realize a sua filiação… em São Paulo. A menos que…
A menos que o plano não seja esse.
O local da filiação aponta para outro caminho. É um sinal poderoso de nacionalização do projeto de Hartung; um fortíssimo indício de que o possível retorno do ex-governador às disputas eleitorais ultrapassa o plano estadual. Governador, senador… pode não ser por aí.
Para se habilitar a disputar qualquer mandato eletivo em 2026, de deputado estadual a presidente da República, Hartung, como qualquer cidadão, precisará estar filiado a um partido até abril do ano que vem – seis meses antes do 1º turno. Filiando-se agora, em maio de 2025, ele passa a estar oficialmente vivo no jogo, com uma boa antecedência, para discutir (ou ser inserido) em discussões voltadas para a formação de chapas.
Mas o jogo em que Hartung deseja estar vivo pode ser outro, assim como seu verdadeiro plano.
Recolocar-se no jogo político, sim, mas em outro jogo, maior, jogado no andar de cima pelos grandes players nacionais (Kassab incluído). Tentar se sentar à mesma mesa que eles, aquela onde serão decididas as alianças para as próximas eleições presidenciais. Apresentar-se também ele como um player na disputa nacional, um nome a ser considerado na composição das chapas à Presidência da República – quiçá como candidato a vice-presidente em uma aliança de centro-direita, faixa do espectro ideológico na qual o PSD se encontra.
Hartung é, acima de tudo, um nome que agrada ao mercado financeiro. Pode ser endossado pela Faria Lima (o coração econômico do país, que por acaso fica em…). Colocando-se nesse jogo agora, pode buscar se viabilizar como o nome do mercado para completar uma chapa presidencial ao lado de um candidato de direita, emprestando-lhe o lastro de compromisso com a responsabilidade fiscal no Planalto.
O PSD apoia o governo Lula (PT), tem três ministros no governo e alguns de seus expoentes no país são grandes aliados do presidente, como o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Mas, em São Paulo, o partido de Kassab é aliado do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), presidenciável em 2026. O próprio Kassab é secretário de Governo e Relações Institucionais de Tarcísio e tem dito que o PSD estará no projeto eleitoral do governador, seja ao Palácio do Planalto, seja à reeleição no Palácio dos Bandeirantes.
Kassab também já disse que o PSD pretende lançar candidato próprio à Presidência da República. Um dos cotados é o governador do Paraná, Ratinho Jr.
Hartung é um economista de viés fortemente liberal, acentuado em seu último governo e nos anos subsequentes, dedicados ao mundo corporativo. Como gestor público, tem as credenciais de alguém que governou por três mandatos um estado do Sudeste e o deixou saneado do ponto de vista fiscal (em contraste com a quebradeira e o endividamento dos vizinhos), aliadas às credenciais acumuladas como alto executivo de grandes grupos privados nos últimos anos: conselheiro da Unimed, conselheiro da Vale, presidente executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá).
Esse currículo é música para os ouvidos dos grandes agentes do mercado, os mesmos que arrancam os cabelos com o desenvolvimentismo e o gasto público do governo Lula e que fizeram uma aposta frustrada em Paulo Guedes no governo Bolsonaro – um liberalismo fake, já que o próprio presidente era um histórico estatista, lobista de uma das corporações do serviço público que mais ostenta privilégios e drena recursos públicos neste país: as Forças Armadas.
Mais que dar uma cartada ou guardar uma carta na manga, Hartung pode querer ser uma carta na manga para o mercado na disputa presidencial; e, nos próximos meses, pode buscar se consolidar como essa carta, para ter o nome sinceramente levado em conta na mesa de carteado dos big players.
Vale lembrar que não seria a primeira vez que ele tentaria se colocar nesse jogo.
As outras tentativas
De 2017 para 2018, como governador do Espírito Santo – então mais aclamado fora do Estado do que dentro –, Hartung participou pessoalmente de um movimento forte de bastidores, reunindo o apresentador Luciano Huck (sem partido) e o economista Paulo Guedes, entre outros atores. Chegou-se a cogitar de verdade uma chapa presidencial de centro democrático e liberal, tendo Huck na cabeça e Hartung como possível vice.
O projeto acabou engavetado. Não foi à frente porque Huck refugou. Guedes acabou se acomodando com Bolsonaro. Hartung não foi candidato a nada. Desistiu até de disputar a reeleição – como dito, era então mais aclamado fora do Estado do que dentro, e teria uma campanha eleitoral muito difícil pela frente. Suspendeu, então, sua carreira política. Na disputa presidencial, o centro foi asfixiado, e tivemos o primeiro assalto da polarização sufocante entre o petismo e o bolsonarismo, vencido pelo segundo.
Em 2022, sem mandato e muito mais discretamente, nos últimos meses do prazo de filiação de pré-candidatos, Hartung manteve conversas com o mesmo Kassab e chegou a ensaiar sua filiação ao PSD, a fim de se encaixar, pelo partido, numa chapa presidencial. O plano não deslanchou. Hartung seguiu sem filiação e, assim, não concorreu a nada. Na presidencial, o PSD manteve-se neutro. No segundo assalto da extrema polarização, tivemos a revanche do petismo contra o bolsonarismo e dessa vez, com Lula candidato, o petismo levou a melhor.
Agora, Hartung entra para valer no jogo, com maior antecedência. A filiação fala por si: é um primeiro passo essencial para que eventual presença dele em chapa presidencial deixe de ser quimera ou especulação remota, com o nome soprado em poucas rodas. E o cenário nacional, dessa vez, pode lhe ser mais favorável.
Há, dos dois lados, sinais de esgotamento da polarização que dominou o Brasil na última década, do populismo de extrema direita contra o de esquerda. A popularidade do presidente Lula vai de mal a pior, como atestam todas as pesquisas de opinião, ao passo que Bolsonaro, além de inelegível, perde a olhos vistos seus outrora invejável e inegável poder de mobilização. Sintomático foi o fracasso das manifestações convocadas por ele no último fim de semana. Os brasileiros dão sinais de ressaca, de estarem cansados de tanta gritaria.
Isso abre espaço para o surgimento de candidaturas de centro, ou de uma direita mais moderada – onde Hartung parece política e economicamente mais à vontade hoje em dia.
Por que não a governador?
Pessoalmente não acredito – não acredito mesmo – em uma nova candidatura de Hartung ao Governo do Estado. Por três razões.
Primeiro porque isso iria radicalmente contra o discurso do próprio ex-governador, enfatizando a necessidade de formação de novas lideranças e enaltecendo o sucesso nas urnas de jovens líderes no Espírito Santo no ano passado – destacadamente, Lorenzo Pazolini (Republicanos) em Vitória. Na próxima eleição ao Palácio Anchieta, vejo um Hartung muito mais propenso a incentivar a candidatura de Pazolini e a apoiar o atual prefeito, se ele for mesmo candidato ao governo.
Segundo porque tenho a impressão de que Hartung já “desencarnou” há muito tempo do Palácio Anchieta. Não quis tentar a reeleição em 2018. Passou longe de tentar voltar em 2022. Após três mandatos – o primeiro, há mais de 20 anos –, ele já deu sua (inestimável) contribuição ao Estado no cargo. Não tem mais o que provar a ninguém nem a si mesmo.
Sua importância para a história do Espírito Santo é indiscutível. Seu último governo, de 2015 a 2018, já foi complexo. Financeiramente, com o início da reforma tributária, a quadra de 2027 a 2030 promete ser complicadíssima. Para que colocar em risco sua história, seu legado e seu capital político?
Terceiro porque convenhamos: se Hartung for candidato a governador, terá pela frente uma disputa duríssima, sem mandato, sem máquina política para operar, com recall certamente menor do que já foi no passado e com concorrentes muito fortes, na situação ou na oposição. Se tem algo de que Hartung sempre se mostrou muito cioso é sua história e sua imagem pública.
Não é demais lembrar: ele é o único político de peso em atividade no Espírito Santo, com mais de duas décadas de estrada e eleição majoritária no currículo, até hoje invicto nas urnas. Desde 1982, em oito eleições disputadas, de deputado estadual a senador, passando por deputado federal, senador, prefeito de Vitória e três vezes ao Governo do Estado, jamais foi batido nas urnas. Tem o recorde perfeito, a marca da invencibilidade. Por que arriscá-la a esta altura da vida, sem precisar fazê-lo?
E, veja bem, não se trata de dizer que Hartung “só vai na bola garantida” e sempre disputou eleições que sabia ter boas chances de ganhar. Em seu currículo houve grandes desafios, contra adversários carne de pescoço.
Para ficar em dois exemplos, em sua chegada ao Palácio Anchieta, em 2002, ele, então senador, precisou derrotar ninguém menos que o ex-governador e então deputado federal Max Mauro, uma lenda da política capixaba, em um 1º turno que antecipou o 2º. Por sinal, falecido no ano passado, Max fora a grande referência de Hartung e seu grupo político quando ingressaram na política institucional, pelo MDB, no fim dos anos 1970.
De igual modo, em um 2º turno antecipado, Hartung logrou derrotar ninguém menos que o então governador Renato Casagrande (PSB), que tinha a máquina nas mãos, em 2014. Foi a primeira e, até hoje, a única vez que um governador do Espírito Santo tentou e não conseguiu renovar o mandato, desde a introdução da reeleição para cargos do Executivo no Brasil, em 1998.
Por outro lado, é certo que Hartung sempre teve como marca o calculismo: medir bem, com antecedência, cada passo, para decidir dá-lo ou não. Em disputa impossível ele não entra.
E a senador?
A senador pelo Espírito Santo, já acredito que uma candidatura de Hartung seja possível e que faça muito mais sentido. Isso se não der certo, de novo, a inserção num projeto nacional…
Como senador da República, dependendo do(s) posto(s) assumido(s) – lugar na Mesa Diretora, presidência de comissões, relatoria de projetos importantes, liderança do governo ou da oposição etc. –, Hartung pode não só voltar a ter mandato (e oito anos de mandato!) como também voltar a ser uma voz influente no centro do poder em Brasília e nos grandes debates da agenda nacional, travados no Congresso.
Faço, porém, três ressalvas:
1) Hartung já foi senador, por quatro anos, de 1999 a 2002. Não é parlamentar desde então.
2) Seu perfil é muito mais de Executivo. Como senador, por mais influente que seja a posição ocupada, ele será mais um entre 81. Sem falar na Câmara Federal, a outra Casa, ali ao lado, com mais de 500 deputados. E é preciso ter uma paciência enorme para os jogos de poder travados nos bastidores – muitas vezes não resolutivos, jogados como um fim em si mesmos.
3) A eleição para o Senado também promete ser complicadíssima. Como já escrevi aqui, se o governador Casagrande for candidato, será uma zebra e tanto ele não beliscar uma das duas vagas. Restará a outra, osso cobiçado por uma matilha. À esquerda, há Contarato (PT) em busca da reeleição. À direita, o PL quer ter candidato. Há, ainda, as possíveis candidaturas de Sérgio Meneguelli (Republicanos ou PSD), Evair de Melo (PP), Da Vitória (PP), Manato e por aí vai.
