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Coluna João Gualberto

Lições do segundo turno

Apesar de já ser assunto muito comentado, gostaria de deixar aqui algumas observações que me parecem relevantes sobre as eleições que se encerraram

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No ES, apenas a Serra terá segundo turno. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Segundo turno aconteceu no último domingo. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

As eleições de 2024 chegaram ao fim no dia 27 de outubro último. Boa parte dos resultados há haviam sido anunciados pelas pesquisas quantitativas, de ótimo nível, que são feitas e publicadas no Brasil. Muitas análises também já foram publicadas depois dos resultados anunciados, aliás em uma velocidade impressionante e impensável há poucos anos.

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Apesar de já ser assunto muito comentado, gostaria de deixar aqui algumas observações que me parecem relevantes sobre as eleições que se encerraram. A primeira é que a fragmentação das lideranças da direita era um fato que tinha tendência de acontecer, embora não fosse ainda uma certeza. Jair Bolsonaro, com grande esperteza política, galvanizou o mal-estar com o sistema político brasileiro nas eleições presidenciais de 2018. Aliás, já havia multiplicado em muitas vezes sua votação para deputado federal pelo Rio de Janeiro em 2014, quando incorporou um discurso misógino e autoritário à sua atuação parlamentar de intermediação de interesses dos militares naquele estado.

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Bolsonaro não criou a onda conservadora no Brasil, mas soube surfar nela com sagacidade. Aos menos atentos, ele pareceu ser, naquele momento, mais importante do que realmente era, embora não se possa negar a sua importância na visibilidade das teses conservadoras que sempre existiram no Brasil. Fez isso de forma especial com os evangélicos, um grupo até então alijado do poder tradicional, sobretudo os mais pobres, reunidos nas chamadas igrejas neopentecostais.

Deu passagem e articulou os elementos do Brasil profundo, das nossas formações mais tradicionais em torno dos valores da família, do cristianismo conservador, das populações recém enriquecidas do mundo rural, dentre muitas outras. Seu papel político na nossa história, para sempre, terá sido esse: o de organizar uma nova direita, em grande parte como reação às conquistas individuais das múltiplas identidades no mundo contemporâneo.

Ocorre que a roda do tempo gira – usando uma expressão muito cara ao grande jornalista Rogério Medeiros – e os elementos vão se transformando. A direita se enraizou na sociedade e passou a articular interesses que não cabem mais na narrativa moral e de valores tradicionais. Outros atores foram se incorporando ao processo, com demandas mais sofisticadas e sem vínculos mais fortes com aqueles que produziram o furacão de 2018.

Prova disso é o protagonismo que o chamado empreendedorismo ganhou recentemente, ajudando a produzir novos valores na sociedade e projetando novas lideranças, coisa que não estava posta nos primeiros anos de existência da nova direita. Mas, para além desse fator, vimos também que muitos líderes se desgastaram pela incapacidade de construir novos debates em torno de si, pois é muito difícil manter a chama da liderança acessa tocando uma espécie de “sambinha de uma nota só”.

Por outro lado, está ficando cada vez mais claro que a população cansou dessa brigalhada sem fim. A polarização afetiva que dividiu famílias e destruiu amizades cansou. As urnas também mandaram esse recado: chega de agressões, de violência, de fake news. Tudo isso está sendo abandonado como prática política que produz votos. O grande resultado eleitoral de lideranças como a de Gilberto Kassab e seu partido de centro mostram isso. Por conta desse novo quadro político, a família Bolsonaro está perdendo a hegemonia de liderança nas direitas brasileiras. O auto-proclamado “imbrochável” está com menor potência.

O maior atestado dessa inflexão para o discurso moderado é o governador Renato Casagrande, que obteve muito sucesso eleitoral nestas eleições. Como não pode mais concorrer ao cargo de governador, tende a uma futura campanha ao senado da República, com grandes chances de sucesso. Creio mesmo que vá se compor bem tanto à esquerda quanto à direita, como fez na prefeitura de Vitória, quando apoiou Luiz Paulo, do PSDB, e João Coser, do PT. Essa é a tônica do estilo Casagrande de fazer política.

Para 2026 temos no Espírito Santo um cenário ainda bastante opaco. Não se pode, neste momento, avançar em torno de candidaturas viáveis para 2025, não é tempo disso. Estamos no tempo de plantar, e todos os players políticos que tenham potencial de sucesso farão exatamente isso, posicionando-se de forma estratégica e esperando o início de 2026. Aqui certamente haverá um grande número de pretendes na centro-direita, sobretudo daqueles que aguardam o apoio de Renato Casagrande.


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João Gualberto

João Gualberto é professor Emérito da Universidade Federal do Espírito Santo e Pós-Doutor em Gestão e Cultura (UFBA). Também foi Secretário de Cultura do Espírito Santo de 2014 a 2018. João Gualberto nasceu em Cachoeiro do Itapemirim e mora em Vitória, no Espírito Santo. Como pesquisador e professor, o trabalho diário de João é a análise do “Caso Brasileiro”. Principalmente do ponto de vista da cultura, da antropologia e da política.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do ES360.